Se técnicos do Ibama entenderem que há alteração significativa na obra, licença ambiental terá de ser revista. Continua
Renée Pereira
Uma série de questionamentos jurídicos e ambientais sobre a mudança no projeto de construção da Hidrelétrica de Jirau, a segunda do Rio Madeira, pode jogar um balde d’água fria nos planos do governo para expandir a matriz energética brasileira. O complexo, formado pelas usinas Jirau e Santo Antônio, de 6.450 MW, está na lista de obras prioritárias para livrar o País de novo racionamento nos próximos anos, especialmente se a economia continuar em ritmo acelerado. Segundo o cronograma oficial, Santo Antônio teria de gerar energia a partir de 2012 e Jirau, 2013.
O centro da polêmica está no deslocamento do eixo de Jirau em 12,5 quilômetros do plano original, o que permitiu ao consórcio vencedor (composto por Suez, Camargo Corrêa e Chesf) reduzir os investimentos em R$ 1 bilhão e, assim, dar a melhor oferta pelo projeto, de R$ 71,40 o megawatt/hora (MWh).
O resultado do leilão, considerado um sucesso, se encaixou na política de modicidade tarifária do governo, mas acabou trazendo riscos aos prazos de construção das obras, seja de Jirau ou Santo Antônio. Como os empreendimentos já tinham licença prévia, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) terá de reavaliar o projeto e verificar se os impactos ambientais são relevantes.
“Se os técnicos encontrarem mudanças significativas, a licença prévia terá de ser refeita”, disse o ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente João Paulo Capobianco. De qualquer forma, avalia, as alterações devem implicar estudo complementar aprofundado, o que pode atrasar todo o processo. Ele afirma até mesmo que é preciso verificar se haverá mudanças na parte tecnológica da usina comparado ao projeto original.
O Ibama afirma que ainda não recebeu o Plano Básico Ambiental (PBA) e, por isso, não pode se pronunciar sobre o caso. A Suez diz que entregará os estudos nas próximas semanas.
Apesar de ainda não conhecer todos os detalhes do novo projeto, o ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo José Goldemberg acredita que as mudanças não podem ser feitas arbitrariamente sem novos estudos sobre a fauna e a flora e sem novas audiências com moradores.
Ele lembra que no licenciamento do Rodoanel de São Paulo, por exemplo, um estudo sobre o comportamento dos animais da região que seria atingida teve de ser refeito para englobar um período maior de tempo. Isso para saber como os animais reagiam no inverno e no verão, por exemplo. “Acredito que uma ação do Ministério Público ou da Justiça conseguiriam anular o leilão diante de tantas incertezas ambientais.”
MAIS POLÊMICA
Do ponto de vista técnico, também há questionamentos. Alguns especialistas acreditam que o fato de mudar o eixo da usina em 12,5 quilômetros desfigura o objeto da licitação. Mas, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que também não recebeu ainda a documentação para análise do novo projeto, se não houver mudança nas características de energia assegurada e potência, não há problema.
O advogado David Waltenberg, especialista em energia, concorda em parte com a agência. Segundo ele, o local pode ser alterado desde que respeitados os parâmetros mínimos do edital, como o nível de água imposto pela Agência Nacional de Águas (ANA).
Segundo o consórcio vendedor, haverá aumento mínimo de inundação - estima-se algo em torno de 27 quilômetros quadrados. “O problema é que, numa região como a Amazônia, qualquer área, por menor que seja, tem peculiaridades completamente diferentes a cada quilômetro”, observa o procurador de Justiça Ivo Benitez.
Outra questão é o fato de o projeto ficar numa área que antes estava sob responsabilidade do consórcio vencedor de Santo Antônio. “A construção de Jirau exigirá uma ginástica boa para conseguir se enquadrar em todos os requisitos impostos no edital sem afetar Santo Antônio”, diz Waltenberg.
O grande temor é que novos estudos de Jirau possam atrapalhar o cronograma de Santo Antônio, leiloado no fim do ano passado. A usina aguarda licença de instalação para o início das obras. A previsão era que a licença sairia até fim de julho.
O presidente da Energias Sustentável, Victor Paranhos, garante que todos os requisitos serão cumpridos. “Tenho experiência na construção de seis hidrelétricas. Garantimos que o impacto ambiental será menor.” O Ministério Público Federal (MPF) não tem tanta certeza. Por isso, instaurou inquérito para verificar as mudanças propostas pelo consórcio.
Segundo o MPF, a mudança no barramento da usina não está prevista na legislação do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), conforme Resolução 237/97. Além disso, afirma que adotou o princípio da precaução para evitar impactos ambientais maiores.
SEM GARANTIA
Waltenberg esclarece, porém, que não é incomum mudar o local do eixo de usinas. A Hidrelétrica de Machadinho, que tem participação da Tractebel e da Suez, teve o eixo alterado em 5 quilômetros. A diferença é que, na legislação anterior, o licenciamento ambiental ocorreu depois de definida a mudança.
Nem sempre, no entanto, as alterações são aprovadas pela Aneel. A Usina de Murta, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, teve contrato de concessão assinado em 2001 e até hoje não saiu do papel. Para reduzir o impacto ambiental, os empreendedores pediram o deslocamento do eixo da usina, o que não foi aprovado até hoje pela agência reguladora.
Pelas regras do leilão, a entrega da documentação para análise da Aneel poderia ocorrer apenas depois de janeiro de 2009, quando está prevista a assinatura do contrato de concessão de Jirau. A Suez afirma que deverá apresentar os detalhes antes para avaliação técnica da agência. A Hidrelétrica de Santo Antônio já teve o contrato assinado este ano.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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