domingo, 31 de agosto de 2008

Índios bloqueiam ponte sobre o rio Juruena - Parte III Final

Esse é a parte final do relato do Professor Vitório, de Juína (MT), sobre o episódio do bloqueio, pelos índios, da ponte no rio Juruena em protesto contra a construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). É um relato baseado na experiência vivida por um professor, morador da região e sob a ótica de um cidadão que teve sua liberdade tolhida, mas que acredita que situações como essa podem levar a novos confrontos e acabar em tragédia. Ele nos dá uma dimensão dos conflitos que permeiam o território brasileiro, motivados pela insistência do governo de resolver um inexplicável futuro apagão de energia.

"Que a maioria das pessoas ainda tem a idéia de que índio é estorvo, só atrapalha, que não trabalha, que não tem conhecimento e nem inteligência, que são todos corruptos. Como educador não posso compartilhar dessa idéia. Mas também não posso aceitar que “pessoas” ou “associações” que se dizem “protetoras” (penso que o índio não precisa de nenhuma proteção), fiquem manipulando a seu bel prazer povos que tem uma maneira simples de viver, mas são dignos e legítimos donos das suas áreas ou reservas". Continua
"Nesse momento decidiu-se que seria dado mais um tempo para que o pessoal dos índios, que vieram a Juina, retornem e depois se constitua uma comissão mista para tentar negociar uma forma de resolver o problema dos índios e as passagens das pessoas e veículos que lá estavam a quase dois dias.
Por volta do meio dia uma pessoa de Juina vai até o local passa pelo bloqueio e vem até a lanchonete onde está a maioria das pessoas e diz que veio buscar um médico que ali estava, por que o hospital em Juina precisava. De imediato algumas pessoas lhe disseram que não seria permitido levar ninguém. Ela insistiu dizendo (num tom de imposição e arrogância, e não de diálogo) que junto levaria algumas mulheres e crianças. Esse momento só não acabou em incidente, ou acidente, porque algumas pessoas intervieram e não deixaram que outros partissem para a agressão, para a ignorância, para a violência extrema. Naquele momento as pessoas que ali estão já não estão mais preocupadas apenas com a individualidade e sim com o coletivo e com si próprio, por imposição nada se consegue mais, o diálogo passa a ser difícil e complicado, mas ainda é o caminho mais recomendado."

"Ao meio dia e meio houve um novo encontro e foram escolhidas 4 pessoas não índios que viriam a Juina com alguns índios para negociar com as autoridades. Por volta das 13:00 horas partiram para Juina e os índios disseram que se as pessoas que ali estavam quisessem podiam ir até o rio, logo mais acima, para tomar banho, pois a água no local estava precária e calor era quase insuportável. Muitas pessoas foram até o rio a um local que ficava a uns 500 metros de onde estávamos. A tarde transcorre dentro da tranqüilidade possível, mas já percebemos que a paciência e a calma da maioria das pessoas já foi “embora”. Muitos já começam a traçar planos para resolver a situação de qualquer jeito. A situação já está mais que insustentável, começa a chegar aquele momento em que as pessoas falam: “eu não tenho mais nada a perder”. Esse ponto é um local muito tênue entre o racional o irracional, talvez seja esse o momento em que as tragédias ou conflitos violentos comecem. Percebi por mim mesmo que aos poucos também ia começando a pensar que não havia outra forma de resolver aquilo a não ser pela violência, força bruta ou mesmo pela ignorância".


"Começa a anoitecer, estamos todos agitados e querendo de qualquer forma chegar em casa, para prosseguir a viagem, para os motoristas de caminhão entregarem a carga ou carregar. São 18:00 horas e nada. Estamos de olho no outro lado da ponte para ver se algum veiculo chega. Cai a noite. Os índios acendem um pneu velho como fogueira. Depois de algum tempo começam a chegar alguns veículos lá do outro lado da ponte. Todo mundo fica animado dizendo: “é o pessoal que voltou”. E era mesmo. Depois de uma meia hora chegam até nós e dizem: “vamos voltar até a lanchonete, todo mundo pra lá”. Todos que querem saber: “a noticia é boa ou ruim”. Alguém diz: “depende, pode ser boa ou ruim”. Voltamos todos correndo para a lanchonete".


"Lá vem a notícia, um dos representantes começa a falar: “Atenção pessoal! Prestem muita tenção! As coisas estão complicadas. Foi muito difícil falar com as autoridades em Juina. Mas agora a tarde a Juiza (plantonista Lidiane de Almeida Anastácio Pampado) expediu (determinou) uma liminar pedindo a desobstrução da ponte imediatamente. Porém, a polícia militar disse que não pode executar essa ação e que depende da polícia Federal a qual pode levar até 4 dias para chagar aqui. Entretanto, conversamos com os índios e eles decidiram que se nós pagarmos 50,00 reais por veículo eles liberarão a passagem, só passa quem pagar e depois fecham novamente.” Ninguém mais quis ouvir nada. Só se via cada um procurando o seu ônibus, carro ou veículo o mais rápido possível. Aos poucos os veículos vão se dirigindo até a ponte e cada um paga R$ 50,00 reais para poder passar. Quem não tem dinheiro empresta, ou seja, como dizem, dá um jeito se vira"!


"Agora eu pergunto. Por quê pagamos impostos? Por quê temos Leis? Afinal quem é brasileiro nesse Brasil? Índio é ou não é brasileiro? Que direitos eles têm que nós, dito, “não índios” não temos?

Depois de ficarmos quase 40 horas detidos, ou impedidos de prosseguirmos, ainda somos obrigados a pagarmos pedágio para podermos passar!?? Que país é esse? Onde estão aqueles que devem zelar pela segurança pública? Porque o índio pode fazer manifestação pintado e armado como se estivessem vindo para a guerra e nos ameaçar com seu arco e flecha como se fossemos alvo fácil? Afinal é um ato de manifestação, de protesto, de reivindicação, ou uma declaração de guerra? Quem vai nos indenizar dos prejuízos e dos problemas que tivemos ou ainda vamos ter por termos sido impedidos de chegarmos às nossas casas, nosso local de trabalho, de cumprirmos com nossas responsabilidades?"

"Tivemos a oportunidade de conversarmos com muitas pessoas que estavam ali naquele momento. Percebemos que muitos desconfiam uns dos outros e que ninguém sabe do lado que o outro está. Que a maioria das pessoas ainda tem a idéia de que índio é estorvo, só atrapalha, que não trabalha, que não tem conhecimento e nem inteligência, que são todos corruptos. Como educador não posso compartilhar dessa idéia. Mas também não posso aceitar que “pessoas” ou “associações” que se dizem “protetoras” (penso que o índio não precisa de nenhuma proteção), fiquem manipulando a seu bel prazer povos que tem uma maneira simples de viver, mas são dignos e legítimos donos das suas áreas ou reservas. Que exploram e se beneficiam de alguma forma desses movimentos que são próprios dos povos indígenas, não que eles não possam fazer manifestações ou movimentos sociais. O que entendemos é que todos somos brasileiros, inclusive os índios, para que nenhum e nem outro abuse dos direitos e deixe de cumprir os seus deveres. Caso contrário a qualquer momento poderemos ter novos confrontos e que acabaram em tragédias, pois, o ser humano também é um animal e é instintivo, ou seja, pode agir por instinto, principalmente quando se sente ameaçado, privado, impedido daquilo que entende como sendo de direito."


"É muito triste termos que ouvir de um magistrado, lá naquela situação que estávamos, que a situação é muito delicada, que precisamos ter muita cautela, pois, o “índio” tem uma legislação específica. Que legislação é essa?

Enfim, espero que esse “bloqueio” que ainda não terminou tenha um final feliz. Que os povos indígenas consigam seus objetivos, dentro do possível. Mas que jamais quero ter que aceitar a participar de uma manifestação para a qual não fui convidado, mas que tive que ficar de qualquer forma, mesmo com um sol escaldante que quase me queimou a pele do rosto. Que as etnias indígenas consigam resolver seus problemas sem ter que agredir aqueles com quem convivem. Que sejam tratados como brasileiros e não apenas “índios”, afinal, eles estão no Brasil e não nas Índias, penso, que já passou da hora de reparar esse “suposto” equivoco da história."

"Concluindo, estando em Juina acessei a internet para ver as noticias que circularam e me deparei com uma página “site” em que o atual prefeito de Juina dá a seguinte declaração: O texto inicia assim: “O Prefeito de Juina Hilton Campos esteve no local, mas por precaução não se aproximou dos índios. Fala do prefeito: "Eu não tive contato com eles porque com certeza eu ficaria retido, não tenho medo nenhum, só que eu tenho problemas para resolver em Brasília", disse. Quanto ao ICMS Ecológico Hilton explica que o problema é da Funai. “Juina pagaria mais ou menos R$ 55 mil por mês, e isso pesa na balança", completou. “A Prefeitura deve entrar com uma liminar na justiça pedindo a desobstrução da rodovia.” O congestionamento ainda é pequeno. A maioria das cargas que estão no local é de gado e de produtos perecíveis, o que estragaria em poucos dias.” Eu só gostaria de dizer que lá não tinha nenhuma carga de gado, um único caminhão que tinha, retornou para a fazenda onde carregou. Mas tinha muitas mulheres com crianças, pessoas idosas, que para o prefeito parece que não significavam muita coisa, o que dizer das demais pessoas. Brasília tem problemas maiores e mais importantes. Quais problemas seriam esses?"


Confira a Parte II

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