A “colonização dourada” idealizada pela China
Telma Monteiro, para o
Correio da Cidadania
Houve
ainda quem mencionasse que esses acordos ajudariam o Brasil a diversificar suas
atuais fontes de tecnologias com origem em outros países e reduziriam sua
dependência. Me parece mais uma troca de “dependências”, só que no caso da
China seria muito mais abrangente e sem retorno. A China não transfere
tecnologia em troca de nada. Geralmente Xi Jinping condiciona a investimentos
disfarçados em parcerias comerciais. Empresas brasileiras teriam que participar
de joint ventures, assimilar e depender da transferência de tecnologia
como parte do acordo.
Mais de 100 países já
aderiram à Nova Rota da Seda ou Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI)[1]. Dos 100 países, 22 são da
América Latina. Durante a visita de Lula à China, em abril de 2023, já haviam
sido assinados vários acordos para reforçar a cooperação econômica entre os
dois países. A China tem pressionado o Brasil para que se junte formalmente à
BRI o que, segundo ela, poderia gerar investimentos significativos em
infraestrutura, como portos, ferrovias e rodovias, além de projetos de energia “verde
“e saúde.
Durante o encontro entre
Lula e Xi Jinping, neste novembro de 2024, em Brasília, foram assinados 37
acordos de “cooperação” abrangendo diversas áreas estratégicas, sem, no entanto,
formalizar a entrada do Brasil no projeto chinês da Rota da Seda. Entre os
acordos assinados estão (1) agronegócio: que prevê a abertura do mercado para
alguns produtos brasileiros como sorgo, gergelim e uva fresca; (2) tecnologia: de
inteligência artificial e economia digital; (3) infraestrutura: projetos de
infraestrutura e transição energética (?); (4) energia: opção por energia
nuclear para uma transição energética de matriz limpa (?); (5) saúde e
educação: intercâmbio e cooperação (?); (6) turismo e cultura: promoção de
intercâmbio (?). As interrogações no texto acima se referem às propostas de
cooperação que mais parecem uma forma de sossegar o mercado e o governo
dividido, sobre entrar ou não no projeto de “colonização dourada” que a China
propõe e dissimula as verdadeiras intenções nas entrelinhas do acordo. A
verdade é que esses itens podem representar uma preparação do ambiente político/
econômico sobre uma possível adesão formal do Brasil à Rota da Seda. O gato
subiu no telhado? Biden criticou a possível adesão, se sentindo traído, mas
Trump vem aí e não dá a mínima para o Brasil.
Os especialistas
enfatizam que esses acordos já firmados reforçam a parceria estratégica entre
Brasil e China, promovendo o desenvolvimento econômico e a inovação tecnológica
em ambos os países. Mas qual seria a real necessidade do Brasil em promover
acordos de renovação ou inovação tecnológica com a China? Muitos responderão que
afinal a China é o maior parceiro comercial do Brasil e que uma cooperação em
tecnologia fortaleceria esse laço. Será? Afirmar que a China avançou em
tecnologia nuclear enquadrada como “renovável” é no mínimo um dissenso, principalmente
se considerarmos os fantasmas de Angra.
Houve ainda quem
mencionasse que esses acordos ajudariam o Brasil a diversificar suas atuais fontes
de tecnologias com origem em outros países e reduziriam sua dependência. Me
parece mais uma troca de “dependências”, só que no caso da China seria muito
mais abrangente e sem retorno. A China não transfere tecnologia em troca de
nada. Geralmente Xi Jinping condiciona a investimentos disfarçados em parcerias
comerciais. Empresas brasileiras teriam que participar de joint venture, assimilar
e depender da transferência de tecnologia como parte do acordo.
Dentro da Rota da Seda,
os países que aderiram já começam a questionar essas negociações e temer a
vantagem competitiva da China. Os principais impasses poderiam estar na colaboração
tecnológica que pode levar a inovações para beneficiar setores estratégicos
como agricultura, saúde e manufatura.
Se o Brasil vier a aderir
à Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), é preciso questionar muitos fatores que
criam um risco potencial à sua soberania: (1) a expansão econômica facilitaria
e favoreceria principalmente a China a ampliar o acesso aos mercados de
exportação com países da Ásia, Europa, África e América Latina, usando o Brasil
como hub e trampolim. A China precisa
alicerçar seu crescimento econômico a qualquer custo; (2) ampliação da infraestrutura
global em que a China aplica sua expertise na infraestrutura calcada em
ferrovias, portos, estradas e telecomunicações. Um objetivo bastante
estratégico da China para melhorar a conectividade global e, mais uma vez,
promover o que eu reputo ser a principal ambição, pois fortaleceria sua
influência econômica e política. É preciso mencionar, ainda, os custos ambientais
e sociais para países como o Brasil que têm riquezas minerais e terras para
serem exploradas em regiões e biomas importantes para manter o equilíbrio do
clima do planeta; (3) segurança energética para a China seria uma estratégia
muito forte, considerando o fato dela poder contar com uma grande diversidade
de fontes de energia no Brasil para garantir sua hegemonia aliada à segurança
para operar rotas de transporte para a logística de distribuição; (4) exploração
da cooperação focada em alta tecnologia, diretamente ligada à 5G, inteligência
artificial, cidades inteligentes, transformariam a China em líder tecnológica, mesmo
usando, inclusive, avanços de outros parceiros já adiantados e criando dependência
tecnológica; (5) o aumento da influência geopolítica a partir dos investimentos
em outros países em desenvolvimento, minando sua soberania, criaria a
possibilidade de consolidar a China como potência global; (6) dívidas – deve-se
levar em conta os recursos financeiros a serem investidos pela China, no Brasil.
Quanto seria, na verdade, empréstimo para viabilizar a infraestrutura e energia
do Brasil para o escoamento de commodities extraídas dos biomas brasileiros que
mais beneficiariam a China?
Então, nesse panorama de
neocolonialismo, o Brasil poderia ser protagonista com maiores vantagens? A
resposta é não. Pois, apesar de uma possibilidade de modernização na
infraestrutura, busca quase que fanática do presidente Lula – ferrovias,
aeroportos, portos, rotas de integração incluindo hidrovias – haveria um grande
risco de, ao modernizar alguns setores estratégicos como energia,
telecomunicações ou manufatura, de perder sua autonomia. Os investimentos ou
empréstimos chineses atrairiam novos mercados para os produtos brasileiros ou aumentariam
as exportações de commodities para e pelos chineses? Outra questão seria se, com
a participação do Brasil na Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), resultaria
realmente em acesso a novos mercados.
Do ponto de vista
tecnológico, a parceria seria capaz de transferir tecnologia e inovação, para
beneficiar a agricultura, indústria e serviços? É uma incógnita e talvez as
considerações do governo americano sobre essa parceria de Brasil e China e a
perda da soberania brasileira, possam acrescentar algumas respostas. No
entanto, há correntes dentro do governo brasileiro que consideram essa parceria
uma forma de fortalecimento das relações bilaterais tanto diplomáticas como
comerciais entre os dois países. Uma coisa fica bastante clara: o
“trilhardário” caminhão de dinheiro chinês para bancar a iniciativa[2] atrai o governo brasileiro.
[1] Iniciativa
do Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative - BRI)
[2] Nova Rota da Seda: o que Brasil ganha ou
perde se aderir a plano trilionário chinês
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/04/12/nova-rota-da-seda.ghtml
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