"O art. 5°, inc. LXXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), prevê a garantia fundamental da razoável duração do processo, de sorte que a "teoria do fato consumado" assola o direito discutido na lide - ação - afrontando essa garantia do cidadão." Entrevista com a Promotora de Justiça Audrey Thomaz Ility
Telma Monteiro
No último dia 07, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso, através da 3ª Promotoria de Justiça Cível de Sinop, fez um pedido inédito e corajoso ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Trata-se de um Pedido de Providências ao CNJ e Poder Judiciário Brasileiro para que recomendem maior eficiência e efetiva eficácia na tramitação das ações civis públicas sobre hidrelétricas e PCHs.
Assinada pela Promotora de Justiça, Titular da 3ª Promotoria de Justiça Cível de Sinop, Audrey Thomaz Ility[i], o pedido ao CNJ vem atender às inúmeras reclamações do MP e de ONGs com relação à morosidade com que vêm sendo tratadas as ações sobre irregularidades nos processos de licenciamento ambiental das UHEs e PCHs.
"A Ação Civil Pública (ACP) visa a defesa da sociedade e pode até mesmo transcender as fronteiras nacionais.O MP atua como um substituto processual de toda a sociedade, pois se cada indivíduo ajuizasse uma ação haveria um número infinito delas", disse a promotora Audrey Ility.
O sistema judiciário brasileiro está se mostrando inoperante quanto à celeridade no julgamento das ACPs que questionam os projetos hidrelétricos. As ações que tramitam no judiciário, como as do rio Madeira, de Belo Monte, das usinas no rio Teles Pires ou de PCHs no Mato Grosso, são campeãs num jogo de empurra-empurra e tecnicidades que visam protelar decisões e acabar em "fato consumado".
A promotora Audrey Ility atendeu minha solicitação para falar sobre o Pedido de Providências (PP) ao CNJ e sobre as ações de UHEs e PCHs que tramitam morosamente no Poder Judiciário.
Confira a entrevista:
TM: Promotora, a senhora pode nos ajudar a entender exatamente o que significa seu pedido?
Audrey Ility: Bom, eu pedi no PP que fosse feita divulgacão por Edital para quem quiser se habilitar, tanto órgão como cidadãos e os membros do MP [estadual e federal] podem se habilitar antes, levando ao conhecimento do CNJ suas lides demoradas e reforçar a morosidade do Judiciário.
TM: O Edital vai sair então?
Audrey Ility: Eu divulguei interna corporis [entre seus pares do MP] o número do PP. Na segunda-feira (10) já será possível torná-lo público, para que pessoas e instituições possam se habilitar e argumentar sobre o pedido.
TM: Isso significa que os membros do CNJ aceitaram o seu pedido?
Audrey Ility: Aceitaram. Basta agora ver se não há qualquer emenda a fazer quanto aos documentos, por exemplo, enviar um gráfico das ações em trâmite, etc. O pedido foi recebido no CNJ, foi distribuído para a relatoria, mas sua aceitação depende de uma análise dos requisitos traçados pelo próprio CNJ. Ou seja, ele ainda não foi "conhecido", ou seja, ainda não está pronto para integrar a pauta de julgamentos. Este procedimento é um procedimento interno do CNJ e tem etapas bem definidas. Quando ele for conhecido, por ter atendido os requisitos legais, aí sim, poderemos falar que o PP foi aceito pelo CNJ
TM: Como os representantes da sociedade civil vão poder se habilitar?
Audrey Ility: Sairá o Edital, mas dando conhecimento pela mídia. Outras pessoas podem se habilitar antes, inclusive grupos indígenas, entidades civis organizadas etc.
Você também pode entrar no site do CNJ e ver quem pode se habilitar em pedidos em trâmite e dar publicidade do pedido, inclusive disponibilizando-o na íntegra no blog, para conhecimento de todos.
TM: O que a senhora solicitou ao CNJ?
Audrey Ility: eu protocolei um Pedido de Providências para que o CNJ expeça uma recomendação aos Tribunais de Justiça (TJs) estaduais, aos Tribunais Regionais Federais (TRFs) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), para que seja fixado um prazo razoável de duração das ações que tratem de PCHs e UHEs, sugerindo um ano para ações em 1° grau e seis meses para recursos. Eles analisarão o pedido, eu farei sustentação oral em Brasília para que depois eles julguem se expedem a súmula ou não.
TM: O que são ações em primeiro grau?
Audrey Ility: São as ações que tramitam nos fóruns e não nos tribunais. Os tribunais são o segundo grau de jurisdição. Segundo grau é recurso.
TM: Quando a senhora faria essa sustentação oral em Brasília?
Audrey Ility: Após os Tribunais e o STJ se manifestarem, pois pedi que todos os tribunais estaduais e federais indicassem se possuem ações que tratem do tema, bem como o STJ. Depois disso, haverá a data de julgamento e eles me intimarão para apresentar razões e eu poderei fazer isso oralmente em Brasília. Não há uma data certa, mas esses julgamentos não costumam demorar muito. Inclusive, diante de casos escabrosos, podemos pedir uma liminar. Apostamos no melhor entendimento do CNJ, que reconhecerá a necessidade da expedição e recomendação aos Tribunais. Quanto às razões orais, posso fazê-las ou não, mas pretendo realmente fazê-las, se isso for necessário. Isso não é uma regra, na verdade.
TM: As organizações que se habilitarem devem fazer argumentação sobre os casos que têm observado?
Audrey Ility: Então, se elas tiverem representantes - advogados - podem se habilitar, inclusive, levando ao conhecimento do CNJ as ações que se encontram paralisadas na justiça. O CNJ seria ajudado pelo MP e pela sociedade para dar formar uma convicção mais clara sobre a situação, inclusive, com maiores subsídios técnicos e fáticos para que nosso pedido tenha êxito e conseguir um andamento rápido ao Pedido de Providências. O Relator [CNJ] é do Pará tem conhecimento da situacão.
TM: A senhora acredita que esse Pedido de Providências pode mudar a forma como estão sendo tratadas as ações no judiciário?
Audrey Ility: Sim, chama-se Pedido de Providências, formalmente, segundo as normas do CNJ. Ele visa a expedicão de Recomendação aos Tribunais Estaduais, aos Tribunais Federais e ao STJ, para que, num prazo a ser fixado na Recomendação, julguem as ações e os recursos. Pela Constituição, todo cidadão tem direito à duração "razoável" do processo.
TM: Depois que todos os habilitados se manifestarem se faz o julgamento do mérito do seu pedido? Essa recomendação tem força até que ponto? É superior à autonomia do fórum e tribunais?
Audrey Ility: Ela tem força, digamos. O CNJ é o orgão externo de fiscalização do Poder Judiciário; portanto, ao expedir uma recomendação, ela tem que ser acatada, salvo caso fortuito ou força maior.
TM: E a Recomendação vai se restrigir apenas as ações sobre projetos hidrelétricos?
Audrey Ility: No caso, como a própria Constituição da República diz que o processo deverá ter um prazo "razoável" de duração, nem necessitaria de uma recomendação, mas como no caso das hidrelétricas os danos sao irreversíveis e a situação é muito grave no país, em virtude da matriz energética escolhida e do Plano Decenal de Energia, envolvendo R$ 190 bilhões em obras, entendi que deveria me ater a esses casos, que são alarmantes. São os casos de PCHs e UHEs.
O art. 5°, inc. LXXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), prevê a garantia fundamental da razoável duração do processo, de sorte que a "teoria do fato consumado" assola o direito discutido na lide - ação - afrontando essa garantia do cidadão. O direito discutido, ou seja, o bem da vida que se pretende, perece, sob a "teoria do fato consumado". O pedido somente demonstra que os Tribunais têm falhado e negado essa garantia fundamental do cidadão. Quando digo pedido, é o Pedido de Providências que o MP, por meu intermédio fez. Daí a necessidade de outros membros se habilitarem e levarem ao conhecimento do CNJ as ações que estão paralisadas, pois somente citei as minhas [ações] e algumas do Sul do Brasil.
TM: A senhora quer acrescentar mais alguma coisa?
Audrey Ility: Bom, eu gostaria de acrescentar que não somente quanto às lides que discutem os licenciamentos de PCHs ou UHEs o Judiciário deveria ser mais ágil, mas também nas lides que discutem patrimônio público e probidade administrativa, que são temas que assolam a sociedade. Não atribuo essa morosidade à inércia ou desídia dos magistrados, mas à própria falta de estrutura do Poder Judciário, que deveria contar com mais membros e auxiliares técnicos capazes de conferirem subsídios aos magistrados para suas ações. Contudo, como sou Promotora de Justiça da área ambiental e outros direitos difusos, entendi que o caso das UHEs e PCHs é muito grave, e vários Tribunais têm aceitado a "teoria do fato consumado", mesmo após reconhecer a ilegalidade dos procedimentos. Acho que é isso, Telma. O resto está no próprio pedido de providências.
[i] Audrey Ility é Promotora de Justiça Titular da 3ª Promotoria de Justiça Cível de Sinop, com atribuições na defesa ambiental, do patrimônio público, saúde pública e consumidor e está há dois anos e meio em Sinop. Já foi Titular da 1ª Promotoria de Justiça Criminal de Alta Floresta, de Lucas do Rio Verde e de São José do Rio Claro-MT. Foi Defensora Pública de 1998 a 2000, por um ano e sete meses, como a primeira Defensora Pública do Estado de Mato Grosso, Titular da Defensoria Pública da Infância e Adolescência da Capital, Cuiabá, Formada na UFMT em 1997, natural de São Paulo. Tem especialização em direito civil e direitos difusos, dentre eles o meio ambiente, pela Fundação Escola Superior do MP do MT, em convênio com a UNIC - Universidade de Cuiabá -,sob a coordenação do Dr. Nelson Nery Junior.