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O governo planeja a instalação de mais de cem empreendimentos hidrelétricos na Bacia do Alto Paraguai, o que levará a graves impactos socioambientais no Pantanal e prejuízos às populações tradicionais. Os órgãos responsáveis pelo licenciamento estão desconsiderando as consequências da exploração desmesurada desse potencial energético. Dada a amplitude territorial, o alcance social e a complexidade natural do ecossistema do Pantanal e sua suscetibilidade, esse descaso configura mais uma insanidade no bojo do planejamento energético brasileiro. Leia mais sobre a ameaça ao Pantanal...
Telma Monteiro
Em 20 de julho de 2010, realizou-se na Procuradoria da República em Mato Grosso do Sul, em Campo Grande, uma audiência pública com representantes de diversos órgãos para debater as influências de barragens, usinas e centrais hidrelétricas no funcionamento hidro-ecológico do Pantanal. Estiveram presentes representantes do IBAMA/MS, Secretarias estaduais de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), Ministério do Meio Ambiente (MMA), Federação de Pescadores de Mato Grosso do Sul, entre outros.
O Pantanal é patrimônio nacional e foi considerado Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2000. Além disso, o Brasil promulgou a Convenção de Ramsar, através do Decreto nº 1.905/96 que passou a vigorar em 24/08/1993, nos termos de seu artigo 11.
A Convenção de Ramsar trata de Zonas Úmidas e foi assinada na cidade de Ramsar, no Irã, em 2 de fevereiro de 1971. Atualmente são conhecidas e reconhecidas, em âmbito mundial, 1.556 zonas úmidas[1] ou Sítios Ramsar, dentre os quais a maior zona úmida continental do planeta: o Pantanal.
As funções ecológicas das zonas úmidas são fundamentais como reguladoras dos regimes de água e como berço de flora e fauna características, além de ser habitat especial de aves aquáticas.
No artigo 5º da Convenção de Ramsar está consignado que “as Partes Contratantes consultar-se-ão mutuamente sobre a execução das obrigações decorrentes desta Convenção, principalmente no caso de uma zona úmida se estender sobre territórios de mais de uma Parte Contratante ou no caso em que a bacia hidrográfica seja compartilhada pelas Partes Contratantes. Deverão ao mesmo tempo empreender esforços no sentido de coordenar e apoiar políticas e regulamentos atuais e futuros relativos à conservação de zonas úmidas e à sua flora e fauna.”
A Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP) é transfronteiriça, pois do Brasil ela se espraia pela Bolívia, Paraguai e Argentina. No Brasil são reconhecidos oito sítios Ramsar que incluem o Pantanal (MT) e a Reserva Particular do Patrimônio Natural do SESC Pantanal[2]. A Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP), por sua característica transfronteiriça, tem interferência direta na base da economia regional, inclusive da Bolívia e das regiões a jusante, pertencentes ao Paraguai e Argentina.
Modificar o regime de fluxo das águas através de barragens alteraria para sempre o regime natural das cheias no Pantanal. Some-se a isso um dos impactos mais amplamente reconhecidos das barragens: sobre a migração de organismos. As barragens impedem a migração reprodutiva de peixes causando a diminuição e até a extinção de inúmeras espécies[3]. Uma verdadeira hecatombe para um bioma como o Pantanal.
Na principal sub-bacia da Bacia do Alto Paraguai, a sub-bacia do Rio Cuiabá, há evidências de impactos ambientais causados pelo reservatório da usina de Manso; em quase todas as hidrelétricas e Pequenas Centrais Elétricas (PCHs) do Mato Grosso não existem sistemas de transposição de peixes, o que impede a piracema, quando eles sobem o rio para desova e reprodução.
Em função da sua fragilidade e do grau de impactos que vem sofrendo, o Pantanal já está sendo considerado como bioma ameaçado. As hidrelétricas provocam modificações do regime hidrológico e interferem na qualidade e no fluxo de águas. Os empreendimentos planejados para Bacia do Alto Paraguai podem influenciar na alteração dos pulsos de inundação na planície pantaneira e comprometer as fontes de água subterrâneas. A reprodução e a sobrevivência dos organismos que dependem da quantidade, qualidade, freqüência e ritmos das correntes da Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP), podem estar seriamente ameaçadas.
Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)[4], na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP) são 53 usinas em operação, 04 em construção, 114 estudos e projetos atuais previstos .
A Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) é um instrumento da política ambiental e deveria atuar em níveis estratégicos de decisão com o objetivo de auxiliar antecipadamente os tomadores de decisão. No entanto, no caso dos projetos para o Pantanal, resta claro que esse contexto de decisão mais amplo e integrado para a proteção ambiental e para a melhor capacidade de avaliação de impactos cumulativos não está sendo adotado. A AAE deveria ser uma ferramenta de gestão ambiental a ser utilizada no início do processo de planejamento.
Para concluir, fica o alerta de que o Programa de Ações Estratégicas para o Gerenciamento Integrado do Pantanal e Bacias do Alto Paraguai, a cargo da Agência Nacional de Águas (ANA), não abordou as alterações decorrentes dos empreendimentos hidrelétricos planejados para a Bacia do Alto Paraguai. Mais um absurdo!
[3] Pierre Girard in “EFEITO CUMULATIVO DAS BARRAGENS NO PANTANAL” – Instituto Centro Vida – Campo Grande/MS – 2002.
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