Karina Miotto
Em benefício da construção do Complexo Tapajós, em sua totalidade composto por seis usinas hidrelétricas, o governo federal decidiu reduzir o tamanho de cinco Unidades de Conservação (UCs) na bacia do rio Tapajós, no Pará. A informação foi divulgada pelo Instituto Socioambiental (ISA). A decisão deve afetar os parques nacionais (PARNA) da Amazônia e do Jamanxim, as florestas nacionais (Flona) de Itaituba I e II e a área de proteção ambiental (APA) do Tapajós. No total ficarão desprotegidos e poderão ser inundados 78 mil hectares, o equivalente a 78 mil campos de futebol ou uma área maior do que a cidade de Salvador, na Bahia.
A medida veio para permitir o licenciamento e a implantação de três das hidrelétricas do Complexo: São Luiz do Tapajós (6,1 mil MW de potência instalada), Jatobá (2,3 mil MW) e Cachoeira dos Patos (272 MW). Conforme comunicado oficial do ISA, esta "foi a solução encontrada para driblar a lei, que dificulta ou proíbe a construção de usinas em unidades de conservação que devem ser atingidas". A decisão pode se tornar oficial em julho por meio de projeto de lei ou Medida Provisória (MP).
Por trás dos Complexos
Telma Monteiro, pesquisadora e especialista em questões que envolvem a construção de grandes hidrelétricas na Amazônia, elaborou um estudo no qual afirma que uma das maiores motivações do governo federal em construir o Complexo Tapajós (e também o de Teles Pires, no Mato Grosso, com cinco usinas) é um conjunto de acordos referentes ao gerenciamento de águas, biocombustíveis e logística portuária firmados, desde 2008, entre Brasil e Holanda. "Junto a esses complexos hidrelétricos estão em andamento projetos de hidrovias que só poderiam ser viabilizadas com a criação de grandes reservatórios nos trechos naturalmente intransponíveis, de pedrais ou encachoeirados, característicos dos rios da Amazônia", afirma.
Um exemplo é a Tapajós-Juruena-Teles Pires, desenvolvida pela Administração das Hidrovias da Amazônia Oriental (AHIMOR) e que deve possuir 20 mil quilômetros de malha hidroviária navegável só na região amazônica. Por um lado, no Brasil, ela seria utilizada para promover o comércio exterior de commodities do Mato Grosso (como grãos e biocombustíveis) e do Pará (minério). Por outro, de acordo com a pesquisadora, o Brasil "é o mais importante mercado emergente no mundo e imprescindível para manter a estratégia de crescimento das exportações holandesas para a América Latina". O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê a construção de 36 terminais hidroviários na Amazônia. 21 já estariam em obras e 15 em estágio de licitação.
Reduções ou mudança de categoria em Unidades de Conservação motivadas por fins políticos e econômicos têm acontecido em outras regiões da Amazônia brasileira. No dia 9 de maio deste ano a Lei Estadual nº 3.602, publicada no Diário Oficial do Estado do Amazonas, transformou o Parque Estadual Nhamundá, na divisa do Amazonas com o Pará, de proteção integral, na Área de Proteção Ambiental (APA) Guajuma. A alteração, a partir de agora, permite a passagem do Linhão de Tucuruí, que vai levar energia elétrica do Pará até Manaus - o que era proibido antes.
Além disso, conforme afirma Rita Mesquita, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), "parte do parque estava comprometido por ocupações de fazendas de gado e existe um interesse minerário grande na área. Como APA estes problemas acabaram. Do jeito que foi feito, o Parque desapareceu, as novas áreas previstas, inclusive já tendo passado por consultas públicas, não foram criadas e uma biodiversidade ameaçada ficou a ver navios. Isso sem falar das comunidades, que certamente cederão, no devido tempo, seus lugares de vida à expansão da pecuária dos outros".
Ainda no Amazonas, a Assembleia Legislativa autorizou em dezembro de 2010 a mudança de categoria do Parque Estadual do Rio Negro Setor Sul em Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS). "Com a transformação e considerando o processo de invasão, o Sauim de Coleira, espécie endêmica e ameaçada, estará fadado ao desaparecimento. O assunto é complexo, mas pode ser resolvido de modo que todos ganhem: comunidades ribeirinhas, indígenas, recursos naturais e especialmente o Sauim", afirma Rita.
Em Rondônia, em julho do ano passado a assembleia do estado revogou sete unidades de conservação - mais de 973 mil hectares ficaram desprotegidos. Enquanto isso, em Roraima e no Amazonas ainda persiste a polêmica pela criação da Reserva Extrativista (Resex) Baixo Rio Branco-Jauaperi, de 600 mil hectares. A região é considerada prioritária para Conservação pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) por ser dona de rica biodiversidade, mas o processo de sua criação já totaliza dez anos, está finalizado, parado e até agora não saiu do papel por se tratar de um local rico em recursos madeireiros e, portanto, em conflitos de interesses. "Em abril, em Parintins, a ministra do meio ambiente Izabella Teixeira prometeu criar a Resex na semana do meio ambiente e mais uma vez nada foi feito", afirma Carlos Durigan, da Fundação Vitória Amazônica (FVA). Esta mesma promessa já teria sido feita outras vezes.
Por pressão de madeireiros, fazendeiros, mineradores e do governo, 29 áreas protegidas na Amazônia foram reduzidas ou extintas entre 2008 e 2009. O total de florestas perdidas foi de 49 mil km2. De acordo com estudo divulgado em maio pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), em dezembro de 2010 as áreas protegidas na Amazônia Legal representavam 43,9% da região e somavam 2.197.485 km². Do total de UCs, apenas 24% possuem planos de manejo aprovados. Em média existem dois funcionários por unidade, cada um responsável por gerir quase 2 mil km².
Conforme comunicado oficial do próprio MMA, unidades de conservação "desempenham papel crucial na proteção de recursos estratégicos para o desenvolvimento do país e contribuem para o enfrentamento do aquecimento global. Além de serviços ecossistêmicos, como garantia de água para a população e para diversas atividades produtivas, podem gerar benefícios lucrativos e atividades produtivas para populações tradicionais". O discurso, no entanto, não tem sido acompanhado por ações equivalentes.
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Karina Miotto é jornalista ambiental formada pela PUC-SP. Apaixonada pela Amazônia, mora na região desde 2007. Já trabalhou para o Greenpeace e escreveu para revistas da Editora Abril, entre elas National Geographic. Karina acredita no poder da informação para transformar vidas positivamente - inclusive a do planeta. É autora do blog Eco-Repórter-Eco e correspondente do ((o)) eco Amazonia.
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