O ambientalismo é um movimento social? Se for, por que não consegue integrar-se na agenda comum dos demais movimentos sócias e populares?
Por Henrique Cortez
A Europa já não precisa discutir os temas essenciais de cidadania, tão presentes nos países em desenvolvimento. Precisamos nos preocupar com exclusão social e econômica; educação; saúde; emprego/renda; trabalho escravo/degradante; desenvolvimentismo predatório; direitos indígenas; quilombolas; populações tradicionais; reforma agrária, etc.
Raras ONGs ambientalistas conseguem traçar uma agenda comum com os agentes sociais e os movimentos populares como a CPT, o MST, o MAB, as organizações de defesa dos direitos humanos, dos indígenas, dos quilombolas.
Reafirmo que isto pode ter sentido na Europa, mas no caso do Brasil e demais países em desenvolvimento isto é ilógico.
Felizmente a imensa maioria dos militantes ambientais já superou a fase inicial do movimento, baseado na defesa “das plantinhas e bichinhos”, mas acredito que precisamos dar um passo além de nossos companheiros europeus, que não precisam e não querem questionar o modelo de desenvolvimento de seus países.
No Brasil e nos demais países em desenvolvimento, adotamos um modelo de desenvolvimento socialmente injusto, economicamente excludente e ambientalmente irresponsável e este é o grande tema que nos aproxima de todos os demais movimentos sociais. Pelo menos deveria nos aproximar.
Se não questionarmos o modelo de desenvolvimento, ficaremos presos a temas meramente acessórios, em um ambientalismo de butique que não vai muito além de discutir as sacolinhas de supermercado ou fazer a separação do lixo reciclável.
Também não podemos deixar de lado o atual padrão de consumo, que é evidentemente insustentável. Consumo sustentável supõe grandes mudanças culturais, com significativos impactos sociais e econômicos.
Nosso isolamento dos movimentos sociais e populares foi questionado, de forma impecável, pelo Correio da Cidadania, no editorial “Apelo aos ambientalistas“. No editorial, o Correio questiona: “O terrível golpe sofrido pelo povo brasileiro com a edição da Medida Provisória 458, que legaliza a grilagem de 67 milhões de hectares de terra na Amazônia, chama a atenção das forças democráticas e progressistas para a necessidade, urgente, de revisão de suas estratégias e táticas.
Não há mais como atuar isoladamente. Somente a formação de uma grande frente de resistência às investidas do capital pode ter alguma eficácia.
Não é possível, pois, que as entidades ambientalistas, após a derrota acachapante que acabam de sofrer, não percebam que, se tivessem atuado de forma articulada com o MST, com o CIMI, com as entidades de defesa dos afro-brasileiros e com os partidos de esquerda, teriam tido mais possibilidades de vitória.”
De fato, o ambientalismo continua incapaz de se articular com os movimentos sociais e populares. Ao contrários dos demais movimentos sociais, os ambientalistas, em geral, tem dificuldades em assumir o questionamento do modelo de desenvolvimento, da economia que está ‘matando o planeta’, da exclusão econômica e outras questões que estão profundamente relacionadas à crise ambiental.
Vivemos em um planeta finito e com recursos naturais igualmente finitos. No entanto, o nosso modelo econômico é baseado em produção e consumo infinitos. É evidente que este modelo não funciona por muito tempo. Além de ambientalmente irresponsável, este modelo também é socialmente injusto e economicamente excludente porque apenas atende à sanha consumista de uma fração da população.
É necessária uma atitude politicamente ativa, lúcida e responsável que realmente questione o modelo atual. Não é fácil nem simples, porque serão exigidas profundas transformações, que modificarão as relações de trabalho e consumo. Na realidade, precisamos construir uma nova sociedade, com um novo modelo econômico. Voltando ao tema central, não teremos um futuro minimamente aceitável sem uma profunda revisão dos conceitos, fundamentos e modelo da economia.
Uma agenda ambiental, minimamente coerente, resultará em impactos sociais e econômicos
Estas questões sem resposta são fortes argumentos para que nos aproximemos dos movimentos sociais e populares, que questionam e lutam contra estas seqüelas do modelo de desenvolvimento e de consumo.
A única diferença é que eles estão tratando dos temas e agindo em escala local e o ambientalismo deve agir em escala global porque a crise ambiental não reconhece fronteiras.
Reafirmo que não tenho as respostas, mas também reafirmo a minha convicção pessoal de que precisamos de uma ampla reflexão, de uma severa autocrítica no que fazemos ou propomos e de humildade para nos integrarmos aos demais movimentos sociais, companheiros de jornada por um outro mundo possível.
Ou, então, assumimos um mero e decorativo ambientalismo fashion, fazendo de conta que é o suficiente.
Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
coordenador do EcoDebate
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