segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Índios bloqueiam ponte sobre o rio Juruena - Parte II

Segue o relato do Professor Vitório de Juína, Mato Grosso
Fotos: Professor Vitório

"No bloqueio temos muitos caminhoneiros que também estão “detidos” como nós e cada um com os seus problemas: cargas a serem entregues dentro do prazo, cargas perecíveis, caminhão p
arado significa dinheiro que está sendo perdido, frete que deixa de ser feito, prestações que vencem e não podem ser pagas dentro do prazo. É possível ver em cada um a angustia e a preocupação presente". Continua

"O tempo vai passando e os ânimos vão ficando cada vez mais acirrados, as opiniões vão se modificando, vão se dividindo. As falas que vão sendo feitas sobre os Índios, sobre os Órgãos Públicos, sobre os políticos, sobre o exercício do poder vão gerando novas opiniões e novas falas. É ai que vemos muitas falas coerentes e muitas que não passam de barbáries ou “besteiras”. Á tarde já é muito grande o número de pessoas que ali estão presentes, homens, mulheres, jovens, crianças e bebês. Temos pessoas de idade, muitas pessoas n
ão têm dinheiro para comprar mais nada, pois, estão retornando de viagem e como já estão muito próximas de casa geralmente já não dispõem de dinheiro nenhum para comprar nada. São situações que devemos levar em conta e refletirmos".

"Tudo isso que descrevi até agora, penso ser importante para que possamos analisar o que falamos e as opiniões que emitimos. É muito fácil falar que sou favorável a isso ou aquilo, ou que, simplesmente somos contra. O difícil é compreendermos o que realmente está acontecendo, o que está em jogo. E é ai que começam a surgir todos os tipos de opiniões e falas. Temos aqueles que estão totalmente a favor do movimento dos índios, independente de tudo o que ali esteja acontecendo, outros que são contra tudo e todos, outros que não sabem nem o que pensar e muito menos dizer e outros que dizem: “eu quero chegar até minha casa, até minha família, é só isso, por quê tenho que ficar aqui?”

"À tardezinha chega no local uma Juíza que estava voltando para a sua comarca, percebemos que ela também se preocupa em encontrar uma forma de resolver o seu problema. Tive a oportunidade de conversar com a Juíza e questioná-la se nada poderia ser feito diante daquela situação. A resposta que obtive é o que já tínhamos ouvido “questão indígena é complicado é questão Federal”, a “legislação vigente dá muita proteção aos índios”. Prosseguindo eu disse: “será que não é um momento para ser rever essa legislação então!?” Ai eu questiono: os índios são brasileiros ou não?? Afinal, parece que temos um Brasil dentro de outro Brasil!!?? Eu sempre pensei que a Constituição Federal fosse uma Lei sobre a qual todos os brasileiros estariam amparados. Parece que eu e muitos brasileiros estão enganados. Lembrei que quando, nós, professores, vamos fazer uma greve ou manifestação temos que comunicar com antecedência, temos que negociar ao extremo e nunca podemos comprometer a ordem e o bem estar da população. Parece que não passam de lembranças."

"A noite cai, nenhum sucesso nas negociações, o dia está chegando ao fim, o jeito é encontrar alguma forma de tomar banho e algum jeito de dormir, que provavelmente vai ser na poltrona do ônibus, do carro ou do caminhão, pois ali não existe hotel ou qualquer coisa semelhante. Cada um procura resolver da forma que pode a sua situação. Os caminhoneiros têm sua cozinha ambulante, preparam sua comida e a cama que é no próprio caminhão, nisso eles levam vantagens sobre nós, pobres passageiros de ônibus ou de veículos em geral. Durante a noite tem gente que parece que até esqueceu que está fora de casa, no percurso de uma viagem que estava para ser completada em menos de uma hora e foi interrompida. Temos um grupo que se reuniu e conto até altas horas da noite, mesmo depois que o gerador de energia foi desligado. Outros aproveitam o momento e conversam e alguns que até pensam que é um ótimo momento para refletir e pensar sobre tudo aquilo que a correria do dia-a-dia nos impede de fazer, por exemplo: ver as estrelas, a lua, a noite e conversar uns com os outros. Enfim, posso dizer que por pior que tenha sido a noite foi melhor do que o dia."

"Às 4:30 o gerador é ligado novamente e as pessoas aos poucos vão se levantando, procurando o banheiro e depois comer ou beber alguma coisa. Nesse momento o grupo de pessoas que ali estão já é muito maior, muitos chegaram durante a noite ou durante a madrugada. O pessoal da linha de frente, aqueles que de alguma forma vão tomando as iniciativas no sentido de se conseguir algumas negociações, já estão lá na linha divisória querendo saber como estão as negociações. Descobrimos que nada aconteceu, continua o bloqueio porque as autoridades competentes nada fizeram. Os ânimos se acirram mais uma vez, é “dado” um prazo até as 10:00 horas para que os Índios tomem alguma iniciativa em nosso favor, senão vamos radicalizar, ninguém passará em nenhum sentido, mesmo que doente ou criança, ou seja nada mais vai poder passar por ali, e que nesse momento seriam incendiados pneus próximo a linha divisória como sinal de decisão. E foi o que aconteceu às dez horas foram incendiados alguns pneus velhos que foram retirados de uma borracharia que existe por ali. Pronto, a partir desse momento as coisas ficam mais complicadas."

"Todos nós que ali estamos, ou se não todos, pelo menos a maioria acredita ser uma forma de pressionar as etnias indígenas a tomarem alguma decisão a nosso favor. Aos poucos parece que começamos a ter respostas a nosso favor, os índios se aproximam e começam a dialogar e nos dizem que está muito difícil fazer com que alguém os ouça." Continua na parte III
Índios bloqueiam ponte sobre o rio Juruena - Parte I

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