Estudo Preliminar 3 - Ferrogrão e a Soja
na Amazônia
Imagem:
Brasil de Fato
Ferrogrão – soja
no coração da Amazônia
Telma Monteiro [1]
Tarcísio Feitosa da Silva [2]
INTRODUÇÃO
Este
estudo preliminar tem a intenção de despertar uma discussão sobre a
possibilidade de que a intenção de construir a EF-170, a Ferrogrão, para ligar
o Norte do Mato Grosso ao Arco Norte, usando a hidrovia Tapajós – Amazonas para
saída pelo Atlântico, é uma opção descabida, já reafirmada e comprovada e
assimilada pelos povos indígenas, movimentos sociais, organizações da sociedade
civil, cientistas, professores e economistas. Diante das questões atuais de
ocupação e grilagem de terras públicas com um verdadeiro caos
fundiário na Amazônia Legal, construir outro vetor para ocupação do bioma mais importante
do mundo é uma declaração do fim da floresta em pé.
Ficou
provado que a Ferrogrão não se sustenta. Estudos econômicos e financeiros
mostraram que os números apresentados pela Agência Nacional de Transporte
Terrestre (ANTT) não correspondem à realidade. Todos os indicadores demostram que,
se o projeto sair do papel provocará fragilidade social, violência urbana, desassistência,
aumento do desmatamento, falta de saneamento, contaminação dos povos indígenas,
das populações vulneráveis e dos rios pelo mercúrio usado no garimpo, já descontrolado.
Basta entender o que está acontecendo, por exemplo, em Terras Yanomami e
Munduruku, que já têm grande parte da população contaminada pelo mercúrio. As
mudanças climáticas estão alterando o regime de chuvas na Amazônia e expondo uma
realidade que é mais que um simples alerta. Algo está mudando rapidamente. Os
cientistas não brincam com a ciência.
Até
o escoamento das commodities agrícolas e minerais que usa o rio Tapajós e o rio
Amazonas para abastecer grandes navios graneleiros está ameaçado pelas secas
prolongadas. A calha do rio Tapajós, por exemplo, não comportaria o aumento das
cargas se a Ferrogrão saísse do papel. Mas, um dado estarrecedor é o que está
acontecendo no Canal do Panamá. As autoridades do Canal do Panamá reduziram
drasticamente o tráfego dos navios que já se amontoam em longas filas nos dois
lados do canal. Não faltam matérias que alertam para a
incapacidade atual do canal em repor a água potável, já escassa, para abastecer
as comportas.
O
Brasil tem um destaque internacional, como um dos maiores exportadores de commodities
agrícolas do mundo, com tecnologias de ponta, irrigação, solo favorável e
biotecnologia. Mas pecou pelo não planejamento da logística de longo prazo.
Apostou na exploração e ataque da Amazônia em detrimento da floresta e dos
povos que a habitam. Não há dúvidas que
a demanda mundial é crescente, mas o gargalo logístico deverá inviabilizar essa
posição brasileira. As grandes tradings internacionais, idealizadoras da
Ferrogrão, pensada em 2014, não imaginavam que a ideia de levar os grãos do
norte do Mato Grosso para escoamento pelo Arco Norte, poderia estar com seus
dias contados. Graças as lutas dos movimentos sociais, povos indígenas e do
Supremo Tribunal Federal esse “projeto de morte” morreu, por enquanto.
No
entanto, a possibilidade de termos sido enganados com o objetivo de construir a
Ferrogrão é muito grande. Erramos em não pensar que o projeto da ferrovia não
pretendia ligar Sinop no MT a Miritituba no Pará. Na verdade, abaixo vamos
demonstrar como a exploração agrícola e mineral em áreas ainda de floresta em
pé, ao longo do eixo da BR-163, na bacia hidrográfica do Tapajós e no
Interflúvio do Xingu, pode estar nos planos estratégicos dos sojicultores e das
grandes mineradoras. O movimento não seria o de apenas levar as commodities
agrícolas para o Arco Norte, mas explorar o potencial de 436.691 km² de terras
ainda florestadas em grande parte, 35% do Estado do Pará, ou as chamadas áreas
de Consolidação e Expansão
O
governo brasileiro desatento ou apenas escamoteando as notícias internacionais
ignora o aumento dos custos de frete praticados hoje no Canal do Panamá, que já
atingiu patamares inimagináveis. Desde 2020 a crise se agrava. Mais adiante
demonstraremos como a Ferrogrão não se encaixa e nunca se encaixou nessa
alternativa logística que acabaria como a Madeira – Mamoré e destruiria UCs,
terras indígenas. Os governos de outros países já se preocupam com a possível
inviabilidade atual da ligação do Atlântico ao Pacífico pela hidrovia do
Panamá, inaugurada em 1914.
Infelizmente,
fatores variados começam a acender um sinal vermelho nas grandes potências para
o risco de desabastecimento global e consequente aumento dos preços de
alimentos, commodities minerais. O abastecimento da costa leste dos EUA
já sente os efeitos negativos do aumento dos fretes; o governo do Mexico está
desenvolvendo alternativas para ligar o Atlântico ao Pacífico, por terra, com
malha ferroviária e acelerar a conclusão do Corredor Transoceânico. Alguns países já começaram a discutir
alternativas para contornar o problema antes que o mundo entre em colapso.
“A soja é a
principal commodity produzida no Brasil e tem imensa importância na economia do
país. O Brasil é o maior exportador mundial de soja, respondendo por metade do
consumo global desse grão”.
Por que construir a Ferrogrão?
a)
Considerando
que o escoamento de grãos para a Ásia, em especial de soja e carne para a China
(maior parceiro comercial do Brasil), necessariamente usaria o Canal do Panamá
para acessar o oceana Pacífico;
b)
Considerando
que a saída pelo Panamá está comprometida, conforme amplamente noticiado[4]
e [5];
c)
Considerando que o objetivo de construir a
Ferrogrão seria levar a soja do norte do Mato Grosso para o porto de
Miritituba, no rio Tapajós (informações no Caderno ou Estudo de Demanda da ANTT);
“Optou-se por Sinop como o centroide da zona de
origem, pois, de acordo com o Caderno de Demanda (ANTT, 2019a), Dentro do
estado do Mato Grosso, a principal região produtora é o norte do estado, onde
se encontram municípios
como Sorriso, Sinop, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum, entre outros.”
Mudanças climáticas e os reflexos no Canal do
Panamá
Uma
grande seca assola a América do Sul e isso está refletindo na dinâmica da passagem
de navios pelo Canal do Panamá, que liga o oceano Atlântico ao oceano Pacífico.
Os reflexos já se fazem sentir nos custos dos fretes dos grandes navios que
levam grãos e minérios e mercadorias para o mundo inteiro e que têm que fazer a
travessia para o oceano Pacífico e vice-versa.
Algumas
grandes empresas de frete já começam a cancelar a passagem pelo Canal do
Panamá. A crise teve início em 2020 e vem criando sérias dificuldades para o
escoamento de commodities agrícolas, minerais e mercadorias, afetando o
comércio mundial. A Autoridade do Canal do Panamá já acendeu o alerta vermelho
ao reduzir o número de navios que cruzam o canal para menos da metade por dia e
conservar a água suficiente para abastecer as comportas.
Como funciona o Canal do Panamá? Qual o papel da
água doce, nesse contexto?
A
água doce é fundamental para o funcionamento do canal que tem 80 km de extensão
e é indispensável para o transporte de carga entre os continentes. No entanto,
as mudanças climáticas agravadas pelo El Niño já, há algum tempo, tem
transformado essa passagem num pesadelo para grandes embarcações que podem
chegar a 350m de comprimento. Para cruzar o canal cada navio pode utilizar 200
milhões de litros de água doce que acabam perdidos para o mar, na maior parte.
A
hidrovia do Canal do Panamá facilitou o tráfego de produtos do mundo todo e
evitou a perigosa passagem pelo sul da América do Sul, pelo cabo Horn. Para se
ter uma ideia da sua importância 14 mil navios cruzaram o canal em 2022. No
entanto, esse número está sendo reduzido. O tráfego entrega mercadorias e
insumos comercializados entre a Ásia e as Américas, principalmente para a costa
leste dos Estados Unidos.
A
espera na fila, para cruzar o canal, tem chegado a semanas, o que torna os
fretes incrivelmente mais caros e o prazo de entrega mais longo. A crise já
começa a afetar o abastecimento de alimentos e causar prejuízos e escassez dos
produtos no mundo inteiro. O Brasil precisa se preparar para superar mais essa
dificuldade que poderá afetar os resultados de seu crescimento. O governo já
detalhou a iniciativa para criar rotas entre o Brasil e países da América do
Sul para integração regional e entre elas está construir
a Rota de Capricórnio: um corredor bioceânico, desde
os estados de Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina, ligado, por
múltiplas vias, ao Paraguai, Argentina e Chile, e ter uma saída no oceano
Pacífico.
A crise no Canal do Panamá, hoje
O
Lago Gatún, artificial, que abastece a cidade do Panamá, está abaixo do seu
nível normal. A falta de chuvas tem agravado ainda mais a situação no canal,
fato que preocupa as autoridades. A revista Nature publicou um estudo que dá um
alerta sobre a seca extrema que afeta o Panamá. Não há dúvida sobre como um
colapso pode atingir e inflacionar o transporte marítimo de mercadorias no
mundo inteiro. A crise hídrica do canal precisa ser resolvida. Mas, quais as
alternativas disponíveis a curto prazo? Os Estados Unidos já começaram a
planejar o seu futuro.
“Como alternativas reais e viáveis estão a
otimização do sistema ferroviário e rodoviário dos Estados Unidos, bem como a
construção no México do Corredor Interoceânico no Istmo de Tehuantepec”, afirma
Roberto Durán, professor e pesquisador da Escola de Governo e Transformação
Público do Tecnológico de Monterrey (TEC) no México.
E se o Canal do Panamá, longe de
poder ampliar essa capacidade, é limitado, aí temos um problema”, afirma Durán.
Os
panamenhos também são vítimas dessa grave crise que pode impactar o mundo todo.
São 4,2 milhões de habitantes, metade da população do Panamá, que também
dependem da bacia hidrográfica e que disputam a água usada pelo canal. Desde
2017 há um projeto para criar 16 eclusas por dia. Mas a execução requer
condições especiais como reformas legais e aprovações políticas num momento em que
o governo atual está prestes a terminar.
A
solução do impasse no Canal do Panamá, também passa por outras
questões como impactos sobre populações tradicionais no caminho do projeto de
ampliação do canal. Indenizações, política, eleições e custos se somam à consulta
aos habitantes do Rio Índio necessário para a construção de uma das barragens. Diante
de todos os entraves a resolução do problema pode levar muitos anos e afetar a
demanda de produtos, commodities agrícolas e minerais na economia
mundial.
Ferrogrão: qual a relação com o Canal do Panamá?
O
projeto da EF-170 ou Ferrogrão, criado há 20 anos (2014), por tradings do
agronegócio: ADM, Cargill, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi) e agora está sendo
tratado de forma diferente, diante da sentença imposta pelo Ministro Alexandre
de Moraes, no STF, que decidiu pela retomada dos estudos STF.
O
Ministério dos Transportes tenta superar a crise que atrasa os objetivos do
governo que colocou o projeto da ferrovia no Novo PAC. Para cumprir a
determinação de Alexandre de Moraes criou, em novembro de 2023, um Grupo de
Trabalho, GT Ferrogrão, para ouvir integrantes de áreas do governo ligadas à
infraestrutura, aos ministérios dos transportes, do meio ambiente, dos direitos
humanos, dos povos indígenas; com a participação do ICMBIO, lideranças
indígenas, organizações da sociedade civil e movimentos sociais. O GT ouviu os
convidados sobre os impactos esperados se a Ferrogrão saísse do papel.
Não
restam dúvidas quanto aos impactos sociais e ambientais produzidos pela já
construída BR-163 - que data dos anos 1970 - herdados pelos povos da região poderiam
se somar aos da ferrovia se ela fosse construída, considerando que o traçado
previsto é paralelo ao da rodovia. As
reuniões do GT Ferrogrão ajudaram o governo a dar a verdadeira dimensão do
descontentamento, da revolta dos povos indígenas e dos movimentos locais que
acompanharam as discussões.
Ferrogrão e seus idealizadores condenados pelo
Tribunal Popular
No
início do mês de março, um grande Tribunal Popular, em Santarém, PA,
promovido pelos indígenas Munduruku, Kayapó, Panará, Apiaká, Kumaruara,
Tupinambá e Xavante, quilombolas e comunidades tradicionais, agricultores
familiares, assentados, e movimentos sociais da região do Tapajós e Xingu,
julgou a ferrovia e as grandes tradings internacionais que criaram o projeto. O julgamento resultou numa sentença condenatória - Tribunal Popular “Ferrogrão
no banco dos réus” - que elenca os impactos sociais e ambientais que fariam
sucumbir a Amazônia e seus povos originários.
Os estudos foram considerados falhos e a ideia da construção da ferrovia
foi definitivamente rechaçada. Definitivamente não aceita pelos povos indígenas
e movimentos sociais.
Dias
7 e 8 de abril de 2024, o Ministério dos Transportes realizará um Seminário do
GT Ferrogrão, em Santarém (PA), em que ouvirá indígenas e movimentos sociais e
apresentará as manifestações finais, e conclusões do GT, além de apresentações
dos convidados e dos integrantes dos ministérios, com o objetivo de concluir as
discussões sobre a viabilidade da Ferrogrão. O governo certamente apresentará
uma revisão dos estudos de viabilidade econômica, ambiental, técnica e social, que
teve a última atualização em 2020.
Muito
recurso já foi investido para manter esse projeto sob os holofotes da sociedade,
principalmente com a força das tradings Cargil, Amaggi, Louis Dreyfus,
acompanhados da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), indústrias ligadas
ao agro e à pecuária. Já chega dessa inversão de valores. Até no Panamá uma comunidade,
a do Rio Índio, tem o poder constitucional de recusar a construção de qualquer
projeto que possa prejudicar suas vidas.
No
entanto, não pode haver conclusão favorável sobre construir uma obra na
Amazônia com os comprometimentos já amplamente apresentados que vão desde a
falta de Consulta Livre, Prévia e Informada aos povos indígenas conforme a
Resolução 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, até as questões mais
subjacentes que levariam à destruição do bioma mais importante do planeta.
Nesses meses em que o GT Ferrogrão funcionou ficou amplamente constatada, pelas
manifestações apresentadas, a inexequibilidade econômica, financeira, ambiental
e estratégica do projeto que nasceu morto.
PROJETOS DE LEI QUE AMEAÇAM ÁREAS DE FLORESTA NA
AMAZÔNIA
Neste
20 de março de 2024, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados
votou o PL 364/2019 que põe em risco a integridade de todos os biomas
brasileiros: mais de 50% do Pantanal, 32% dos Pampas e 7% do Cerrado, além de
ameaçar diretamente 15 milhões de hectares na Amazônia. Esses “números representam mais de 16
vezes a última taxa de desmatamento do bioma (2022-2023), de 900 mil hectares”.
Leia A NOTA TÉCNICA E JURÍDICA da SOS Mata Atlântica.
“Os municípios afetados em mais de
50% de seu território por UCs de domínio público e Terras Indígenas devem ser
beneficiados com a redução da Reserva Legal, não apenas para fins de
recomposição, pois já contribuem expressivamente com a conservação ambiental e
sofrem em demasia com as restrições de ordem econômica que essa contribuição
impõe.” (Texto PL 3334/2023 sobre redução Reserva Legal na Amazônia Legal)
E SEM A FERROGRÃO?
Diante
dos cenários apresentados abaixo, a Ferrogrão, na Amazônia, é perfeitamente
dispensável, a menos que estejam considerando induzir a ocupação de áreas de
floresta nas regiões dos portos do Arco Norte, na bacia do Tapajós, ao longo da
BR-163, até Sinop no MT.
Conforme
o Caderno de Demanda dos estudos atualizados em 2020, temos os seguintes
cenários, com o andamento da construção de outras ferrovias: a FICO e sua
extensão até Porto Velho (RO), a extensão da RMN de Rondonópolis/MT até
Sinop/MT, a extensão da FNS de Açailândia/MA até Barcarena/PA, a FIOL (Caetité
a Ilhéus) e FNS (Porto Nacional a Estrela d’Oeste) prevista para 2030;
No Cenário (2035): FIOL (Caetité-Figueirópolis); FICO (Lucas do
Rio Verde-Campinorte); TLSA; FNS (Açailândia-Barcarena);
No Cenário 3 (2045): a Extensão FICO
(Lucas do Rio Verde-Porto Velho); Extensão FNS (Panorama-Rio Grande);
A
Ferrogrão, se construída, teria o potencial de induzir a ocupação e destruição
da Amazônia na região dos portos do Arco Norte e em seu traçado no rumo Sul.
Diante disso, está mais claro ainda, que a demanda teria origem ao longo da
BR-163 e que já tem um projeto de duplicação no trecho do Estado do Pará.
A
cidade de Sinop, no Mato Grosso, apesar de ser considerada o início ou zona de
origem, de acordo com o Caderno de Demanda (ANTT, 2019a), na verdade, estaria
mais para zona de destino, diante do incremento da região produtora na zona
do traçado previsto da ferrovia, e no Arco Norte, onde se encontram as Zonas de
Consolidação e Expansão. Como já citado, as demais ferrovias seriam complementos.
O fim da economia da
floresta em pé e a questão fundiária nas Zonas de Consolidação e Expansão no
Estado do Pará
“Com 144 municípios distribuídos em
um território de 1.247.689,6 km2, tem-se 65% da área total (810.998,18 km2 )
correspondem à zona de conservação ambiental; e os 35% (436.691,33 km2 )
restantes correspondem à zona de consolidação e expansão da economia do Pará”
(CARVALHO et al., 2014).
“Em resumo, o ZEE prevê 65% da área
do Estado do Pará para conservação e uso florestal e 35% para a consolidação de
atividades produtivas, principalmente a agropecuária
Dos 14 polígonos florestais
identificados, 10 polígonos (77% da total estudada) estão totais ou
parcialmente situados na zona destinada às Unidades de Conservação de Uso
Sustentável. Por outro lado, os outros quatro polígonos florestais estão
totalmente localizados em zonas destinadas à consolidação do desenvolvimento de
atividades produtivas (somando 23% da área estudada)” (IMAZON, 2006).
O
Decreto 1164/1971[3] pode ser apresentado como o AI 5 fundiário da Amazônia,
pois autorizou o general Emílio Garrastazu Médici, presidente na ditadura, a
praticar o genocídio dos povos indígenas da Amazônia, ao declarar que a
floresta e os indígenas seriam empecilho ao “desenvolvimento” da pecuária e da
produção de commodities agrícolas, na região, em substituição à floresta
nativa.
Esse
Decreto foi a base da política genocida instituída pelos ditadores militares no
Brasil, pois autorizou o contato forçado, a retirada desses povos de seus
territórios tradicionais, além de expor, propositalmente, essas comunidades às
doenças desconhecidas de seu sistema imunológico e que exterminaram grupos
indígenas.
Além disso, a estrutura fundiária que induzia
a uma falsa ideia de colonização, repassou milhares de hectares de terras
públicas, por meio de contratos de concessão, para grupos políticos e
econômicos apoiadores do regime da época.
A constituição das Glebas Públicas Federais,
os Contratos de Alienação de Terras Públicas (CATPs), Contratos de Domínio de
Terras Públicas (CCDTP) e outros de denominações várias, somados à declaração
que tornou indispensável à segurança e ao desenvolvimento nacionais, terras
devolutas situadas na faixa de cem
quilômetros de largura em cada lado do eixo de rodovias na Amazônia Legal[15].
Essa
herança do Estado de Exceção, Lei 1.164/1971, totalmente revogada pela Lei 2.375,
de 24 de novembro de 1987, sem cessar os seus efeitos já consolidados,
acabou por construir um ambiente propício para implantação da infraestrutura
ligada às atividades de exploração extensiva e intensiva de minério, à introdução
do cultivo de grãos e criação de gado na Amazônia, às linhas de transmissão de
energia elétrica, à construção de grandes hidrelétricas e, atualmente, a possibilidade
de implantar a Ferrogrão – EF-170[4] com
a justificativa de escoar a exportação de commodities agrícolas, do
Norte do Mato Grosso, para o Arco Norte.
Essa herança deixada pela Ditadura Militar não
foi questionada e nunca passou por uma revisão ou debate público com a
academia, ou com a sociedade civil amazônica ou com o restante do país, de
forma democrática. Na verdade, essa herança se tornou a base de todas as
políticas de desenvolvimento econômico da Amazônia, passando por todos os
governos, incluindo os democráticos.
Só assim, com essa herança, seria possível tentar
implantar um eixo ferroviário ligando Miritituba, distrito do município de
Itaituba/PA à cidade de Sinop/MT, com a construção do primeiro trecho de
aproximadamente 933 km, a ser complementado por dois ramais: Santarenzinho,
entre Itaituba/PA e Santarenzinho, distrito do município de Rurópolis/PA, com
cerca de 32 km; e Itapacurá, localizado integralmente no município de
Itaituba/PA, com aproximadamente 11 km.
A bacia do tapajós e a configuração fundiária
como indutora do início do cultivo de grãos
Com
81 sub bacias, a bacia hidrográfica do Rio Tapajós tem 764.183 km² e está
incrustrada entre o Estado do Pará e Mato Grosso. Antes, a bacia do Tapajós era
considerada o território tradicional de vários povos indígenas e de
perambulação de indígenas isolados. Parte desses povos foi removida, compulsoriamente,
para o Parque Nacional do Xingu ou teve seus territórios reduzidos
drasticamente, colocando em risco sua evolução cultural, social e física.
Depois da remoção desses povos indígenas de seu habitat, essa parte importante
da floresta amazônica foi escancarada à exploração madeireira, à agropecuária e,
agora, à implementação da produção extensiva de soja onde havia floresta e
biodiversidade. A Ferrogrão se encaixaria nesse contexto, segundo o governo e o
agronegócio.
A bacia do Tapajós sofre com uma vasta área de
mineração ilegal, garimpo, avanço da produção de grãos no sentido norte – sul e
sul – norte, onde a cada dia a floresta é derrubada e substituída pelo agrobusiness,
conforme o planejamento estratégico da década de 1970[5]. Essas condições,
atualmente, só ocorrem com a anuência do Governo Federal e, de quebra, leva à
exploração ilegal de madeira, fundamental na economia ilícita local.
Mas,
a grande contribuição é o caos fundiário [6], em que a grilagem é a forma mais
eficiente de acesso às terras públicas [7].
A estratégia do avanço dos grãos na calha
norte do Rio Amazonas,[8] gera impactos associados à saúde [9] humana e animal
em virtude do uso de pesticidas em larga escala [10]. Isso inflama os conflitos
agrários e fundiários na região.
Novas ferramentas, como o Zoneamento
Ecológico- Econômico (ZEE) foram necessárias na organização fundiária do Pará,
para que a floresta não fosse substituída pelas atividades agrícolas e
pecuária. O ZEE do Pará foi [11]
atualizado em 04/10/2019 e criou, ao longo da BR 163, ou seja, no mesmo traçado
da EF – 170, Ferrogrão, as Áreas de Investimento Intensivo (AII), com ocupações
urbana e rural consolidadas, em que se concentram a infraestrutura e a
atividade econômica em áreas de cobertura florestal e recursos naturais já
explorados.
As áreas de Investimento Intensivo (AII), o
que no mapa [12] da página do Governo do Estado do Pará é chamada de Zona de Consolidação, na região da
Bacia do Tapajós, propiciam as condições ideais para o cultivo de grãos e
exploração da mineração.
Segundo o Deter [13] do INPE, só na Bacia do
Tapajós, entre 2016 e 2023, foram detectados 4.452 pontos de
mineração/garimpos. Ou seja, toda a contaminação por mercúrio dessa região vai
para o rio Tapajós. Na bacia do Tapajós
estão contabilizados 18.603 (dezoito mil seiscentos e três) processos
minerários para exploração. A Província Mineral do Tapajós está na área de
influência do traçado da Ferrogrão.
“Província Mineral do Tapajós
A Província Mineral do Tapajós,
localizada no Estado do Pará e em parte do Estado do Amazonas, possui mais de
80.000 km2 e é limitada a leste e a oeste pelos rios Iriri e Abacaxis,
respectivamente, ao norte pela borda da Bacia do Amazonas e ao sul pela Serra
do Cachimbo (COUTINHO, 2008a). Apesar da sua extensão, a variedade de bens
minerais restringe-se ao ouro e, em muito menor proporção, estanho e volfrâmio.
A produção de ouro sempre foi expressiva, e rendeu à PMT o título de maior
produtora deste bem entre as décadas de 70 e 90”.
Só
o anúncio da possibilidade da construção da Ferrogrão bastou para aquecer o
mercado ilegal de terras, ampliou o número de queimadas e colocou em risco os
Assentamentos Rurais, Unidades de Conservação e Terras Indígenas.
Florestas públicas não destinadas
As
Florestas Públicas do TIPO B (FPB) conhecidas como florestas não destinadas estão localizadas em áreas
arrecadadas pelo Poder Público, mas que ainda não foram destinadas.
O
conceito administrativo e jurídico de florestas
públicas não destinadas
foi cristalizado com a Lei 11.284/2006, alterada pela lei nº
14.590, de 24 de maio de 2023, reforçou sua função social, econômica, ecológica
e climática. A lei concedeu a função econômica voltada ao Manejo de bens e
serviços florestais.
Hoje,
na Amazônia, segundo o Serviço Florestal Brasileiro há aproximadamente
60.316.501 hectares (sessenta milhões,
trezentos e dezesseis mil, quinhentos e um hectares) de florestas públicas que
têm o potencial de gerar emprego e renda com a florestas em pé.
O
impacto da Zona de Consolidação, presente no Zoneamento Ecológico-Econômico, é de conflito quando o
uso não se harmoniza com a destinação das florestas públicas tipo b. A função
social/ecológica/econômica desfaz a tese levantada pela Ministra de Meio
Ambiente e Clima do Brasil, Marina Silva, ao afirmar que a floresta em pé deve
ser viável economicamente.
O
projeto da EF-170, Ferrogrão, provocaria desmatamento direto e indireto, apenas
com o anúncio de sua construção, a exemplo do que ocorreu com o licenciamento
da hidrelétrica Belo Monte.
REFERÊNCIAS
[1]Consultora
da Society for Threatened Peoples, Switzerland ( STP), Associação para os Povos
Ameaçados (APA), com sede na Suíça, pesquisadora independente, Certificado em Jornalismo
Investigativo pela Transparência Internacional, Colunista do Jornal Correio da
Cidadania, desde 2012, Licenciatura em Pedagogia e Orientação Educacional,
Faculdade Carlos Pasquale, Liceu Acadêmico São Paulo (SP); Pesquisadora e
especialista em análise de processos de licenciamento ambiental de grandes
obras na Amazônia; autora de centenas de artigos sobre meio ambiente;
palestrante e coautora em livros e publicações sobre hidrelétricas; autora do
livro Os Cedros, sobre linha de transmissão Itaberá-Tijuco Preto.
[2]
Consultor, Pesquisador e Empreendedor Social em Sustentabilidade e Floresta.
Lic em Ciências Exatas e Naturais e Mestre em Agricultura Amazônicas e
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal do Pará (UFPA) em
parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), atuou em
várias organizações no Brasil, como Conselho Indigenista Missionário (1988 –
2002), Comissão Pastoral da Terra (2002 a 2006), Assessor Técnico do Componente
Gestão Florestal do Programa para a Proteção e Gestão Sustentável das Florestas
Tropicais da Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (GTZ) GmbH (2009 – 2011), entre 2011 - 2017
foi Assessor Técnico Judicial e Extrajudicial do Ministério Público do Estado
do Pará para temas agrários, fundiários e ambientais. Homenageado pelo Goldman
Environmental Prize (2006). Consultor da Climate and. Land Use Alliance (2018 a
2024 (jan)). Hoje é articulador no Brasil da Coalizão Forest & Finance e
faz parte da Articulação Nacional das Pastorais de Ecologia Integral do Brasil
e é Conselheiro Municipal de Meio Ambiente e Clima no biênio de 2024 a 2026 no Conselho
Municipal de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro (CONSEMAC), graduando em
Direito na Universidade Estácio de Sá no Rio de Janeiro. – tarcisio@ran.org
[3]https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1164.htm#:~:text=DEL1164&text=DECRETO%2DLEI%20No%201.164,1%C2%BA%20DE%20ABRIL%20DE%201971.&text=Declara%20indispens%C3%A1veis%20%C3%A0%20seguran%C3%A7a%20e,Legal%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias
[4]https://www.gov.br/antt/pt-br/assuntos/ferrovias/novos-projetos-ferroviarios/ferrograo-ef-170
[5]https://snh2017.anpuh.org/resources/anais/54/1488736405_ARQUIVO_textocompletoST.pdf
[6]
https://www.scielo.br/j/ea/a/pstJcmXTJKSNGRYZNLPWhsN/
[7]https://governancadeterras.com.br/wp-content/uploads/2018/03/ARTIGO_MONTEIRO_TRECCANI_SGTDE2018FINAL-1.pdf
[8]
https://www.agrolink.com.br/regional/pa/alenquer/estatística
[9]https://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/conflito/pa-pequenos-produtores-rurais-da-regiao-de-santarem-sao-expulsos-pelo-avanco-da-soja-alem-de-sofrer-com-os-danos-a-saude-causados-pelos-agrotoxicos-usados-pela-monocultura/
[10]https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/saude/audio/2023-03/agrotoxico-em-plantacao-de-soja-intoxica-alunos-de-escola-no-para
[11]
https://www.semas.pa.gov.br/legislacao/normas/view/505
[12]
https://www.semas.pa.gov.br/diretorias/digeo/zee/
[13]
O DETER é um levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da
cobertura florestal na Amazônia, feito pelo INPE. O DETER foi desenvolvido como
um sistema de alerta para dar suporte à fiscalização e controle de desmatamento
e da degradação florestal realizadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e demais órgãos ligados a esta
temática. –http://www.obt.inpe.br/OBT/assuntos/programas/amazonia/deter/deter#:~:text=O%20INPE%20enfatiza%20que%20o,como%20taxa%20mensal%20de%20desmatamento