sexta-feira, 28 de agosto de 2009

“Falta de governança fundiária-ambiental do governo do Estado de Rondônia”


“Para o Estado de Rondônia, a troca teve, portanto, como único fim a regularização da invasão desordenada daquela área, pretensão antiga e notoriamente conhecida, e para o Governo Federal, a troca representou o andamento das obras, que faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).” ACP MPF e MP de Rondônia

Os Ministérios Público Federal e Estadual de Rondônia ajuizaram uma Ação Civil Pública (ACP) contra a União, o Instituto Chico Mendes para a Biodiversidade (ICMBIO) e o Governo de Rondônia para anular a “Troca Indecente”, acordo que permitiria, se não fosse ilegal, legitimar a ocupação da Floresta Nacional (FLONA) Bom Futuro. O escambo articulado pelo Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, permitiu ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) conceder a Licença de Instalação da Hidrelétrica Jirau que inundaria 600 ha da Floresta Estadual Rio Vermelho.

Abaixo destaquei alguns trechos da brilhante petição inicial dos MPs que retrata com maestria o histórico e o estado da arte da ocupação ilegal de Unidades de Conservação em Rondônia, uma doença contagiosa que já atinge toda a Amazônia. É de impressionar como o texto descreve o processo de invasão e saque das UCs por madeireiros, por pecuaristas que desflorestaram e por grileiros que, ao final, seriam beneficiados pelo acordo.

Os procuradores e promotores contam a história de todas as UCs de Rondônia desde sua criação, nos anos 90, e demonstram como elas foram sendo reduzidas ou suprimidas para fins agropecuários, num crescente processo de degradação ambiental comprovado por pareceres técnicos anexados ao documento. (TM)

Vale a leitura!

“(...) o governo estadual não tem demonstrado disposição para retirar e desestimular a invasão de unidades de conservação estaduais, a exemplo das florestas estaduais Rio Vermelho C e Rio Madeira B, com contingentes pequenos de invasores e ao lado de Porto Velho. Além dessas, temos, ainda, várias outras unidade estaduais invadidas e saqueadas, já com alto grau de comprometimento sem que haja uma atuação eficaz por parte do Governo de Rondônia. São elas: FERS de Cujubim (Periquitos, Mutum, Araras, Tucano e Gavião), as Reservas Extrativistas Jaci-Paraná e Rio Preto Jacundá, o Parque Ecológico de Guajará-Mirim, dentre outras.”

“Vale lembrar, também, a invasão de madeireiros no Parque Estadual Serra do Parecis, que inicialmente foi transformado em Área de Preservação Ambiental e, em poucos anos, passou a zona 1 (agropecuária) e hoje está consideravelmente desflorestado e transformado em fazendas pecuárias.”

“Na verdade, as unidades de conservação no Estado de Rondônia enfrentam problemas desde a sua criação, no começo dos anos 90, senão vejamos:”

“As Florestas Estaduais de rendimento Sustentável (FERS) Rio Vermelho “A” e “B” vêm sofrendo redução de seu tamanho original desde sua criação. Junto com as FERS Rio Madeira “A”, “B” e “C” e FERS Rio Vermelho “C” e “D”, totalizavam mais de 500 mil hectares quando criadas. No ano de 2000, o governo de Rondônia cortou 71% do território dessas florestas, duas reservas foram reduzidas e três foram ignoradas no zoneamento, restando aproximadamente 150 mil hectares. Tais mudanças foram promovidas de forma a beneficiar grileiros e grupos econômicos que tomaram posse do local.”

“Temos, ainda, o Parque Estadual Corumbiara que foi criado pelo Decreto 4.576/90 com a extensão de 586.031 hectares e hoje já perdeu 201.975,72 hectares de sua área original para atender agropecuaristas. A segunda redução da unidade de conservação ocorreu em 31.12.2002, com a edição da Lei 1.171. Apesar da maior parte do entorno ser subzona 2.1, onde não é permitido desmatamentos, parte significativa da cobertura florestal original foi desflorestada.”

“Já o Parque Estadual Guajará-Mirim, igualmente criado pelo Zoneamento de Rondônia com recursos do Planafloro, também sofreu alterações em seu tamanho, de forma que hoje só tem 207.148,266 hectares (Lei 700, de 27.12.1996).”

“Tivemos, também, a criação de onze unidades de conservação estaduais que nunca foram implementadas pelo Estado de Rondônia, quais sejam: Floresta Estadual de Rendimento Sustentado do Rio São Domingos, Floresta Estadual Extrativista de Laranjeiras, Floresta Estadual de Rendimento Sustentado do Rio Roosevelt, Parque Estadual Serra dos Parecis, Parque Estadual do Candeias, Floresta Estadual de Rendimento Sustentado do Rio Menquens, Floresta Estadual de Rendimento Sustentado do Rio Abunã; Floresta Estadual de Rendimento Sustentado do Rio Vermelho “A”, Floresta Estadual de Rendimento Sustentado do Rio Vermelho “D”, Floresta Estadual de Rendimento Sustentado Rio Madeira e Parque Estadual Serra dos Reis, conforme se vê do documento elaborado pela SEDAM, juntado à presente inicial.”

“Constata-se, ainda, a supressão total ou parcial de várias outras unidades de conservação no mapa da segunda aproximação do ZSEE/RO, formalizada pela Lei Complementar nº 233/00, sem que houvesse um ato normativo desafetando-as ou reduzindo-as. Tais supressões ocorreram para fins agropecuários, especialmente as destinadas ao manejo florestal, e estão cabalmente comprovadas pelos mapas elaborados pelos Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo, Patrimônio Histórico, Cultural e Artístico do Ministério Público do Estado de Rondônia, em anexo.”

“Por fim, vale lembrar o total desrespeito, por parte do Estado de Rondônia, às disposições contidas no artigo 19 do Decreto 4.297/02, quando da edição da Lei Complementar 308, de 09.11.2004, que promoveu a exclusão de 2.904,3781 km2 da Zona 2 do Zoneamento do Estado de Rondônia e incluí-la na Zona 1.”

“Temos, assim, a concretização do acordo celebrado entre a União, ICMBio e o Estado de Rondônia, em 02.06.2009, com a desafetação da Floresta do Bom Futuro e a transformação de 70.000 hectares dela em Área de Proteção Ambiental e de outros 70.000 hectares em Floresta Estadual, ambas sob administração do Estado de Rondônia, é mera estratégia para legalizar as fazendas pecuárias dos invasores, que possivelmente continuarão destruindo o patrimônio ambiental, em verdadeiro afronta ao previsto no art. 225, § 1º, III, da CF/88, que veda qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justificaram a proteção de determinada unidade de conservação.”

“Todo esse processo crescente de degradação ambiental do Estado de Rondônia é comprovado pelos pareceres técnicos elaborados pelo Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente, Habitação, Urbanismo, Patrimônio Histórico, Cultural e Artístico do Ministério Público do Estado de Rondônia, pelo Relatório do Programa de Monitoramento das Áreas Especiais elaborado pelo SIPAM, em março/2007, além de recentes reportagens, todos juntados à presente exordial.”

“O abandono e os atos de supressão e redução das Florestas Estaduais Rio Vermelho “A”e “B” são reflexos da prevalência dos interesses dos especuladores de terras, pecuaristas e madeireiros ilegais na tomada de decisões por parte do Executivo e da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia.”

“O Estado de Rondônia preferiu se valer da ânsia do Governo Federal de obter a licença de instalação para o empreendimento, que deveria ser expedida também pela SEDAM, órgão estadual, para impor a transferência da Floresta do Bom Futuro, como condição para concessão da referida licença.”

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