Telma Delgado Monteiro
A sociedade mostrou que o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDEE) 2008/2017, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), deve ser refeito. A Audiência Pública para discutir o plano foi organizada pelo Ministério Público Federal, 4ª e 6ª Câmaras de Coordenação e Revisão, no dia 18 de fevereiro, em Brasília. Contou com representantes de ONGs, de especialistas, do governo e de procuradores federais de vários estados brasileiros. Clique aqui para ler todo o relato
Abertura
A Coordenadora da 4ª Câmara de Revisão – Meio Ambiente e Patrimônio Natural, Dra. Sandra Cureau, abriu a audiência e questionou a estratégia de expansão de energia que prevê 71 novas hidrelétricas na Amazônia, aumento em 172% das emissões de gases de efeito estufa devido às termelétricas e o insipiente aumento da geração eólica. Para o Ministério Público, explicou, o objetivo da Audiência Pública não é apontar a melhor fonte ou questionar as decisões do governo quanto à matriz energética, e sim fazer com que haja a participação ampla da sociedade na análise do PDEE.
A Coordenadora da 6ª Câmara de Revisão – Índios e Minorias, Dra Deborah Duprat, mencionou a convenção 169 da OIT que estabelece como conceitos básicos a consulta e a participação dos povos indígenas interessados e o direito desses povos de decidir sobre suas próprias prioridades de desenvolvimento na medida em que afete suas vidas, crenças, instituições, valores espirituais e a própria terra que ocupam ou utilizam. Para ela, a consulta pública do PDEE, pela internet, não atingiria os objetivos de ouvir a sociedade. Esclareceu, ainda, que a Análise Socioambiental do PDEE não abordou com propriedade o deslocamento das populações nos projetos hidrelétricos.
O Dr. Akira Omoto, Coordenador do Grupo de Trabalho - Licenciamento de Grandes Empreendimentos, se referiu ao alto índice de conflitos decorrentes de grandes empreendimentos e a chave para se evitar isso é a participação democrática nas políticas e projetos. Segundo ele, o novo modelo do setor elétrico ao estabelecer a necessidade da concessão da Licença Prévia (LP) antes do leilão fez com que condicionantes sejam postergadas para uma fase posterior.
O governo defendeu o plano
O Ministério de Minas e Energia (MME) estava representado pelo Secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético, Dr. Altino Ventura Filho, que apenas repetiu o discurso orquestrado pelo governo sobre a “benção” da hidroeletricidade e o fantasma do apagão. Pela EPE, para defender o plano, estava o próprio presidente, Mauricio Tolmasquim, que apresentou os índices de aumento da demanda e classificou como positiva as perdas do sistema, pois são coerentes com a lei da física.
A representante do Ministério do Meio Ambiente (MMA) fez duras críticas ao plano
O MMA estava representado por Suzana Kahn, Secretária de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental, que condenou o PDEE pela falta de abrangência ambiental e fez críticas sobre os planos do governo que “não se falam”. Para ela, a variável ambiental é míope e os custos ambientais não estão incorporados aos custos de geração. Suzana sugeriu que o plano do governo de construir 1 milhão de habitações populares incorpore a energia solar.
O representante da FUNAI pediu regulamentação
Eduardo Vieira, Coordenador de Políticas para Populações Indígenas (FUNAI), fez uma apresentação anódina, destituída de paixão onde só mostrou dados estatísticos. Citou o artigo da Constituição Federal que garante a consulta às comunidades indígenas quando se trata de projetos que afetem suas terras e pediu que esse artigo fosse regulamentado.
Os especialistas condenaram o plano
Célio Bermann, especialista da Universidade de São Paulo, criticou a política energética com visão ofertista. Energia para quê e para quem, perguntou ele. Os programas não discutem o destino da energia dentro de um plano nacional de desenvolvimento. A economia, ele disse, está subordinada aos setores que consomem muita energia, com baixo valor agregado, para a pura satisfação do mercado internacional. O PDEE desconsiderou os danos ambientais para suprir de energia os setores produtores de aço, celulose, minério de ferro e carboligas, sem que os custos socioambientais fossem incorporados.
Outro ponto que Bermann abordou foi o processo de “demonização” da questão ambiental e dos ambientalistas promovido por setores do governo. O MP e os ambienalistas são rotulados como obstáculos ao desenvolvimento.
A última apresentação foi do especialista Carlos Vainer, Universidade do Rio de Janeiro, que considerou o PDEE autoritário, com características de arbítrio e violência. Criticou duramente a Análise Socioambiental do Sistema Elétrico que privilegiou apenas as informações socioambientais fornecidas pelas empresas do setor e ignorou os atores diretamente afetados pelos empreendimentos.
Para Vainer, é autoritário atribuir ao MME, como está no PDEE, o papel de “apresentar a exposição de motivos justificando sua [dos projetos hidrelétricos] importância estratégica, seguido de diretrizes e recomendações que assegurem não apenas sua continuidade, mas que garantam sua viabilização como projetos de interesse nacional. A implantação desses empreendimentos poderia, inclusive, ser assegurada por algum dispositivo normativo ou legal como, por exemplo, Resolução do CNPE.” Ele solicitou a Mauricio Tolmasquim a retirada imediata dessa frase do texto e pediu que o PDEE fosse refeito.
A manifestação dos presentes
Depois de mais de cinco horas ininterruptas de apresentações, chegou a vez da platéia se manifestar sobre o PDEE. Os representantes de ONGs corroboraram as críticas dos especialistas e acrescentaram outros questionamentos: (i) a previsão das termelétricas, que causarão um aumento de 172% das emissões de CO², como “castigo” pela demora no licenciamento das hidrelétricas; (ii) a forma superficial na descrição das terras indígenas que serão afetadas por projetos hidrelétricos na Amazônia; (iii) o número subestimado, no PDEE, da população que será afetada por aproveitamentos hidrelétricos; (iv) sobre os recursos do BNDES destinados aos grandes empreendimentos que têm os licenciamentos ambientais questionados por ações ajuizadas por ONGs ou pelo MP; (v) sobre o descumprimento do Princípio do Equador pelos Bancos, privados e estatais, que financiam obras insustentáveis ambientalmente; (vi) que não há no PDEE referência à liberação de metano pelos reservatórios das hidrelétricas; (vii) que nas contas do PDEE não foi incluída a energia de hidrelétricas que o governo do Brasil pretende construir no Peru.
Diretamente ao Tolmasquim
No final da audiência abordei diretamente Maurício Tolmasquim sobre um detalhe no PDEE que havia chamado minha atenção entre tantos outros, mas que ainda não tinha sido mencionado pelos participantes. A região Norte seria responsável por 10% da capacidade hidrelétrica instalada até o horizonte de 2017, a energia do Madeira, por 6,3% e o Tapajós/Teles Pires por 5,1%. Perguntei o motivo que levou o plano a descolar o Madeira e o Tapajós da região Norte (leia-se Amazônia). A resposta dele, não muito convincente, foi que a EPE trabalha com uma metodologia cujo critério não é geográfico, mas de sistemas. Rebati que o critério “região Norte” é geográfico. Complementei, então, que estava claro que o objetivo implícito nessa metodologia era um disfarce, nesse caso, para a verdadeira contribuição da Amazônia na geração de energia. Que será, na verdade, de 21,4% (se somados a região Norte, o Madeira e o Tapajós/Teles Pires). Ele disse que eu tinha razão e que pedir a correção do critério.
Estive presente em dois eventos em Brasília(18 e 19 de fevereiro) como Coordenadora de Energia e Infra-estrutura da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, de Porto Velho, Rondônia
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