terça-feira, 26 de abril de 2011

A suspensão de Belo Monte


A novela da Hidrelétrica Belo Monte, que se iniciou há mais de trinta anos, nos surpreendeu recentemente com mais um capítulo: a Organização dos Estados Americanos (OEA), através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, solicitou ao governo brasileiro a paralisação da obra. É uma história antiga, que agora tem novos personagens. Quem não se lembra da índia Tuíra, em 1989, esfregando um facão no rosto do então diretor de engenharia da Eletronorte em protesto contra o projeto da usina, à época denominada Kararaô?

Hoje o nome foi mudado para Belo Monte, afinal era mesmo afrontoso dar um nome indígena para uma usina que vai agredir um rio sagrado para os xinguanos. Juntamente com o nome mudaram-se os planos, mas o projeto continuou colossal e tornou-se a estrela do PAC, portanto uma prioridade do atual governo. Trata-se da mais cara obra já construída no Brasil (a terceira maior hidrelétrica do mundo), com capacidade de 11.233 MW, orçada em 30 bilhões e inundando uma área de 51.600[1] hectares de floresta. Um detalhe: a capacidade de geração de energia, no período da seca, é muito abaixo da média das hidrelétricas brasileiras.

Recorrendo a decisões do presidente do TRF-1ª Região, que suspendeu todas as liminares concedidas contra a obra, o governo vinha conseguindo fôlego para tocar a obra "a qualquer custo", usando argumentos falaciosos e sem comprovação, como a tese de que se trata de "empreendimento estratégico para o Sistema Energético Nacional, sob risco de colapso". Segundo o Procurador da República Felício Pontes Jr: "à medida que o tempo passa, mais estudos demonstram que essa obra não se sustenta nem mesmo do ponto de vista econômico". 

Ainda, segundo Pontes Jr, "os estudos demonstram que não há água suficiente para gerar energia naquela que, se um dia sair do papel, será a obra mais cara do Brasil", e o que é pior, representaria uma grave violação aos direitos das comunidades indígenas e desrespeito à legislação ambiental.

Não cabe aqui elencar as inúmeras falhas e irregularidades de cunho técnico apontadas no projeto, mas é público e notório que as licenças foram emitidas contrariando pareceres das equipes técnicas do Ibama e da Funai[2] e possuem um rol de condicionantes que ainda não foi atendido. Mas, o mais grave é que a pressa do governo em executar um projeto tão caro, cheio de falhas e pendências, esteja levando à quebra do devido procedimento legal, criando precedentes perigosos que enfraquecem as instituições e atingem o cerne da democracia.

A questão agora é internacional. A notificação da Comissão Interamericana da OEA solicita ao governo brasileiro a suspensão das obras e realização de consulta prévia, informada e culturalmente adequada com as comunidades indígenas. Assegurando a estes o acesso aos estudos de impacto em idioma indígena e a adoção de medidas vigorosas para proteger os índios isolados da região. A OEA está correta. Os indígenas não foram adequadamente consultados e nem estão protegidos frente a uma obra que terá grandes impactos ambientais e sobre as comunidades que dependem do rio Xingu.

Caso não acate essa decisão, o Brasil poderá sofrer uma condenação pela Corte Internacional, por violar direitos humanos de populações indígenas, o que prejudica a imagem do país internacionalmente e demonstra a fragilidade de nossa democracia, adiando, mais uma vez, o sonho de integrar o Conselho de Segurança da ONU.

Parabéns ao Ministério Público, que tem agido de forma destemida, cumprindo com eficiência sua função institucional e à sociedade civil e comunidades indígenas que buscaram na Corte Internacional um direito assegurado na Constituição Brasileira e na Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário. Do Judiciário, a sociedade espera que atue com independência sem permitir que se crie uma situação de fato consumado, onde a legislação e as instituições sejam atropeladas com um megaprojeto que sequer teve seus impactos e viabilidade econômica ponderados apropriadamente.

Carlos Teodoro Irigaray é professor de Direito Ambiental da UFMT e procurador do Estado de Mato Grosso


[1] A área correta a ser inundada é 659.000 ha. Nota deste Blog
[2] Na verdade a Funai deu seu aval para Belo Monte. Nota deste Blog

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