terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Tudo que eu queria ter escrito sobre a prorrogação da cobrança da RGR na conta de luz

Prorrogação da RGR e os defensores do povo
Conforme temor antecipado pelo Instituto Acende Brasil desde agosto de 2010, o Governo Federal decidiu, ao apagar das luzes de 2010, prorrogar a cobrança do encargo RGR (Reserva Global de Reversão) na conta de luz até 2035.
A prorrogação da cobrança do encargo por 25 anos aconteceu da pior forma imaginável:
- por meio de um artigo de duas linhas que foi inserido numa Medida Provisória multitemática (MP 517/2010) publicada nas últimas horas do dia 31 de dezembro de 2010, data em que deveria ter sido encerrada a cobrança do encargo, conforme previa a lei 10.438 de 2002;
- sem nenhuma discussão prévia com a sociedade e seus representantes (o Congresso Nacional, por exemplo);
- com justificativas falaciosas sobre a necessidade da prorrogação deste encargo que se tornou um verdadeiro imposto.
A prorrogação de RGR foi um desrespeito sem tamanho aos princípios democráticos. Esta canetada, caso aprovada pelo Congresso Nacional, custará R$ 40 bilhões ao consumidor de eletricidade se forem considerados os valores atuais de arrecadação.
A impressão que fica é que ainda há governantes que acham que a sociedade brasileira não dispõe de mecanismos e instituições de fiscalização e cobrança. A impressão que fica é que ainda há pessoas que pensam que podem agir na surdina e contar com a ausência de observadores atentos que não teriam tempo (ou não perceberiam) a inserção de um artigo com tamanho impacto no meio de uma Medida Provisória com 21 artigos que tratam dos mais variados assuntos.
Conforme o próprio texto da MP 517, a medida "institui o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Usinas Nucleares - RENUCLEAR, dispõe sobre medidas tributárias relacionadas ao Plano Nacional de Banda Larga, altera a legislação relativa à isenção do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante - AFRMM, dispõe sobre a extinção do Fundo Nacional de Desenvolvimento, e dá outras providências". A prorrogação da cobrança da RGR foi uma dessas "outras providências".
A RGR foi criada em 1957 para cobrir indenizações a empresas - estatais ou privadas - em caso de reversões à União de concessões de energia elétrica. Mas nunca foi usada para tais fins. Os recursos bilionários coletados foram sendo "redirecionados" ao longo dos anos para iniciativas como o subsídio para o consumidor de baixa renda, fontes renováveis e o programa de universalização (Luz para Todos).
Também como este Instituto havia antecipado, o Governo Federal tentou justificar a prorrogação com base na necessidade dos recursos da RGR para cumprir as metas do programa Luz para Todos e para "recuperação da rede elétrica". Com todo o devido respeito, são justificativas falaciosas pelas seguintes razões:
1) O programa Luz para Todos, segundo o próprio Governo Federal, terá sua meta integral cumprida em dezembro de 2011. Para quais propósitos serviria a prorrogação do encargo até 2035?
2) Estão disponíveis no chamado Fundo RGR - fundo acumulado ao longo de décadas com a cobrança da RGR mas que não será extinto com o fim da cobrança da RGR na conta de luz - nada menos do que R$ 16,9 bilhões, conforme resposta da Eletrobrás, gestora dos recursos da RGR, ao Requerimento de Informação 585/2010 do Senado Federal. O total está dividido em "R$ 8,8 bilhões em aplicações no fundo extra mercado e R$ 8 bilhões em recebíveis de financiamentos efetuados a concessionárias" de energia elétrica. O saldo deste Fundo vem crescendo anualmente porque a necessidade de aplicações de recursos é muito inferior ao montante arrecadado anualmente. Portanto, não há necessidade de manter a arrecadação das quotas de RGR. Informações detalhadas sobre o Fundo da RGR podem ser obtidas no Quadro 4 (página 34) do White Paper nº 2 "Tributos e Encargos na Conta de Luz: pela Transparência e Eficiência", disponível em www.acendebrasil.com.br , seção "Estudos".
3) Já há outros encargos na conta de luz com os mesmos propósitos atuais da RGR, como o Proinfa, que dá subsídio ao Programa de Incentivo a Fontes Alternativas e a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), que inclui previsão para recursos que podem ser aplicados em desenvolvimento de fontes alternativas, subsídio a consumidores de baixa renda e universalização de eletricidade, esforço que foi batizado de "Programa Luz para Todos" por este Governo mas que existe há décadas.
4) Além da sobreposição de propósito com outros encargos, há a séria ameaça de desvios absurdos da finalidade da RGR. No primeiro semestre o Governo Federal cogitou publicar Medida Provisória para aplicar os recursos da RGR numa operação de "salvamento" da Celg, estatal goiana que nas últimas décadas foi vítima de uso político, gestão temerária e que hoje enfrenta situação financeira precária.
A RGR representou cerca de 1,5% da conta de luz e arrecadou R$ 1,6 bilhão em 2009. A maneira sorrateira com que a prorrogação foi implementada é um alerta a toda a sociedade. Um encargo que perdeu sua razão de existir precisa ser extinto para evitar a perpetuação de ineficiências e privilégios.
Vários representantes do Congresso Nacional tem se apresentado como "defensores do povo e do consumidor" em temas do setor elétrico. Se tais "defensores do povo" realmente estiverem pensando no interesse do povo devem ter como prioridade a redução da carga tributária sobre a conta de luz.
Esta é a hora de nossos representantes provarem que realmente têm o interesse do povo como prioridade votando pela rejeição do obscuro artigo 16 da Medida Provisória 517/2010, publicada no Diário Oficial da União em 31 de dezembro de 2010, artigo que impôs ao consumidor de energia um custo desnecessário que somará R$ 40 bilhões nos próximos 25 anos.
Além disso, vale lembrar que a medida provisória foi assinada no último dia do mandato presidencial que se encerrou. Portanto, a nova presidente do Brasil ainda tem a oportunidade de evitar que o consumidor de eletricidade arque com uma verdadeira herança maldita que continuará a ser paga por nossos filhos e netos.
A nova presidente do Brasil, durante sua campanha eleitoral, assumiu o compromisso de diminuir a carga tributária sobre a energia. Em entrevista, a então candidata afirmou que "nosso sistema tributário é confuso e precisamos de um sistema mais simples e mais transparente. É uma prioridade".
Nossa governante precisa dar provas de que alinhará suas ações a seu discurso. Nas articulações políticas que acontecerão nos próximos 60 dias de tramitação da Medida Provisória, deverá apoiar o Congresso Nacional a alterar o texto original da matéria e promover a rejeição desta vergonhosa prorrogação da Reserva Global de Reversão. Se a prorrogação da RGR for rejeitada pelo Congresso Nacional, os poderes Executivo e Legislativo darão provas de que as práticas da ineficiência e do obscurantismo não tem mais espaço num país que se diz democrático.
Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)

8 comentários:

  1. muito oportuna a postagem do artigo do presidente do instituto. esta e outras cobranças estapafúrdias é que penalizam as tarifas de energia elétrica. o texto a seguir está no forum de discussão do seu blog:

    Política suicida

    Para um país que tradicionalmente emite pouco a substituição de parte da frota por carros elétricos pode ter pouco significado, uma vez que o remanescente — constituído por veículos a álcool — continua emitindo gazes poluentes em âmbito local. Curioso que um país dos mais bem aparelhados para utilização de carros elétricos não consiga ao menos aliviar o problema de circulação de veículos nas grandes cidades. Isso se deve a causas estruturais da economia provocadas por políticas suicidas: subsídios prolongados ao combustível aliado à penalização excessiva das tarifas de energia. Ao proceder assim o país está seguindo uma política exatamente o contrário da China. Subsidiar transporte e produção de comodities pode tornar alimentos mais baratos ao trabalhador, mas não produz empregos relevantes na agricultura e mineração que utiliza meios tecnológicos. Ao contrário, penalizar a produção industrial por meio de tarifas elevadas reduz a concorrência do país, justamente nas indústrias mais ocupadoras de mão de obra: alimentos, têxteis e manufaturas. O grande sucesso atribuído ao agro-negócio e mineração se deve aos subsídios ao combustível (álcool, diesel e gasolina) que tanto criticamos quando praticado pelos países industrializados. Estamos, sem o saber, ganhando a batalha, mas perdendo a guerra para os chineses e indianos.

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  2. Tudo para acobertar o maior máquina coletora de impostos e encargos e encobrir falhas operativas de um sistema elétrico que acabará se transformando em um 'monstrengo'.
    Presente de natal para a presidente e para "companheiros " da velha guarda do PMDB, que se intitulam a si mesmos de progressista e nacionalistas.

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  3. são 23 impostos e 13 tipos de encargos segundo o próprio instituto. mas se fosse só isso ainda estava bom: 45% de impostos. tem muito mais escondido por traz de uma pretensão dos nossos planejadores: a aventura de estender o SIN para toda a região amazônica.
    veja bem: 6 centavos/kwhora é o valor da energia a ser gerada na usina de teles pires, pela qual vamos pagar, — pasmem! — 58 centavos na conta de luz da cemig, por exemplo.
    isso não é 45%, mas 10 vezes mais ou 1000%

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  4. Citado nominalmente (Apelido: CCP - 21/12/2010 - 9:50) no blog do Adriano,

    vou tentar explicar de modo mais simples:
    A alternativa promissora está mais no presente do gás natural e das fontes renováveis exóticas do que na produção de petróleo propriamente dito e das grandes hidroelétricas.
    Grandes descobertas nos últimos dez anos tornaram o gas natural a alternativa mais promissora de energia para os próximos 40 anos devida a sua abundância e ao custo proximo de zero. Libera menos CO² do que carvão, gasolina (diesel) e até menos do que o etanol em que pese o sucesso do Proalcool.
    Encontrado de forma dispersa (descentralizada), custa menos e é mais seguro transportar gas (energia potencial) do que energia elétrica.
    Em calor de processo custa metade da eletricidade gasta em chuveiros mesmo incluindo custo de capital. E no acionamento de veículos é mais barato devido o alto preço da tarifa.
    É um subproduto da exploração de petróleo em área já licitada: terrestre e fora do pré-sal.
    Eu mesmo, ribeirinho do lago de Furnas

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  5. NÃO É TUDO: AINDA HÁ MAIS...
    Perdoe a insistência, mas há muito que dizer ainda sobre “penalização da tarifa”.
    Resumindo:
    RGR Reserva global de reversão.
    RENUCLEAR Regime especial incentivos a nucleares.
    ...PBL Plano de banda larga
    AFRMM Adicional renovação da marinha mercante.
    RDE Recuperação da rede elétrica.
    PROINFA Incentivo a fontes alternativas.
    ....... Salvamento da CELG.
    CDE Conta de desenvolvimento energético.

    Ainda há muito mais que ser dito sobre o descompasso entre o custo da energia gerada nas usinas recém licitadas da Amazônia e o preço pago pelo consumidor na tarifa de energia elétrica.
    — Linhões que sequer foram licitadas já têm incentivos (RDE, CDE).
    — Nucleares que custam 3 vezes mais do que hidroelétricas tambem têm incentivos.
    — Até celulares e internet têm incentivos (banda larga).
    — Térmicas para manter cheios os reservatórios do SE.
    — O que tem a ver com eletricidade o “fundo de marinha mercante”?
    — Eólicas que já provaram economicidade por leilões já realizados.
    — Usinas de biomassa já provaram ser complementares.
    — Usinas de bulbo, sem reservatórios, já estão sendo construídas (Madeira).
    Dessa forma — se todos os riscos e erros operacionais já têm cobertura por incentivos— fica muito fácil para os planejadores desenvolver o SIN. Sempre terão desculpa por qualquer equívoco cometido.
    Quero ver é quando, de fato, os acidentes climáticos acontecerem. E os fatos recentes de seca na Amazônia (2005 e 2010) estão aí bem frescos na memória de todos. Vão alegar que os acidentes são imprevisíveis? Mas, isto nós já estávamos cansados de saber. E quando os corredores exclusivos (linhões) forem atingidos por raios, furacões e tempestades? É bom ter em conta que o Brasil é a região do planeta mais atingida por raios: 200 milhões por ano!

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  6. O FUTURO DO PRETÉRITO

    Hoje, quando deparamos com o Sistema Elétrico já pronto fica muito mais fácil comprovar certos erros e nenhuma forma de planejamento está isenta de erros. Mas é só o que podemos fazer: “prever o passado”. Prever o futuro é privilégio de uns poucos visionários. O futuro é tão imprevisível quanto o clima dos próximos anos, ou dias. Não há um futuro previsível sobre o qual planejar o Sistema Elétrico.
    Nosso comportamento é algo semelhante ao dos astrônomos. Quando miram o “pulsar de uma estrela” ou a “explosão de uma super nova” não estão presenciando nenhum acontecimento notável do presente, mas a representação de um algo ocorrido há milhões de anos. Estão olhando o passado, do mesmo modo que quando assistimos a um filme, vemos a representação de cenas ocorridas durante a gravação. Assim como os astrônomos não são capazes de interferir nos eventos observados, um espectador não é capaz de alterar as cenas que presencia. Simples assim.
    Pode parecer Acaciano dizer que não podemos corrigir o passado, mas podemos aprender com seus erros. Nisso, a situação dos países em desenvolvimento é privilegiada em relação ao que ocorreu nos Países desenvolvidos.
    Observando o que ocorreu durante a passagem para um sistema majoritariamente térmico, evitarão incorrer (por tentativa e erro) nas soluções que se mostraram inadequada naqueles países. Um bom exemplo é a construção de grandes usinas na Amazônia que poderá repetir o erro da concentração em empreendimentos de grande porte. Mas, o que fazer com o excesso de energia vertida quando o SE for predominantemente térmico?

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  7. APAGÃO NO NORDESTE
    O apagão marca o retorno da nossa maior sumidade em matéria de energia: LOBÃO, o outro é claro. Agora a sumidade vem a público dizer que não foi apagão, mas sim interrupção. Apagões acontecem nas melhores...ops, nos melhores países e não constituem novidade: basta achar o culpado, e desta vez vão ser os malditos raios e tempestades de que o "o país — abençoado por Deus e bonito por natureza — tem sido vítima. O curioso é que se não foi uma explicação, pelo menos é uma boa rima. A sumidade pode virar repentista.
    A verdadeira causa está nos corredores exclusivos do transporte de grandes blcos de potência a grandes distância de energia concentrada em obras de grande porte. Com a palavra o ilustre professor Goldemberg.

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  8. Se tomássemos o maior custo dentre as quatro usinas, 8 centavos por KwXhora, ou 80 Reais por MWXhora, e ainda acresentámemos 4 centavos para ter em conta geração, 31%, transmissão 6% e distribuição, 29 % em relação ao que é cobrado na conta de luz pela distribuição , 34%, ainda assim o valor cobrado na CEMIG seria quase três vezes maior ou 300%.
    Isto é o que eu chamo de política suicida, que penaliza excessivamente o setor industrial mais dinâmico que mais emprega. Por outro lado premia o setor primário: agronegócio e mineração que pouco empregam porque usam meios tecnológicos, especialmente o diesel para baratear o transporte. Beneficia tambem os usuários de automoveis movidos a gasolina e etanol.
    Esta constitui a maior máquina arrecadora de impostos e encargos para cumprir a meta do "sistema único interligado brasileiro".
    É bom ficar atenta a notícia: 'PT controla a caixa e obras do setor elétrico" (folha de ontem) que vai dar muito pano pra manga nos próximos dias.

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Ferrogrão na Amazônia: estudos atualizados pela EDLP, Ministério dos Transportes e Infra S.A.

Imagem: Outras Palavras Ferrogrão na Amazônia: estudos atualizados pela EDLP, Ministério dos Transportes e Infra S.A.   Telma Monteiro, ...