Ferrogrão: o que tem por trás dos estudos atualizados pelo Ministério dos Transportes e Infra S/A?
Ferrogrão: o que tem por trás dos estudos atualizados pelo Ministério dos Transportes e Infra S/A?
O projeto da Ferrogrão envolve
a construção de uma ferrovia com aproximadamente 933 km para ligar Sinop (MT) ao
porto de Miritituba (PA), para escoar, segundo a Confederação Nacional de
Agricultura (CNA), até 52 milhões de toneladas de commodities agrícolas por
ano. O traçado previsto no projeto é paralelo à BR-163 em que parte está dentro
do Parque Nacional do Jamanxim, que é UC Federal. Além disso, o Tribunal de
Contas da União (TCU) se manifestou, atendendo uma ação do Ministério Público,
sobre a falta de consulta aos povos indígenas.
O Supremo Tribunal
Federal julgou, em maio de 2023, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
6553 do PSOL que questiona a constitucionalidade da MP de desafetação do Parque
Nacional do Jamanxim assinada pela então presidente Dilma Roussef e, entre
outras coisas, a falta de consulta aos povos indígenas. A Medida Provisória
(MP) 758/2016 de Dilma excluiu (desafetação) cerca de 862 hectares lineares do
parque, o que é inconstitucional. Essa desafetação foi a solução usada pelo
governo de Dilma para que fosse possível viabilizar o traçado da EF-170,
Ferrogrão
Em maio de 2023, o
ministro Alexandre de Moraes, do STF, julgou que o processo deveria ir para o
Centro de Soluções Alternativas de Litígios (Cesal)[1], no STF, para se chegar a
um acordo. Ele concedeu um prazo de seis meses para uma solução. O Cesal busca
a mediação e conciliação de litígios de natureza variada; oferece serviços para
promover acordos entre as partes envolvidas, evitando que os casos precisem ser
decididos judicialmente; envolve métodos alternativos de resolução de disputas,
como mediação e arbitragem.
A ação sobre a Ferrogrão
no STF tramitou no Cesal e voltou ao ministro Alexandre de Moraes que determinou,
então, a suspensão da tramitação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6553 por seis meses, para que fossem concluídos os
estudos e as atualizações sugeridas no procedimento de conciliação. Essa
decisão foi tomada para permitir a conclusão dos diálogos e propostas acordados
pelas partes interessadas.
O Cesal, então, encaminhou várias sugestões[2] ao ministro Alexandre de
Moraes que, teoricamente, deveriam tirar o projeto do juízo. Entre elas, destacam-se:
· Compensações Ambientais: propostas para medidas de compensação ambiental devido à alteração dos limites do Parque Nacional do Jamanxim;
· Oitiva das Comunidades Indígenas: sugestão de realizar uma oitiva qualificada das comunidades indígenas afetadas pelo projeto.
· Estudos Técnicos: continuar com os estudos e processos administrativos relacionados à EF-170, Ferrogrão, incluindo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o Ministério da Infraestrutura e o Tribunal de Contas da União (TCU).
Essas “sugestões” foram
um esforço no sentido de encontrar uma solução consensual para dar andamento ao
processo da Ferrogrão, considerando os impactos ambientais e sociais decorrentes
de sua construção. Mas, encontrar uma solução que viabilizasse a Ferrogrão é
uma tarefa hercúlea ou impossível, dados os problemas já apontados pela
sociedade civil, pelo MP, pelo Ibama que analisou o EIA e pelo TCU, ao longo de
mais de uma década.
O Cesal recomendou, nas
sugestões encaminhadas ao ministro, a realização de uma “oitiva qualificada
das comunidades indígenas” que, traduzido, se trata de um processo de
consulta completo para cada povo indígena levando em consideração seu protocolo
de consulta. Recomendação dispensável, já que essa consulta é obrigatória no
licenciamento de obras que afetem terras indígenas e que deve ser livre, prévia
e informada. É imprescindível regras claras para ouvir e considerar as
opiniões, preocupações e sugestões dos povos indígenas.
·
Consulta Prévia: deve ocorrer antes da
elaboração de qualquer projeto que possa vir a criar impactos para as
comunidades indígenas, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatária.
· Inclusão:
essencial que líderes tradicionais e membros da comunidade estejam presentes
para garantir o pleno conhecimento de como serão afetados;
· Informação
clara e acessível: as informações sobre o projeto, antes da tomada de decisão,
devem ser apresentadas de forma clara e compreensível, traduzidas para a língua
da comunidade, considerando suas culturas;
· Ambiente:
a consulta deve acontecer dentro das próprias comunidades indígenas onde toda a
comunidade pode participar;
· Documentação:
todo o processo de oitiva deverá ser documentado para assegurar que as dúvidas
e sugestões das comunidades indígenas sejam consideradas e incorporadas nas
decisões finais.
Em outubro de 2023 o Ministério dos Transportes criou o Grupo de Trabalho (GT) Ferrogrão com o objetivo de discutir e acompanhar os processos e atualização dos estudos para dar continuidade ao projeto. O GT seria voltado para a questão socioambiental e econômica, para tentar obter um projeto aceitável para todas as partes interessadas, incluindo povos indígenas e as organizações da sociedade civil, MP e comunidades tradicionais. O grupo teria como objetivo construir um diálogo entre o governo, a sociedade civil e as comunidades afetadas pelo empreendimento.
Primeiras considerações sobre a versão atualizada (2024) dos estudos da Ferrogrão
A Infra S.A.[3] produziu uma Nota Técnica
que analisa de forma sintética e evasiva a nova versão dos estudos da Ferrogrão
conduzida pela EDLP[4].
Chama
especial atenção a nova versão do Estudo de Viabilidade Técnica Econômica e
Ambiental (EVTEA) que tenta justificar o injustificável: o mesmo traçado da
EF-170, Ferrogrão (o EIA já havia sido recusado pelo Ibama[5]) e sua interferência no
Parque Nacional do Jamanxim. Esse ponto recebeu atenção especial nos estudos da
Infra S.A. e é exatamente o que deu origem à ADI 6553 do PSOL, sobre a
interferência inconstitucional na UC federal. No documento produzido, em julho
de 2024, foi priorizada o que o estudo
chama de “uma análise completa sobre as terras indígenas, unidades de
conservação, áreas de preservação permanente áreas de preservação permanente,
áreas de conflito fundiário, uso e ocupação do solo[6]”.
Para
tentar o impossível - “consertar” o traçado inicial da Ferrogrão - os novos
estudos incluíram o projeto na mesma área da faixa de domínio da BR-163, o que
na verdade não muda em nada a situação apontada na ação de
inconstitucionalidade do PSOL. A interferência da ferrovia na UC federal no
mesmo traçado, passando também dentro do Parque Nacional do Jamanxim, se
somaria aos impactos ainda não
absorvidos produzidos pela rodovia e que já estão lá há muito tempo. Não dá
para diagnosticar a extensão de novos impactos considerando apenas que eles
“teoricamente” aconteceram durante e depois da construção da rodovia BR-163.
Não é possível incluir os impactos sinérgicos e cumulativos de um
empreendimento novo, dessa envergadura, aos já assimilados por outro, anterior,
cujo traçado curiosamente seria o mesmo.
O
corredor espacial apontado nos novos estudos atualizados é um “blá blá blá”
semântico do projeto de engenharia pois fala em “avaliações comparativas
objetivas”, separando os estudos de corredor espacial da nova
seleção de diretriz de traçado. E, ainda, remete a avaliações adicionais para
manter as melhores condições geométricas, pasme, para obter menores custos de
implantação e operação, priorizando a questão técnica e viabilidade econômica
do projeto e, pior, considera como subjetividades as questões prioritárias dos
impactos ambientais e sociais.[7] O
que seria um projeto tecnicamente adequado, economicamente viável e
ambientalmente equilibrado para o MT e a Infra S.A.? Certamente essa
“metodologia” não está tratando disso na atualização dos estudos da Ferrogrão
em que minimizam as chamadas subjetividades e maximizam os fatores só
importantes para o projeto econômico.
Estranho
é, também, a afirmação do fato de que os 49 km do traçado da Ferrogrão, dentro
da UC, serão considerados parte da faixa de domínio da BR-163, como se essa
simplificação tivesse o poder de evitar novos impactos ambientais ao Parque
Nacional do Jamanxim[8]. Foram, ainda,
introduzidas mais alterações na atualização do projeto da Ferrogrão como o levantamento
dos passivos ambientais da BR -163, que claramente tem o objetivo de afastar a
possibilidade de responsabilização da futura concessionária da ferrovia. Essa
manobra, claramente, impede que sejam dimensionados os impactos sinérgicos e
cumulativos dos dois empreendimentos. (Continua)
[1] O Centro de Soluções Alternativas
de Litígios (Cesal), do Supremo Tribunal Federal (STF) foi criado pela
Resolução 790/2022, assinada pela ministra Rosa Weber.
https://www.conjur.com.br/2023-set-17/leandro-cabral-luz-fim-tunel-litigio-judicial/?form=MG0AV3
[2] https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/centro-de-solucoes-alternativas-de-litigios-apresenta-propostas-para-acao-sobre-ferrograo/?form=MG0AV3
[3] A INFRA S.A. é uma empresa pública
federal do Brasil, vinculada ao Ministério dos Transportes. Foi criada em 2022
pela fusão da VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. e da Empresa de
Planejamento e Logística S.A. (EPL)1. A INFRA S.A. tem como foco principal a
prestação de serviços de planejamento, estruturação de projetos, engenharia e
inovação para o setor de transportes
[4] Nota Técnica Conjunta nº
2/2024/SUFER-INFRASA/DIPLAN-INFRASA/DIREX-INFRASA/CONSAD- INFRASA/AG-INFRASA
[5] O
Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis) não aceitou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto
Ferrogrão em novembro de 2020. A decisão foi baseada na falta de consideração
adequada dos impactos socioambientais e na ausência de um processo de consulta
prévia, livre e informada com as comunidades indígenas e outras partes
interessadas. https://site-antigo.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/estudo-revela-riscos-socioambientais-nao-dimensionados-da-ferrograo?form=MG0AV3
[6]
Item 27 da Nota Técnica
[7]
Ítem 28 da Nota Técnica
[8]
Ítem 30 da Nota Técnica
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