Telma Monteiro
O leilão para concessão de energia de Belo Monte foi marcado para 20 de abril, apesar de todos os impactos econômicos, ambientais e sociais que atingirão aquela região do rio Xingu e que foram apontados por especialistas, ONGs, movimentos sociais, povos indígenas e pelo próprio Ibama. Para completar, a data, um dia depois do Dia do Índio (19) e antes do feriado nacional (21) é uma escolha com um quê de desrespeito e de autoritarismo rançoso.
O Ministério Público Federal (MPF), contrariando as ameaças feitas pela Advocacia Geral da União (AGU), ajuizou, em 08 de abril, duas Ações Civis Públicas (ACPs) contra a usina de Belo Monte e conseguiu liminar em uma delas (até agora) que suspendeu o leilão e anulou a Licença Prévia (LP), mas que já foi cassada.
A Agência de Energia Elétrica (ANEEL) chegou a cancelar o leilão dizendo que obedecia à ordem judicial do juiz de Altamira que concedeu a liminar. No mesmo dia, o presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região cassou a liminar em apenas três horas. A ANEEL, então, voltou atrás, desistiu do cancelamento e manteve o leilão para o dia 20.
Nos mais de 20 anos de luta contra Belo Monte, apenas mentiras encontraram eco na opinião pública. Belo Monte geraria uma energia barata e limpa, seria a terceira maior do mundo, a vazão reduzida seria suficiente para manter a biodiversidade da Volta Grande e as terras indígenas não seriam diretamente afetadas. Essas são apenas algumas das tantas mentiras que o governo e a Eletrobrás contam e que estão demonstradas nas ações do MPF.
Os movimentos sociais e povos indígenas têm lutado contra todas as inverdades sobre Belo Monte e em defesa do rio Xingu e sua biodiversidade. Graças aos protestos em todo o Brasil e no exterior, o assunto ganhou espaço nas televisões e nos grandes jornais nacionais e internacionais.
Encarregado da defesa do projeto, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Mauricio Tolmasquim, não tem conseguido expor com clareza nenhum dos argumentos que o embasam, principalmente porque eles carecem de consistência. Tolmasquim tem sido trucidado pelos representantes das organizações e movimentos sociais nos debates que tem participado.
Outro que tem levado a pior nesses debates é o diretor de licenciamento do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Pedro Bignelli, que não consegue falar tecnicamente do projeto de Belo Monte que está sob análise de sua equipe. Aliás, equipe que através de várias notas e pareceres técnicos, apontou a inviabilidade ambiental do projeto e as lacunas insanáveis do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e de suas complementações. Um verdadeiro desastre.
O presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes, chamou Belo Monte de “hidrelétrica sazonal” e de “grande esperança do setor elétrico". Ele deveria dizer isso diretamente para a índia Tu Ira, aquela mesma que exibiu o facão diante do seu olhar “eletrizante”, quando ainda era engenheiro da Eletrobrás.
Um representante da Vale disse que não estaria nem um pouco preocupado com a liminar que suspendeu o leilão e cassou a LP. Certeza que os interesses econômicos e políticos prevalecem sobre a justiça.
Enquanto isso, não se sabe como, o governo aprovou um desconto de 75% no imposto de renda por 10 anos para o vitorioso do leilão e de última hora autorizou uma operação complicada de troca de energia entre os subsistemas para favorecer e atrair um possível-talvez-futuro-vencedor.
O Banco Brasileiro de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também entrou no esquema de ressuscitar o leilão cianótico[1], ao anunciar o financiamento de 80% das obras e 30 anos para pagar. Mamata não disponível para os comuns dos mortais.
Até o presidente Lula mandou dois recados do tipo autoritário: o leilão aconteceria com ou sem candidatos e as ONGs estrangeiras estão dando palpite em assuntos internos brasileiros!
Em vésperas do leilão-cancelado-desmarcado-retomado dois consórcios se habilitaram, um deles laçado no último minuto do dia 16 de abril, data limite para depositar o 1% de garantia, algo como R$ 190 milhões. Nove empresas, das quais duas estatais, integram esse grupo suicida formado às pressas para validar o leilão, na falta de mais candidatos dispostos a enfrentar todas as incógnitas de um projeto fadado ao fracasso e comprar a briga com os movimentos sociais e os povos indígenas do Xingu.
O mega-projeto de Belo Monte precisa ser enterrado definitivamente.
O leilão ainda pode ser suspenso ou com liminar da outra ACP do MPF ou com o acolhimento do recurso do MPF contra a decisão do tribunal.
[1] Coloração roxo-azulada em indivíduos anêmicos graves e nos enforcados
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