Em maio passado, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) editou uma Resolução que selou definitivamente o futuro do rio Tapajós. Gravou a ferro e fogo a destruição do rio, das unidades de conservação e das terras indígenas ao longo do seu curso. A Resolução indica os projetos hidrelétricos São Luiz do Tapajós, Jatobá, Jardim do Ouro e Chacorão "como projetos estratégicos de interesse público, estruturantes e prioritários para efeito de licitação e implantação. Os Aproveitamentos Hidrelétricos São Luiz do Tapajós e Jatobá, localizados no rio Tapajós, no estado do Pará, Jardim do Ouro, localizado no rio Jamanxim, estado do Pará, e Chacorão, localizado no rio Tapajós, estados do Amazonas e Pará, passaram a ser nesse governo de "grande importância para o equilíbrio entre a oferta e a demanda de energia elétrica no País".
Telma Monteiro
Em 2006 foi assinado um Termo de Compromisso entre as empresas Centrais Elétricas do Norte do Brasil S. A. – Eletronorte e Construções e Comércio Camargo Corrêa S.A. (CCCC) para elaboração dos “Estudos de Inventário Hidrelétrico das Bacias dos Rios Tapajós e Jamanxim”. Essa foi uma das etapas na escalada do governo federal e empreiteiras na avaliação do potencial hidrelétrico brasileiro para incorporar um trecho considerado de significativa capacidade energética nos estados do Pará, Amazonas, Mato Grosso e Rondônia. Uma área total de 492 mil quilômetros quadrados em plena Amazônia.
O Complexo Tapajós foi estruturado inicialmente para gerar 10.000 MW em um conjunto de cinco aproveitamentos em sequência: dois no rio Tapajós – e três no rio Jamanxim. No final de 2010 a Eletrobras anunciou que os estudos da hidrologia da região mostraram que a hidrelétrica São Luiz do Tapajós poderia ter a capacidade ampliada.
Para completar, a Resolução do CNPE ainda define que as hidrelétricas São Luiz do Tapajós, Jatobá, Jardim do Ouro e Chacorão "irão gerar energia competitiva e de natureza renovável para a matriz energética nacional, contribuindo para a modicidade tarifária". O texto ainda reafirma o interesse público, a prioridade de licitação e implantação, que as usinas constam do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC2) e que as primeiras unidades geradoras entrarão em operação comercial a partir da segunda metade desta década.
O maior projeto é o do aproveitamento São Luiz do Tapajós[1] que prevê um barramento a montante das corredeiras com um canal de adução que vai desviar parte da vazão do rio que alimenta as cachoeiras, para a casa de força principal. Como no caso de Belo Monte, a usina São Luiz do Tapajós também teria duas casas de força e o desvio de parte considerável do fluxo normal das águas. A água que "sobrar" será chamada de vazão "ambiental ou ecológica" para manter o trecho das corredeiras.
Uma vazão artificial para manter um monumento natural. As consequências para o meio ambiente? Não importa para os arquitetos do projeto, pois o custo previsto para construir a UHE São Luiz do Tapajós está estimado em US$ 9,6 bilhões (2009[2]) e a tendência, como nos mostrou a história das hidrelétricas que estão sendo construídas na Amazônia, será de aumento.
A holding estatal brasileira Eletrobras e sua subsidiária, Eletronorte, anunciaram que as usinas do Complexo Tapajós seriam construídas sem impactos ambientais. Para isso inventaram uma "técnica" inspirada nas plataformas de petróleo em alto mar. Um conceito inédito no mundo e que foi batizado de “usina-plataforma”. Segundo as informações do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), a adoção de "usina plataforma" dispensaria a construção de grandes canteiros de obras, alojamentos ou vias de acesso. Os operários seriam transportados por helicópteros e teriam turnos de serviço mais longos.
Como isso poderia impedir os impactos ambientais, ainda é uma incógnita. Mas o Ministério de Minas e Energia (MME) e o governo Dilma Rousseff acreditam que os únicos impactos na construção de hidrelétricas na Amazônia são causados pelos alojamentos dos trabalhadores e não pela interferência na região antes, durante e depois das obras. Quem eles querem enganar?
Enquando se elaboram os estudos de viabilidade do Complexo Tapajós, o projeto da Hidrovia Tapajós - Teles Pires – Juruena, elaborado pelo Ministério dos Transportes, Administração das Hidrovias da Amazônia Oriental (AHIMOR), vai se concretizando e está umbilicalmente ligado ao aproveitamento hidrelétrico da bacia do Tapajós. O plano prevê a navegabilidade dos rios Tapajós e Teles Pires de Santarém até as proximidades da Cachoeira Rasteira, no rio Teles Pires, através de câmara de transposição de desnível ou eclusas na região das cachoeiras de São Luiz do Tapajós.
Os 815 km no rio Tapajós e os 160 km no rio Teles Pires criariam 975 km de via navegável, para permitir comboios-tipo de 200 m de comprimento e 24 m de boca.
A hidrovia do Tapajós - Teles Pires foi pensada para incrementar o comércio exterior de commodities – grãos e biocombustíveis do estado de Mato Grosso e minério do Pará - e proporcionar desenvolvimento regional, na visão "crescimentista" do governo federal.
Mais uma vez, na história da ocupação dos territórios brasileiros, a preocupação com a dimensão socioambiental não existe, já que a decisão de construir hidrelétricas no meio da Amazônia foi tomada. A prioridade do governo federal, hoje, é transformar o Brasil numa economia comparável à da Suíça, Holanda ou Bélgica, mesmo que signifique transferir a degradação para as margens dos rios da Amazônia.
A agressão aos recursos hídricos na bacia do Tapajós poderá desintegrar toda a cadeia produtiva de geração de emprego e renda que vai da pesca esportiva e turística, até a pesca de subsistência dos ribeirinhos e indígenas. Mesmo com as atividades econômicas do setor primário restritas legalmente em terras indígenas e unidades de conservação, a ilegalidade impera.
Nos últimos anos a região tem assistido à expansão da agricultura e o avanço do cultivo da soja, do arroz e do milho. Entre os anos de 2000 e 2005 deu-se um considerável aumento no plantio da soja no Pará, que passou de 50 hectares para 36.000 hectares; em seguida vieram as culturas de arroz e melancia. Tudo isso tem pressionado a exploração ilegal da floresta e dos territórios.
Quanto à pecuária (dados da EMBRAPA) o estado do Pará, especialmente na bacia do rio Tapajós, apresentou um crescimento anual de 13,7 % no período, passando de 565.206 cabeças em 2000 para 1.072.822 em 2005. O maior aumento se deu nos municípios de Itaituba e Novo Progresso, propiciado por extensas áreas já desmatadas, baixo valor das terras e tradição de comércio de gado na região.
Nesse modelo induzido, a exploração madeireira predatória ocupa uma posição de destaque que agrava o desmatamento no estado do Pará. Madeireiras acobertadas pela informalidade trabalham em ritmo acelerado e preparam o espaço no território para o gado, a soja e a cana. Algumas pesquisas que apontaram a diminuição no comércio de madeira, propositalmente desconsideraram as transações ilegais que impulsionam a economia informal e fazem pressão sobre as florestas, áreas protegidas e terras indígenas.
Esse crescimento social e econômico pressionado por projetos estruturantes de médio e longo prazo para a Amazônia considera, exclusivamente, como modelo de desenvolvimento, aquele imposto pelo agronegócio e que não tem nenhum compromisso com o território. São muito claras, nesse sentido, as metas de indução à expansão da fronteira agrícola e mineral a qualquer custo.
Complexo Hidrelétrico Teles Pires
Junto com o projeto do Complexo Tapajós também está nos planos do governo, já em fase de licenciamento ambiental, o Complexo Hidrelétrico Teles Pires. O rio Teles Pires nasce no estado do Mato Grosso, nas serras Azul e do Finca Faca a uma altitude média de 800 m e tem 1.638 km até o ponto em que se junto ao rio Juruena para formar o Tapajós. A bacia do Teles Pires drena 141.770 km² nos estados de Mato Grosso e Pará.
O Inventário Hidrelétrico dessa bacia hidrográfica estudou o trecho entre as cabeceiras do rio Teles Pires e a foz do rio Apiacás. Os estudos concluíram pela viabilidade de seis aproveitamentos hidrelétricos dos quais cinco no próprio rio Teles Pires e um no rio Apiacás.
Em 2009 a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) divulgou a Avaliação Ambiental Integrada (AAI) do rio Teles Pires e as Diretrizes da Bacia Hidrográfica do Rio Teles Pires, sub-bacia do Tapajós. A AAI, no entanto, não serviu para que os aproveitamentos hidrelétricos selecionados no rio Teles Pires e no seu afluente, Apiacás, fossem objeto de um licenciamento integrado. Apenas a UHE Teles Pires e a UHE São Manoel estão sendo licenciadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mas em separado. As outras estão sendo objeto de licenciamento pelo órgão ambiental do de Mato Grosso.
O Ministério Público do Estado do Mato Grosso questionou o licenciamento da UHE Sinop por entender que o rio Teles Pires é um rio federal e que, então, a competência caberia ao Ibama. Por outro lado, o Ministério Público Federal do Pará questionou também o licenciamento da UHE Teles Pires alegando que a usina faria parte de um grande complexo junto a outras quatro no mesmo rio; além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) considerou, em relatório, que os estudos ambientais da UHE Teles Pires não são aceitáveis e não atendem à legislação. Nos dois casos os ministérios públicos pediram liminares para parar os processos. As ações tramitam na justiça e apesar de receberem sentença favorável dos juízes de primeira instância, que concederam as liminares para suspender os licenciamentos, o governo federal conseguiu reverter as decisões.
[1] Complexo hidrelétrico Teles Pires: seis usinas e um rio http://telmadmonteiro.blogspot.com/2010/11/complexo-hidreletrico-teles-pires-seis.html
Para ver a publicação da Resolução do CNPE no Diário Oficial da União (DOU), clique aqui
COMO NA FÁBULA
ResponderExcluirMal afastada a corja do DNIT, “governo dá início a plano para novo complexo elétrico“ (folha, 26 de julho de 2011 ).
--Será um novo plano ou uma edição requentada como nas novelas?
--Vale a pena ver de novo: “Éramos 18”?
--Mas, eles não foram Dnitidos?
Agora somos 40 do PR acrescidos de novos personagens, mas a cena é a mesma, ops..., as usinas, começando por São Luis.
Como espera o governo “criar uma cadeia firme...” com usinas de fio d’água de baixa altura de queda, sendo a maior delas, São Luís com 36 metros de queda que, entretanto, está situada na foz do rio, quase ao nível do mar na altitude de 150 metros?
‘Águas passadas não movem moinho’
“Como pode ser acompanhada de uma rede de transmissão...” em distâncias que superam 3 mil Km, para as quais sequer existem similares em todo o mundo? A maior está na China, com 2 mil Km em em corrente contínua a 800 kV. Só pode ser coisa de brincadeira, como na fábula do lobo e o cordeiro. O lobo é a nossa maior sumidade em matéria de energia: Lobão, o outro, é claro. O cordeiro somos nós, ou os índios.