quinta-feira, 5 de junho de 2008

Divergências sobre usina de Jirau mostram fragilidade das regras

Brasília, 4 de Junho de 2008 - O leilão da usina de Jirau, realizado no mês passado, pode ter colocado em cheque a segurança jurídica para as próximas concessões de hidrelétricas, incluindo a de Belo Monte, cujo pregão está previsto para o primeiro semestre de 2009.


Integra do texto

Brasília, 4 de Junho de 2008 - O leilão da usina de Jirau, realizado no mês passado, pode ter colocado em cheque a segurança jurídica para as próximas concessões de hidrelétricas, incluindo a de Belo Monte, cujo pregão está previsto para o primeiro semestre de 2009. As diferentes interpretações do edital entre vencedores e perdedores do certame da segunda usina do rio Madeira deixou em evidência a fragilidade das regras das concessões.
Irineu Meireles, diretor-presidente do Madeira Energia, consórcio derrotado no leilão de Jirau, liderado pela Odebrecht, reclama das mudanças feitas pelo consórcio vencedor (Energia Sustentável do Brasil, capitaneado pela Suez Energy) no projeto original da usina. A nova proposta do consórcio da Suez prevê a construção da hidrelétrica de Jirau nove quilômetros abaixo do local original, alteração que, de acordo com o grupo vencedor, possibilitará uma redução de R$ 1 bilhão no custo da obra civil.
Meireles chegou a sinalizar com a possibilidade de uma ação judicial caso as mudanças no projeto de Jirau atrapalhem o cronograma da usina de Santo Antônio, a primeira a ir a leilão, vencido pelo consórcio liderado pela Odebrecht. Outros focos de resistência contra o resultado de Jirau podem vir do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério Público Federal.
O diretor-presidente da empresa Energia Sustentável do Brasil, Victor Paranhos, garante que não teve contato prévio com nenhum membro do governo antes da realização do leilão. E que sua proposta teve menor custo porque apresentou "melhorias substancias no projeto, que certamente serão aprovadas pelo Ibama e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)". Paranhos reconheceu que o novo projeto "tem muita receptividade por parte do governo" e justificou a simpatia do planalto, porque antecipa o funcionamento da usina em um ano, tem baixo custo de geração, de R$ 71,40 por megawatt/hora (MW/h) - um deságio de 25% sobre o preço teto - e "uma substancial redução do impacto ambiental". Questionado por que não chamava a Odebrecht para uma conversa sobre o projeto, Paranhos admitiu que o clima entre as empreiteiras está "quente", mas disse que quando os executivos concorrentes conhecerem o projeto para Jirau "ficarão mais tranqüilos".
O governo nega que tenha beneficiado qualquer um dos grupos e avisa que a Aneel e o Ibama farão as análises técnicas de praxe sobre as mudanças no projeto e darão o veredicto sobre a validade ou não da licitação.
O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, declarou recentemente, no dia da posse do novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que "as mudanças não atrapalham o cronograma" e o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, disse que as alterações não foram substanciais, o que, em princípio, validaria o resultado do leilão, mas ressalvou que o novo projeto "ainda está sujeito a uma avaliação mais profunda por parte da diretoria colegiada da agência". A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que comanda o setor elétrico dentro do governo federal, acompanha a briga à distância. Por enquanto, Dilma não deve se manifestar sobre o assunto e só vai entrar em campo se foi necessário.
O diretor-presidente do consórcio da Odebrecht cobra mais transparência nas regras do leilão de Jirau. Meirelles não estaria entendendo como uma mudança de nove quilômetros no eixo da usina pode ser apenas cosmética e avalia que, se o resultado do leilão for confirmado, ficará difícil saber qual a interpretação que o governo vai dar para o texto do edital no próximo leilão.
Mudança de data
O conflito entre Odebrecht e Suez só foi possível porque o governo adiou a data do leilão de Jirau. O pregão estava marcado para o dia 12 de maio, mas teve que ser mudado para o dia 19, para dar mais tempo para que o consórcio da Suez e da Camargo Corrêa fosse fechado. Sem eles, só restaria Odebrecht/Furnas na disputa pela obra orçada em R$ 8,7 bilhões pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
A vitória de uma empresa estrangeira no pregão foi comemorada por uma facção do governo que advogava pelo fim do "duopólio das construtoras Norberto Odebrecht e Camargo Corrêa nas grandes obras do setor elétrico no País". Segundo eles, a entrada de empresas estrangeiras para participar do leilão, como ocorreu com a Suez Energy, nas duas usinas do rio Madeira, deu resultado e o preço da energia foi vendido muito abaixo das previsões do mercado.
Só menor que Itaipu
Prometido pelo governo para o primeiro semestre do ano que vem, o leilão de Belo Monte abre caminho para a construção de uma usina com capacidade para gerar 11,2 mil megawatts (MW), mais do que as duas do Madeira juntas (mais de 6,5 mil MW de potência), e só menor do que Itaipu, que pode chegar a produzir 12 mil MW. O projeto tem as três maiores construtoras brasileiras associadas na avaliação de viabilidade do projeto. Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez estão realizando os estudos prévios da obra.
A interpretação de uma parte do governo é que a blindagem contra uma possível ação judicial sobre o resultado de Jirau passa pelo leilão de Belo Monte. Eles não acreditam que a Odebrecht leve adiante uma briga que vai prejudicar o cronograma de Jirau, uma das principais obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
(Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 2)(Rivadavia Severo)

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