quinta-feira, 7 de julho de 2011

“O rio Xingu vai virar um rio de sangue”

Imagem: Rondônia Digital

Governo brasileiro: desmandos e opressão na Amazônia
por Dion Marcio C. Monteiro (*)
Ponto de Pauta


“O rio Xingu vai virar um rio de sangue”. Esta frase, constante de um comunicado enviado ao ex-presidente Lula da Silva, em dezembro de 2009, assinado por diversos povos indígenas da Bacia do Xingu, e de outras regiões, mais do que um presságio foi um apelo ao bom senso de Brasília, pedindo que a Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte não seja construída. Como resposta o governo federal emitiu, em fevereiro de 2010, a Licença Prévia nº 342/2010 de Belo Monte.
No final de novembro de 2009, um mês antes do comunicado indígena, os analistas ambientais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), avaliando o processo de licenciamento de Belo Monte, apontaram no Parecer Técnico nº114/2009 o seguinte: “tendo em vista o prazo estipulado pela Presidência [do IBAMA], esta equipe não concluiu sua analise a contento. Algumas questões não puderam ser analisadas na profundidade apropriada, dentre elas as questões indígenas e as contribuições das audiências públicas”.
No parecer 114/2009 os analistas também destacaram a existência de um dimensionamento insuficiente dos impactos decorrentes do afluxo populacional para a região, tendo como conseqüência a proposição de medidas inadequadas visando à preparação local, além de uma indefinição sobre o papel de cada um dos agentes públicos na implementação das ações necessárias. Outro elemento apresentado neste parecer se refere a um elevado grau de incerteza em relação ao prognóstico da qualidade da água, em especial no reservatório dos canais da hidrelétrica.
Por fim, foi observado que “o estudo sobre o hidrograma de consenso não apresenta informações que concluam acerca da manutenção da biodiversidade, a navegabilidade e as condições de vida das populações do TVR [Trecho de Vazão Reduzida]”.
Tanto o Parecer Técnico nº06/2010, quanto a Nota Técnica nº04/2010, ambos emitidos no mês de janeiro/2010, reforçaram e confirmaram as pendências em relação à avaliação ambiental de Belo Monte. Porém, mesmo sendo os pareceres e notas técnicas peças fundamentais no processo de licenciamento, o governo simplesmente os ignorou, e concedeu a Licença Prévia no mês seguinte, como anteriormente observado.
Tal como fez com os técnicos do IBAMA, o governo federal também ignorou o parecer dos técnicos da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que consultados sobre a emissão da Licença de Instalação (LI) de Belo Monte, afirmaram, através da Informação nº565 de novembro de 2010, que “devido aos atrasos, aparente falta de priorização no cumprimento das condicionantes, incluindo aí aquelas que foram eleitas como prioritárias, não existem elementos técnicos para um posicionamento da FUNAI em relação à solicitação de LI de obras iniciais. Em relação à LI “total”, a FUNAI só poderá se manifestar tecnicamente após o cumprimento integral e irrestrito de todas as condicionantes do empreendedor, além da aprovação do PBA [Projeto Básico Ambiental] do componente indígena”.
Na Informação nº22, de janeiro de 2011, os técnicos da FUNAI afirmaram que “Segundo informações da Frente de Proteção do Médio Xingu, não há o cumprimento das obrigações da NESA [Norte Energia S.A.] na região”. Afirmaram ainda que “As atividades de segurança alimentar e etnodesenvolvimento tem causado mais impactos na região (…). Essa ação da NESA tem, inclusive, estimulado a presença dos índios na cidade de Altamira, saindo de suas aldeias”.
Nesta mesma Informação os técnicos disseram que “Não foi executada praticamente nenhuma ação de fortalecimento institucional, sendo que a Funai local tem, sistematicamente desviado suas funções principais – Frente de Proteção – para atendimento das demandas criadas pela presença da NESA na região”. Quanto às ações desenvolvidas pela Norte Energia, o parecer dos analistas disse que “Não há ainda equipe do empreendedor para tratar especificamente da questão indígena, nem mesmo a criação, dentro da NESA, de instância específica para acompanhamento do componente indígena”.
Os servidores da FUNAI alertaram que “A simples assinatura do Termo de Compromisso não garante que ações efetivas e estruturantes para as comunidades estão sendo executadas”. Concluindo que “não houve, desde setembro de 2009, (…), ou desde março de 2010, (…), ações efetivas e estruturantes para as comunidades indígenas”. Nesse período apenas “Foram executadas ações preparatórias e ações paliativas, que em alguns casos tem se mostrado mais impactantes e nocivas do que a situação que havia anteriormente”.
Avançando nestas reflexões observaram que “não houve nenhuma ação significativa para as comunidades indígenas, em especial para a TI Paquiçamba. Ou seja, ainda restam condicionantes e ações emergenciais cujo objetivo era a preparação da região para o empreendimento, cujo não atendimento, caso o IBAMA emita a Licença de Instalação de Obras Iniciais, compromete claramente a segurança da condução do processo e da integridade das comunidades indígenas na região”.
Finalizando a Informação nº22/2011, os técnicos explicitaram que “uma vez que as condicionantes indígenas ainda não apresentaram resultados concretos positivos para as comunidades indígenas, não recomendamos que a Funai manifeste-se favoravelmente à emissão de qualquer licença de instalação”.
A resposta da presidência da FUNAI, constante do Ofício nº13/GAB-FUNAI de janeiro de 2011, foi “A Funai não tem óbice para a emissão da Licença de Instalação – LI das obras iniciais do canteiro de obras da UHE Belo Monte, considerando a garantia de cumprimento das condicionantes”. Sustentado por esta manifestação, o governo federal emitiu imediatamente a Licença de Instalação parcial nº770, de 01/2011.
Aos técnicos e servidores do IBAMA e da FUNAI, que exerceram suas atividades com seriedade e honradez, recusando-se a servir a interesses escusos de superiores hierárquicos, restou demissão, coação, assédio moral e remanejamento para outras áreas onde não “atrapalhassem” os planos já traçados no conluio firmado entre presidentes da república, donos de empreiteiras, mineradoras, e outras empresas nacionais e transnacionais.
Em meio a tantos desmandos e opressão, nunca é demais lembrar que Belo Monte, caso seja construída, vai entregar no mínimo R$30 bilhões para as empreiteiras e amigos do governo federal, sendo que a maior parte deste recurso vai ser retirada da saúde, educação, segurança pública, habitação, saneamento, etc.; vai expulsar mais de 40 mil pessoas de suas casas e de suas terras, até hoje não foi informado para onde elas irão; vai secar um trecho de 100 km da Volta Grande do Rio Xingu, acabando com toda a biodiversidade local; não vai gerar energia para a população da Amazônia, nem diminuir o valor da conta de quem já tem luz em casa, pois 80% de sua energia será para as indústrias do centro-sul do Brasil, e 20% para empresas como VALE, ALCOA, ALBRAS e ALUNORTE.
Belo Monte vai atingir a aldeia indígena Paquiçamba, Arara da Volta Grande, Juruna do Quilômetro 17 e Trincheira Bacajá, direta ou indiretamente mais de 15 mil indígenas sofrerão as conseqüências das barragens construídas no rio Xingu; vai impactar 11 municípios, totalizando uma população de mais de 360 mil pessoas, porém somente foram realizadas audiências públicas em 03 desses municípios; vai gerar, em média, somente 39% de sua capacidade máxima de produção de energia, e os técnicos informam que é necessário produzir no mínimo 55% para que uma usina seja viável economicamente; vai ser construída com recursos públicos, pois o BNDES vai financiar 80% da obra, cobrando juros de 4% a.a, com 05 anos de carência e 25 de amortização. Quem construir Belo Monte terá 75% de desconto na sua declaração de Imposto de Renda.
Belo monte vai elevar as taxas de desemprego, aumentando as dificuldades e o caos social na região. O próprio EIA/RIMA do governo, documento elaborado em parceria com as empreiteiras Andrade Gutierrez, Camargo Correa e Norberto Odebrecht, informa que 100 mil pessoas migrarão para Altamira, e que no pico da obra, durante dois anos, serão gerados 18 mil empregos diretos e 23 mil indiretos, ou seja, um pouco de mais de 40 mil empregos. Conclusão, 60 mil pessoas que migrarão para a região não terão emprego em nenhum momento, juntando-se aos milhares de desempregados que já se encontram no local.
Como as condicionantes definidas na Licença Prévia 342/2010 não foram cumpridas até hoje, o deslocamento de aproximadamente 20 mil trabalhadores, que já chegaram a Altamira, tem causado graves problemas, expressos na elevação dos índices de criminalidade, assaltos, arrombamentos e outros delitos; trânsito intenso, com aumento na quantidade de atropelamentos e colisões entre veículos; e pressão sobre os serviços de saúde pública, que mesmo antes não conseguiam atender a demanda.
Outro problema verificado é a alta nos preços dos alugueis de prédios comerciais e residenciais, causando o fechamento de pequenos empreendimentos locais (que não conseguem mais pagar o que está sendo cobrado), além de fazer florescer um grupo social ainda desconhecido na região, os Sem-Teto urbanos. Recentemente um grupo com quase 300 famílias ocupou dois terrenos na periferia da cidade, sendo violentamente despejados pela polícia militar, mesmo não havendo mandado judicial. Também vinculado a este fator observa-se uma grande pressão ambiental na cidade, com aumento no desmatamento de áreas que ficam nos arredores de Altamira, isto para a construção de pequenos barracos, caracterizando novos “bairros”, sem nenhuma estrutura urbana. É o desenvolvimento chegando.
Segundo os dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON) o município de Altamira foi o campeão de desmatamento na Amazônia no mês de maio de 2011, desmatando 22 quilômetros quadrados de floresta, o dobro do registrado nesta cidade em abril. Os técnicos deste Instituto avaliam que uma das explicações é a expectativa sobre a construção da UHE Belo Monte. A mesma coisa aconteceu com Porto Velho, em Rondônia, que ficou em segundo lugar entre os maiores desmatadores do mês de maio. Não coincidentemente é em Porto Velho que estão sendo construídas as Hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau.
Professores, juristas e pesquisadores das mais renomadas universidades e associações científicas têm afirmado que a UHE Belo Monte não tem viabilidade econômica, social, ambiental, cultural, política, e nem mesmo Jurídica. Mesmo assim o governo federal insiste em construir esta hidrelétrica.
Aos povos do Xingu só resta resistir. Lutar até o ultimo suspiro pela vida dos rios, da floresta, pelas suas próprias vidas, de seus pais, de seus filhos. Indígenas, pescadores, ribeirinhos, camponeses, quilombolas, extrativistas, povos do campo e da cidade vão continuar se contrapondo a este projeto de destruição e morte, implementado pelo grande capital e seus aliados. O rio Xingu pode virar um rio de sangue, e o governo brasileiro será o único responsável.

Dion Marcio C. Monteiro – Economista do Instituto Amazônia Solidária e sustentável (IAMAS), Mestre em Planejamento do Desenvolvimento (NAEA/UFPA), componente do Fórum Social Pan-Amazônico (FSPA), e do Movimento Xingu Vivo – Comitê Metropolitano.
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Um comentário:

  1. A VOLTA DOS DINOSSAUROS

    Ao contrário das hidroelétricas do Sudeste que foram projetados por vazões médias regularizadas por reservatórios, as grandes hidroelétricas da Amazônia têm sido projetadas para o máximo que poderiam produzir no período de cheias, onde as diferenças estacionais são muito maiores do que no Sudeste. Quanto maior a motorização, menor o custo de capital por Kw instalado, o que justificaria a construção de empreendimentos de grande porte à semelhança das grandes usinas do passado. A comparação com outros “monstrengos” é mais ou menos óbvia: Três Gargantas, Tucurui, Itaipu e Belo Monte.

    Para diminuir o custo da energia no período de seca obviamente as usinas são construídas com reservatórios mínimos.
    Com isso poderiam ser utilizadas para economizar combustível em térmicas antigas da vizinhança e, ao mesmo tempo, complementar usinas do Sudeste e Nordeste, retardando o máximo o esvaziamento dos reservatórios até o início das chuvas naquelas regiões.
    Como não são complementares entre si, cada usina requer a construção de corredores exclusivos para o transporte de grandes blocos de potência a distância muito superiores aos linhões de Itaipu.

    Importante:
    Mas, se os custos de geração podem ser reduzidos com subaproveitamento através de usinas de bulbo (low profile), não há como evitar o custo e risco da transmissão dos grandes blocos de potência gerados por cada usina, que requerem a construção de corredores exclusivos. A interligação entre usinas para criar caminhos alternativos amplifica ainda mais os custos sem nenhum benefício, uma vez que a geração é simultânea devido a ausência de complementaridade entre rios isolados de mesmo regime sazonal.

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