por Telma Monteiro, Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
Sem EIA/RIMA
Em 2004, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) expediu o Termo de Referência que orientou o EIA/RIMA para o então chamado Complexo do Madeira, em Rondônia. Na época, Furnas Centrais Elétricas S.A. manifestou a impossibilidade de atender ao que foi especificado quanto ao sistema de transmissão da energia produzida pelas as hidrelétricas Santo Antônio e Jirau. Em ofício ao IBAMA, alegou que o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do sistema de transmissão não poderia ser um documento em separado, como estava explícito no Termo de Referência, mas apenas um conjunto de informações preliminares inserido no bojo dos estudos das hidrelétricas.
Em fevereiro de 2005, o IBAMA expediu um oficio concordando com a “proposta” de Furnas e, assim, o EIA/RIMA específico para o sistema de transmissão foi postergado para outra fase. Dessa forma, em novembro de 2008, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) licitou o maior sistema de transmissão de energia do mundo sem o EIA/RIMA e sem a Licença Prévia.
O leilão das linhas de transmissão do Madeira foi realizado quando as obras das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau já tinham iniciado. Os estudos ambientais – EIA/RIMA - só foram entregues pelos vencedores ao IBAMA em fevereiro de 2009, obedecendo a outra lógica perversa de fato consumado, que tem pautado todo o processo de licenciamento do Madeira. A análise do EIA/RIMA do sistema de transmissão tornou-se, então, mera formalidade, já que as hidrelétricas só teriam sentido se a energia produzida fosse escoada.
Ao permitir que a elaboração e a análise do EIA/RIMA fossem transferidas para um momento depois da licitação em que não seria mais possível alterar a decisão sobre fazer o empreendimento, o IBAMA concedeu, antecipadamente, a Licença de Instalação.
Os impactos não analisados
O sistema de transmissão do Madeira foi projetado com 2 450 km para transportar a energia produzida pelas hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, em Rondônia, até Araraquara, em São Paulo. Poderá atravessar os estados de Rondônia, Mato Grosso, Minas Gerais e São Paulo, 63 municípios, 9 Terras Indígenas (TI) de 6 etnias e com a presença de indígenas em isolamento voluntário.
No traçado da linha encontra-se a TI Tanarui “índio do buraco”, que está sob restrição judicial de uso devido à presença de indígenas em isolamento voluntário. Outras TIs como Kwasar, Tubarão Latunde, Sarare são demarcadas e ocupadas por etnias como os Aikana, Massaca, Huari, Kassupa. Os Latunde, por exemplo, entraram em contato só em 1979, devido aos impactos causados pelo asfaltamento da BR 364 (financiada pelo Banco Mundial).
No caminho das linhas de transmissão do Madeira estão, também, a TI Karitiana e uma área que eles reivindicam nas cabeceiras do rio Garça e Candeias. Em Mato Grosso estão ameaçadas, além da TI Vale do Guaporé, demarcada, homologada e ocupada pelos diversos grupos Nambikwara do norte – Maminde, Negarote, Wasusu -, a TI Sarare e a TI Picina ou Paukalirajausu, que já foi identificada, cuja declaração de limites, pendente há 15 anos, não foi ainda publicada.
O corredor do sistema de transmissão do Madeira foi licitado para ser construído com a tecnologia de Corrente Contínua (CC) de 600 kV. Embora o EIA/RIMA não tenha sido aprovado, ainda, pelo IBAMA, o projeto já está sendo objeto de serviços de prospecção de praças de aterramento, que vão requerer grandes áreas úmidas, de aproximadamente 15 km².
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) já foi informada do afetamento da TI Tanaru/Omere, que vai pôr em risco a sobrevivência dos indígenas em isolamento voluntário. Falsos proprietários de imóveis, em terras indígenas no entorno do corredor escolhido para o sistema de transmissão, já estão reivindicando na FUNAI, em Brasília, a “liberação” das áreas para receberem indenização, segundo denúncias.
Uma linha de transmissão intensifica os processos de desflorestamento e promove a fragmentação da cobertura vegetal. Áreas até então de difícil acesso podem, com uma linha de transmissão, tornar-se objeto de exploração. A construção da linha potencializa o uso não sustentável e a ocupação desordenada.
Entre Rondônia e Mato Grosso, Cerrado e Floresta Amazônica se entrelaçam tornando imprescindível um diagnóstico preciso e detalhado para evitar graves danos socioambientais. O EIA/RIMA das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, em sua abordagem superficial do sistema de transmissão, apenas reconheceu um corredor de 10 km de largura (com 2 450 km de comprimento) sem definição de traçado.
É inconcebível que a transmissão do Madeira tenha sido licitada sem os estudos ambientais, sem o conhecimento prévio das UCs que serão afetadas e sem consulta à FUNAI.
O projeto do maior sistema de transmissão do mundo está ainda sem análise dos impactos em unidades de conservação ou das influências no modo de vida, nos usos e costumes dos povos indígenas. Eles não foram consultados nos termos do que prevêem, respectivamente, a Constituição Federal e a Convenção n. 169 da OIT.
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