É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras,
salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua populacão, ou no interesse da soberania do País, após deliberacão do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. (d.n.). CF, Art. 231, §5°
Telma Monteiro
Uma nova e inédita Ação Civil Pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal do Pará e tem por objeto impedir a construção de Belo Monte e provar que a destruição da biodiversidade no trecho da Volta Grande do Xingu levará à inevitável remoção de povos indígenas, expressamente vedada pela Constituição Federal. Está assegurada na Constituicão, a permanência dos indígenas em suas terras tradicionalmente ocupadas e a preservacão de suas culturas milenares indispensáveis à manutencão de sua identidade.
Os procuradores questionam o desvio das águas na Volta Grande do Xingu de “importância biológica extremamente alta” que afetará o direito das futuras gerações ao desenvolvimento sustentável e, pela primeira vez, se levanta a questão do direito da natureza. Afirmam que os povos indígenas Juruna e Arara, e ribeirinhos da Volta Grande do Xingu, têm direito à indenização pelos impactos e perda da biodiversidade, se a hidrelétrica Belo Monte for construída.
A ACP cita as espécies de peixes que somente podem ser encontradas naquela região e as cavernas que abrigam outras espécies endêmicas. Há na Volta Grande do Xingu, ainda, 45 das espécies de aves que foram consideradas extintas quando Tucuruí foi construída.
Para os procuradores a redução dos níveis de água criará impactos biológicos, sociais, culturais para os povos indígenas e ribeirinhos que habitam as margens do Xingu, no trecho da Volta Grande. Esses impactos estão bem claros nos estudos ambientais analisados pelo Ibama.
Embora os reservatórios não estejam dentro das Terras Indígenas Arara da Volta Grande e Paquiçamba, dos Arara e Juruna, a perda da biodiversidade vai afetar a pesca e a coleta de castanha que são as maiores fontes de renda. A própria Funai já havia observado o problema com relação à coleta de castanha, em parecer técnico:
As castanhas são transportadas a pé dos piques [ou picadas na mata] até os Igarapés (Paraíso, Bicho e Prego) e as grotas (Lata e Castanhalzinho), onde são transportadas por canoas até as sedes dos núcleos residenciais. Esse transporte só é possível devido à cheia do Xingu, que provoca a elevação dos níveis de água nos igarapés e grotas, chegando a um ponto no qual a conoa é atracada em um porto temporário, utilizado conforme a sazonalidade da castanha.
Um dos pontos mais preocupantes, além da pressão aos recursos naturais, é o impacto da vazão reduzida na Volta Grande do Xingu sobre os igarapés que garantem o transporte da castanha. Durante o trabalho de campo da equipe:
Verificou-se que, com 12.000 m3/s, o igarapé Paraíso não tinha alcançado o ponto do porto temporário onde as canoas são carregadas com castanha.[1]
A pesca pode se tornar outro problema ainda maior, uma vez que a região já sofre com "alta exploração pesqueira”[2].
A pesca, seja ela artesanal, comercial ou de lazer possui importância significativa para os Juruna da TI Paquiçamba. E será uma das atividades mais impactadas pelo AHE Belo Monte, pois com o regime hídrico modificado, toda a cadeia alimentar e econômica será modificada.[3]
No caso dos Arara, além dos impactos na coleta de castanha e na pesca, há a questão da qualidade da água. Eles já têm dificuldade de acesso à água potável para consumo. Tanto o povo Arara como o povo Juruna dependem do rio Xingu íntegro, inteiro, e das áreas que extrapolam os limites das TIs, para sua sobrevivência.
Os procuradores também se referem à vazão reduzida do rio Xingu, no trecho da Volta Grande, aprovada no projeto de Belo Monte, a chamada "vazão ecológica". Os peritos do MPF analisaram a série histórica de máximas e mínimas do rio, no período entre 1971 e 2006, e concluiram:
A 'hipótese' na qual se apoiaram os autores do 'Hidrograma ecológico' carece de fundamentação técnica consistente e que a medida apresentada não oferece garantias de mitigação satisfatória aos impactos sobre peixes no trecho da vazão reduzida do rio Xingu. A aplicação do hidrograma constitui, em última análise, um mero 'experimento ambiental', cujos resultados não são predizíveis no momento, pelo que a sua proposição não serve à definição da viabilidade ambiental do projeto.[4]
Junte-se a todas essas e outras questões que vão afetar a biodiversidade, o problema da emissão de gases de efeito estufa estimada em cerca de 11,2 milhões de toneladas de carbono ao ano, nos dez primeiros anos. Estudo do cientista Philip M. Fearnside comprova que os “gases de efeito estufa são emitidos em escalas que excedem a produzida por combustíveis fósseis durante muitos anos”.[5]
Os procuradores enfatizam que "haverá a morte de parte considerável da biodiversidade que compõe o ecossistema conhecido como Volta Grande do Xingu. Essa intervenção humana causará radical intervenção no modo de vida dos povos que a habitam, especialmente os povos indígenas, que serão removidos de seu território".
Os indígenas serão, também, diretamente afetados com o aumento da migração (trabalhadores e suas famílias, pessoas em busca de oportunidades) principalmente no entorno da TI Paquiçamba. Isso vai agravar a já previsível redução do estoque pesqueiro e a qualidade da água na época de seca no trecho de vazão reduzida imposta pelo projeto.
Ao mesmo tempo, as obras introduzirão uma profunda alteração na hidrografia e nos níveis do lençol freático na área dos reservatórios intermediários alimentados pelo canal que vai desviar 80% das águas do Xingu, no trecho da Volta Grande.
Diante de tudo que foi magnificamente exposto na ação, de forma inédita, é patente que construir Belo Monte implicará necessariamente na remoção dos povos indígenas Juruna e Arara, e demais habitantes indígenas não aldeados e ribeirinhos da região da Volta Grande do Xingu.
Os procuradores do MPF, de forma corajosa e bem fundamentada, pedem que a obra seja suspensa imediatamente e imputada à ré, Norte Energia, a obrigação de indenizar os povos indígenas Arara e Juruna e os ribeirinhos da Volta Grande do Xingu, pelos impactos e perda da biodiversidade. Valor dado à causa R$ 25.885.000.000,00 (valor da obra, orçado pela ré).
Os heróis de mais essa peça incrível contra a hidrelétrica Belo Monte são os Procuradores da República do Pará, Felício Pontes Jr., Ubiratan Cazetta, Bruno Soares Valente, Daniel Azeredo Avelino, Bruno Gütschow, Cláudio Terre do Amaral. Palmas para eles!
[5] Ver também Philip M. Fearnside. In: Os impactos das hidrelétricas amazônicas e por que o Brasil precisa de uma política energética diferente, Doc. 08.