segunda-feira, 25 de novembro de 2024

A “colonização dourada” idealizada pela China




A “colonização dourada” idealizada pela China

 

Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania

 

Houve ainda quem mencionasse que esses acordos ajudariam o Brasil a diversificar suas atuais fontes de tecnologias com origem em outros países e reduziriam sua dependência. Me parece mais uma troca de “dependências”, só que no caso da China seria muito mais abrangente e sem retorno. A China não transfere tecnologia em troca de nada. Geralmente Xi Jinping condiciona a investimentos disfarçados em parcerias comerciais. Empresas brasileiras teriam que participar de joint ventures, assimilar e depender da transferência de tecnologia como parte do acordo.

 

Mais de 100 países já aderiram à Nova Rota da Seda ou Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI)[1]. Dos 100 países, 22 são da América Latina. Durante a visita de Lula à China, em abril de 2023, já haviam sido assinados vários acordos para reforçar a cooperação econômica entre os dois países. A China tem pressionado o Brasil para que se junte formalmente à BRI o que, segundo ela, poderia gerar investimentos significativos em infraestrutura, como portos, ferrovias e rodovias, além de projetos de energia “verde “e saúde.

Durante o encontro entre Lula e Xi Jinping, neste novembro de 2024, em Brasília, foram assinados 37 acordos de “cooperação” abrangendo diversas áreas estratégicas, sem, no entanto, formalizar a entrada do Brasil no projeto chinês da Rota da Seda. Entre os acordos assinados estão (1) agronegócio: que prevê a abertura do mercado para alguns produtos brasileiros como sorgo, gergelim e uva fresca; (2) tecnologia: de inteligência artificial e economia digital; (3) infraestrutura: projetos de infraestrutura e transição energética (?); (4) energia: opção por energia nuclear para uma transição energética de matriz limpa (?); (5) saúde e educação: intercâmbio e cooperação (?); (6) turismo e cultura: promoção de intercâmbio (?). As interrogações no texto acima se referem às propostas de cooperação que mais parecem uma forma de sossegar o mercado e o governo dividido, sobre entrar ou não no projeto de “colonização dourada” que a China propõe e dissimula as verdadeiras intenções nas entrelinhas do acordo. A verdade é que esses itens podem representar uma preparação do ambiente político/ econômico sobre uma possível adesão formal do Brasil à Rota da Seda. O gato subiu no telhado? Biden criticou a possível adesão, se sentindo traído, mas Trump vem aí e não dá a mínima para o Brasil.

Os especialistas enfatizam que esses acordos já firmados reforçam a parceria estratégica entre Brasil e China, promovendo o desenvolvimento econômico e a inovação tecnológica em ambos os países. Mas qual seria a real necessidade do Brasil em promover acordos de renovação ou inovação tecnológica com a China? Muitos responderão que afinal a China é o maior parceiro comercial do Brasil e que uma cooperação em tecnologia fortaleceria esse laço. Será? Afirmar que a China avançou em tecnologia nuclear enquadrada como “renovável” é no mínimo um dissenso, principalmente se considerarmos os fantasmas de Angra.

Houve ainda quem mencionasse que esses acordos ajudariam o Brasil a diversificar suas atuais fontes de tecnologias com origem em outros países e reduziriam sua dependência. Me parece mais uma troca de “dependências”, só que no caso da China seria muito mais abrangente e sem retorno. A China não transfere tecnologia em troca de nada. Geralmente Xi Jinping condiciona a investimentos disfarçados em parcerias comerciais. Empresas brasileiras teriam que participar de joint venture, assimilar e depender da transferência de tecnologia como parte do acordo.

Dentro da Rota da Seda, os países que aderiram já começam a questionar essas negociações e temer a vantagem competitiva da China. Os principais impasses poderiam estar na colaboração tecnológica que pode levar a inovações para beneficiar setores estratégicos como agricultura, saúde e manufatura.

Se o Brasil vier a aderir à Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), é preciso questionar muitos fatores que criam um risco potencial à sua soberania: (1) a expansão econômica facilitaria e favoreceria principalmente a China a ampliar o acesso aos mercados de exportação com países da Ásia, Europa, África e América Latina, usando o Brasil como hub e trampolim.  A China precisa alicerçar seu crescimento econômico a qualquer custo; (2) ampliação da infraestrutura global em que a China aplica sua expertise na infraestrutura calcada em ferrovias, portos, estradas e telecomunicações. Um objetivo bastante estratégico da China para melhorar a conectividade global e, mais uma vez, promover o que eu reputo ser a principal ambição, pois fortaleceria sua influência econômica e política. É preciso mencionar, ainda, os custos ambientais e sociais para países como o Brasil que têm riquezas minerais e terras para serem exploradas em regiões e biomas importantes para manter o equilíbrio do clima do planeta; (3) segurança energética para a China seria uma estratégia muito forte, considerando o fato dela poder contar com uma grande diversidade de fontes de energia no Brasil para garantir sua hegemonia aliada à segurança para operar rotas de transporte para a logística de distribuição; (4) exploração da cooperação focada em alta tecnologia, diretamente ligada à 5G, inteligência artificial, cidades inteligentes, transformariam a China em líder tecnológica, mesmo usando, inclusive, avanços de outros parceiros já adiantados e criando dependência tecnológica; (5) o aumento da influência geopolítica a partir dos investimentos em outros países em desenvolvimento, minando sua soberania, criaria a possibilidade de consolidar a China como potência global; (6) dívidas – deve-se levar em conta os recursos financeiros a serem investidos pela China, no Brasil. Quanto seria, na verdade, empréstimo para viabilizar a infraestrutura e energia do Brasil para o escoamento de commodities extraídas dos biomas brasileiros que mais beneficiariam a China?

Então, nesse panorama de neocolonialismo, o Brasil poderia ser protagonista com maiores vantagens? A resposta é não. Pois, apesar de uma possibilidade de modernização na infraestrutura, busca quase que fanática do presidente Lula – ferrovias, aeroportos, portos, rotas de integração incluindo hidrovias – haveria um grande risco de, ao modernizar alguns setores estratégicos como energia, telecomunicações ou manufatura, de perder sua autonomia. Os investimentos ou empréstimos chineses atrairiam novos mercados para os produtos brasileiros ou aumentariam as exportações de commodities para e pelos chineses? Outra questão seria se, com a participação do Brasil na Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), resultaria realmente em acesso a novos mercados. 

Do ponto de vista tecnológico, a parceria seria capaz de transferir tecnologia e inovação, para beneficiar a agricultura, indústria e serviços? É uma incógnita e talvez as considerações do governo americano sobre essa parceria de Brasil e China e a perda da soberania brasileira, possam acrescentar algumas respostas. No entanto, há correntes dentro do governo brasileiro que consideram essa parceria uma forma de fortalecimento das relações bilaterais tanto diplomáticas como comerciais entre os dois países. Uma coisa fica bastante clara: o “trilhardário” caminhão de dinheiro chinês para bancar a iniciativa[2] atrai o governo brasileiro.

  


[1] Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative - BRI)

[2]  Nova Rota da Seda: o que Brasil ganha ou perde se aderir a plano trilionário chinês    https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/04/12/nova-rota-da-seda.ghtml


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