terça-feira, 31 de março de 2009

III Encontro Nacional da Rede Brasileira de Justiça Ambiental

Declaração Final 
 
Nós, movimentos, organizações e pesquisadores/as protagonistas de lutas por justiça ambiental, reunidos em Caucaia, Ceará, de 26 a 28 de março de 2009, reafirmamos nossa oposição e enfrentamento ao sistema capitalista, patriarcal e racista, especialmente neste momento em que sua crise aprofunda as injustiças por ele causadas. 

Uma crise que é global, tanto na sua escala mundial quanto na sua dimensão. A crise ambiental que coloca em risco a existência do planeta, a crise alimentar que tem provocado revoltas e agravado a fome, a crise energética que ressalta a insustentabilidade do atual modelo energético baseado em combustíveis fósseis a crise econômica que gera mais desemprego e miséria, são facetas de uma mesma crise paga principalmente por aqueles que não a causaram e que demonstra que a superação do  capitalismo é a única alternativa para superar a situação de barbárie em que a humanidade esta mergulhada. 

O Brasil integra a cadeia do sistema capitalista internacional, ocupando uma situação intermediaria, como provedor de bens manufaturados e matérias primas, e promovendo o avanço da fronteira de exploração de recursos – como água, energia, petróleo, minério, madeira e produtos agrícolas. A extração mineral, a expansão da produção de energia hidrelétrica, o avanço dos monocultivos de soja, eucalipto, camarão, frutas e, mais recentemente, de cana-de-açúcar e oleaginosas para atender a demanda mundial por agrocombustíveis, acompanhados da implementação de redes de infra-estrutura, têm gerado profundos impactos socioambientais. Isso tanto no Brasil quanto nos paises do Sul onde atuam as transnacionais brasileiras apoiadas pelo governo brasileiro e com apoio de instituições financeiras multilaterais (IFMs) como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES – um banco publico a serviço de interesses privados poluidores e da intensificação da injustiça ambiental. Tais instituições tem historicamente sido responsáveis pela imposição de políticas que contribuíram ao aprofundamento da crise atual. 

A Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana – IIRSA - e o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC - são expressões claras desta opção política. Por trás delas estão as IFMs e o BNDES.  

Dramáticas são as conseqüências que incidem sobre a classe trabalhadora e as comunidades que tradicionalmente mantêm uma relação harmônica e sustentável com  seus ecossistemas: desmatamento, contaminação de trabalhadores, exploração intensa de mão-de-obra, precarização do trabalho e destruição das atividades socioprodutivas tradicionais, expropriação e deslocamentos compulsórios de agricultores e agricultoras familiares, indígenas, quilombolas, pescadores e pescadoras, camponeses e camponesas para as cidades. Realidade que incide particularmente sobre as mulheres dessas comunidades, por serem as principais responsáveis pelo bem estar das famílias e pelo uso e proteção dos recursos naturais como a gestão da água e o cuidado com as sementes que e fundamental para a soberania alimentar. 

Nos centros urbanos vão enfrentar problemas como o déficit habitacional, irregularidade/precariedade fundiária, ausência de saneamento ambiental, poluição atmosférica e a contaminação por resíduos tóxicos, os acidentes de transito e a violência associada a desagregação cultural e a perda da identidade. No campo ou na cidade, o racismo ambiental e as desigualdades de gênero são componentes essenciais para se compreender os mecanismos estruturantes da distribuição injusta de danos.
 
De outro lado, como contraface inseparável das injustiças sociais e ambientais, crescem as práticas de criminalização de lideranças, pesquisadores e movimentos sociais. O governo e meios de comunicação de massa buscam desqualificar as lutas em defesa dos direitos de populações expropriadas, empobrecidas e oprimidas pelo padrão vigente de crescimento econômico – como é o caso dos movimentos da Via Campesina, quilombolas, indígenas e pescadores e pescadoras que vem sofrendo ataques de setores conservadores da sociedade, de empresas e de agências governamentais e de órgãos do poder judiciário, suprimindo seus direitos e fragilizando as lutas que travam em defesa de seus territórios.

Os conflitos socioambientais que vivenciamos nos mostram que a desigualdade social e a injustiça ambiental que caracterizam o nosso país decorrem (in)justamente dos padrões vigentes de desenvolvimento e não da “falta de crescimento”, como defende nosso atual governo. 

Por isso, rejeitamos, denunciamos e lutamos para transformar e superar esse sistema que reduz terra, território e meio ambiente a simples insumos de um processo de produção de mercadorias, cujo sentido se esgota no mercado e na rentabilização de capitais, sob a forma de lucros e processos de acumulação e concentração de riquezas a que se chama de “crescimento”. 

Um crescimento que é apresentado como resposta `a crise alimentar, climática, energética, econômica e financeira, mas cujas bases são a origem desta crise civilizatória. As falsas soluções apresentadas salvam bancos e grandes empresas, lançando os trabalhadores e trabalhadoras ao desemprego, são baseadas em mecanismos de mercado (a exemplo do mercado de carbono) e fortalecem a atuação das IFMs, as mesmas que com suas políticas neoliberais e o uso da divida como instrumento de dominação geraram a atual crise. Assim, levam a uma maior devastação da natureza, aprofundando as injustiças e as desigualdades ambientais e então a crise.

Por trás desta crise esta a situação não resolvida da dominação da divida. O uso da divida financeira para a acumulação de riquezas do Norte tem historicamente violado os direitos dos povos e do meio ambiente no Sul. A continuação desta realidade expressa-se no fato de que em 2008 o governo brasileiro gastou 30,7% dos orçamento publico para pagamento do serviço da dívida, muitas vezes superior aos gastos em áreas sociais fundamentais como saúde (4,8%), educação (2,57%), assistência social (3,08%), habitação (0,02%) e saneamento (0,05%). Anular esta divida ilegítima significa reclamar justiça, mudar as relações econômicas e acabar com a impunidade do sistema capitalista. 

Os paises do Norte e a elite do Sul tem uma responsabilidade acumulada pela exploração dos recursos naturais, a apropriação predatória da biodiversidade, o roubo de conhecimentos tradicionais, os danos acumulados pelas atividades extrativistas e pelos monocultivos, o uso de agrotóxicos e a ocupação ilegal da atmosfera para depositar gases contaminantes. Da mesma forma que os impactos são desiguais, a responsabilidade também. Os povos do Sul são credores de uma divida histórica, social e ecológica que deve ser restituída e reparada e os verdadeiros devedores responsabilizados. Por isso apoiamos a criação da CPI da Dívida como um instrumento importante de mobilização e formação para desmascarar a ilegitimidade e o impacto da divida nos povos e na natureza e para avançar no reconhecimento de que os povos do Sul são credores. 

Enfrentar a crise significa recuperar a soberania dos povos e transformar os modos de produção e consumo atuais. Significa lutar pela superação de todas as formas de opressão e discriminação, radicalizando a luta pelos nossos direitos. Por um novo sistema econômico em que a sustentabilidade da vida humana, traduzida no trabalho domestico e do cuidado passe a ser uma responsabilidade de todos/as e não apenas das mulheres. Que a harmonia com a natureza, a solidariedade e o bem viver, e não no Mercado, o lucro e a exploração do trabalho, sejam os valores centrais de nossas preocupações e de nossas relações sociais.

Queremos discutir com a sociedade o que se produz, para quê e para quem se produz, e também onde e como se produz. É preciso mostrar a perversidade do modelo atual  e buscar alternativas comprometidas, em primeiro lugar, com os grupos sociais que hoje sofrem diretamente os efeitos do sistema econômico e social vigente.

Queremos políticas em apoio às alternativas concretas que os movimentos já estão implementando como é o caso da agroecologia, o turismo comunitário, a economia solidária.

Queremos justiça climática – 5 aos do furacao Catarina.

Queremos um ambiente realmente sustentável que passa pela relação da pessoa com o ambiente e seus recursos naturais, mas principalmente pelas relações estabelecidas entre as pessoas, que, portanto, precisa ser pautada na ética, na solidariedade, na igualdade entre mulheres e homens.

Estamos comprometidos e comprometidas em fortalecer a luta contra todas as injustiças ambientais e as desigualdades de gênero, raça/etnia, orientação sexual, e geração e regionais. Para isso estamos construindo unidade com outras redes, movimentos e organizações em torno de bandeiras e lutas comuns.

Por fim, reiteramos a luta central para enfrentar essa crise civilizatória construindo na pratica uma alternativa anticapitalista de sociedade, baseado na sustentabilidade - no seu verdadeiro sentido – e justiça socioambiental, sem exploração, opressão ou discriminação de qualquer tipo.
  

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