domingo, 11 de janeiro de 2009

As Hidrelétricas do Madeira e os Impactos Teleguiados

Telma Delgado Monteiro
Revisando minhas anotações colhidas durante a pesquisa dos vários documentos que integram o processo de licenciamento dos aproveitamentos hidrelétricos Santo Antônio e Jirau do Complexo do Madeira, em Rondônia, como o Estudo de Viabilidade e o Estudo de Impacto Ambiental – EIA, acabei me deparando com muitas afirmações que nos levam a questionar a legitimidade desses empreendimentos.   Os técnicos das empresas contratadas pelo Consórcio Furnas / Odebrecht para fazer os estudos e que pesquisaram os dados que lá estão registrados, me parecem, defendem a tese de “impactos teleguiados”, qual seja: as áreas de influência do aproveitamento hidrelétrico Jirau iriam até a fronteira com a Bolívia e dali não passariam.

Durante o processo de análise passou despercebida pelos técnicos do Ibama a mais absurda das conclusões contidas nos estudos que deveriam subsidiar a concessão das licenças ambientais de um conjunto de mega empreendimentos polêmicos na Amazônia: a delimitação imposta da Área de Influência Direta – AID. O diagnóstico ambiental dessa área é fundamental para subsidiar o processo de obtenção das licenças ambientais. 

No caso da AID do Madeira, segundo o EIA, o limite estabelecido, baseado em algum critério nebuloso, seria a linha da fronteira entre Brasil e Bolívia. Para os empreendedores, naquela linha virtual que separa os dois países, cessariam os impactos como num passe de mágica! E os especialistas e as autoridades das diversas áreas do governo brasileiro insistem em afirmar, comungando dessa teoria, que a Bolívia não sofreria nenhum impacto decorrente da suposta área alagada de Jirau. Graças à fronteira! (comentário meu).

A teoria de “impactos teleguiados” dos estudos que subsidiam o processo de licenciamento do Complexo do Madeira não é inédita - há um caso esdrúxulo no EIA da Hidrelétrica Mauá, no Paraná, em que o limite da AID – Área de Influência Direta do empreendimento - seria exatamente onde começa a Reserva Indígena de Mococa. Incrível! Os impactos previamente programados chegariam até essa linha imaginária e deixariam de existir a partir dali, com o acionar de um botão (ou tecla?).

Contrário ao que está no EIA, o Estudo de Viabilidade também contratado por Furnas e Odebrecht afirma que haveria impacto na Bolívia, uma vez que o nível de água do reservatório de Jirau, previsto para ser mantido constante, iria influenciar o regime fluvial do rio Madeira a montante de Abunã, tornando perene a inundação em áreas que só são atingidas, atualmente, no período de cheias.  

No Estudo de Viabilidade se percebe uma armadilha para cooptar as autoridades bolivianas para aprovação do projeto do Complexo Hidrelétrico, quando acenam com a possibilidade de, além da construção da usina binacional no trecho do rio Madeira em que o Brasil faz divisa com a Bolívia, incluir os rios Mamoré e Guaporé no conjunto e assim dar origem a uma extensa rede hidroviária. 

Mais ambiciosa ainda é a pretensão contida no texto que transcrevi a seguir: “Ao incluirmos uma usina boliviana, em cachoeira Esperança, no rio Beni, dentro das potencialidades hidroviárias da região, tornamos totalmente navegáveis os rios Beni, Madre de Dios e Orthon, em territórios boliviano e peruano, formando uma rede de mais de 4.200 km de extensão em hidrovias, atendendo aos três países”.

O poderoso consórcio empreendedor toma para si, ignorando a soberania desses países vizinhos, a façanha de tornar navegáveis rios, sem os necessários estudos de bacia ou consulta aos demais governos, e sem a participação das comunidades envolvidas cá e lá, dentro e fora da fronteiras brasileiras, como se fosse sua atribuição decidir os caminhos da infra-estrutura da América do Sul. Talvez, neste governo, seja e nós não saibamos.

A empresa de consultoria contratada por Furnas e Odebrecht para fazer as pesquisas chegou ao preciosismo de ressuscitar até o Tratado de Petrópolis no Estudo de Viabilidade: “o Brasil estaria resgatando o compromisso firmado através do Tratado de Petrópolis, da época da aquisição das terras do Acre, de fornecer à Bolívia uma saída para o Atlântico, o que nunca ocorreu devido à inviabilização econômica da Ferrovia Madeira-Mamoré, logo que sua construção foi concluída.” 

O texto afirma, também, que a Construtora Norberto Odebrecht já estava em fase de conclusão das negociações com as autoridades bolivianas para obter as autorizações necessárias ao desenvolvimento dos estudos do trecho binacional e da cachoeira Esperança. Vão mais além quando concluem que a Bolívia demonstra “altíssimo interesse” em ambos os projetos, pois viabilizaria sua tão sonhada e adiada saída para o Atlântico.

Os “impactos teleguiados” que deixam de existir depois das fronteiras molhadas entre Brasil e Bolívia são indícios suficientes para a anulação de todo o processo de licenciamento ambiental das Hidrelétricas Santo Antônio e Jirau.

Para encerrar, transcrevi um trecho do Estudo de Viabilidade:

“A versão final do Termo de Referência foi emitida em setembro de 2004, na qual é estabelecido que os empreendimentos devem ser tratados como um complexo e seus estudos ambientais desenvolvidos de forma conjunta.”
Artigo publicado em2007

Um comentário:

  1. Oi, utilizei parte de um post seu no meu blog (http://chadepicao.blogspot.com/) dá uma olhada, estou abordando a questão das usinas com um enfoque diferenciado.

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