Telma Monteiro
A outorga de direito de uso de recursos hídricos é um instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997). De acordo com a lei, compete à Agência Nacional de Águas (ANA) outorgar, por intermédio de autorização, o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União, bem como emitir outorga preventiva.
A ANA foi criada em 2000 e tem uma Diretoria Colegiada com cinco membros indicados pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado Federal. Essa diretoria concede a Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH) inicialmente a um determinado projeto hidrelétrico com a finalidade de garantir a disponibilidade hídrica [quantidade de água] necessária à viabilidade da usina para o acionamento das turbinas que gerarão energia.
Em 2009 a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) recebeu da ANA a resolução a DRDH da usina de Belo Monte. A resolução recomendou que seria necessária a atualização das linhas de remanso no rio Xingu, a cada 5 anos, “em função da evolução do assoreamento no reservatório.”
Depois do leilão de Belo Monte, a União e a concessionária Norte Energia assinaram um contrato de concessão de uso de bem público para geração de energia elétrica. Após o contrato, a DRDH foi transformada automaticamente, pela ANA, em outorga ou direito de uso dos recursos hídricos.
A resolução que declarou a DRDH de Belo Monte estabeleceu que a cidade de Altamira não pode sofrer qualquer interrupção no abastecimento de água devido à usina, que as estruturas do empreendimento devem possibilitar a passagem dos sedimentos e que a navegação já existente na região não pode ser prejudicada.
Essas condições impostas na resolução da ANA puseram em dúvida a viabilidade ambiental do empreendimento, já que foi mais um documento oficial a chamar a atenção para as insuficiências do EIA/RIMA. A resolução também fez referência aos efeitos sobre os usos da água, associados a eventuais processos de erosão a jusante (rio abaixo) e assoreamento a montante (rio acima) das barragens.
A possibilidade de assoreamento reforça a intenção do Ministério Público Federal (MPF) de investigar com especialistas qual a interferência real do reservatório na cidade de Altamira. Já existe uma forte suspeita de que o nível da água que consta no projeto de Belo Monte não está correto e que o lago vai ser maior. Até que ponto a possibilidade de assoreamento e erosão apontada pela ANA poderá criar mais impactos que não foram diagnosticados nos estudos ambientais?
Em 28 de fevereiro de 2011 o a ANA transformou automaticamente a Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica, objeto da Resolução n° 740, de 06 de outubro de 2009, referente à usina de Belo Monte, em outorga de direito de uso de recursos hídricos. Todas as recomendações da DRDH foram mantidas e foi pedida, também, uma estrutura de proteção para o assoreamento na barragem do sítio Pimental.
A outorga da ANA confirmou, portanto, que vai haver assoreamento do reservatório e aumento no nível da água com risco de afetar a cidade de Altamira e as Terras Indígenas. O assoreamento do reservatório pode causar efeitos a montante da área de remanso que ficará sujeita a enchentes mais constantes. Daí a recomendação expressa na outorga de que a cada cinco anos deverão ser atualizadas as linhas de remanso do reservatório principal para avaliar a evolução do assoreamento.
Observação: Ressalta-se também que a conversão automática da DRDH em outorga estará sujeita ao atendimento dos condicionantes expressos na respectiva resolução da DRDH, emitida pela ANA ( Manual de Estudos de Disponibilidade Hídrica para Aproveitamentos Hidrelétricos da ANA).
Como no caso de Belo Monte não foram atendidas as condicionantes, entendo que a outorga não poderia ser concedida pela ANA.
Como no caso de Belo Monte não foram atendidas as condicionantes, entendo que a outorga não poderia ser concedida pela ANA.
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