terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A história da aceitação política das hidrelétricas do rio Madeira – Parte 1



Vista aérea do canteiro de obras da UHE de Santo Antônio, abril de 2010 Foto: imagemnews.com
A história da aceitação política das hidrelétricas do rio Madeira – Parte 1[1]

Finalmente, aparadas todas as arestas, Furnas e Odebrecht apresentaram os Estudos de Inventário do rio Madeira para a Aneel, em 20 de novembro de 2002, nos quais apontaram os Aproveitamentos Hidrelétricos de Santo Antônio e Jirau. Os estudos foram aprovados em 17 de dezembro do mesmo ano, em tempo recorde. Tal urgência se justificaria, pois em 1º de janeiro de 2003 o novo governo, eleito em novembro de 2002, assumiria o poder.
 Em 16 de janeiro de 2003, logo depois da posse de Luiz Inácio Lula da Silva como Presidente da República, Furnas e Odebrecht receberam da Aneel o registro ativo para a realização dos Estudos de Viabilidade e iniciaram os trabalhos de campo. 

Telma Monteiro

Santo Antônio e Jirau

Em 1999, as Furnas Centrais Elétricas S.A. e a Construtora Norberto Odebrecht S.A. (CNO) formaram uma parceria para implantar o Aproveitamento Múltiplo de Manso, no estado de Mato Grosso. Dois anos depois, a usina de Manso entrava em operação comercial com antecipação dos cronogramas originais, estabelecendo aquilo que as empresas consideraram um amplo sucesso no desenvolvimento da parceria público-privada.
Foi justamente este “sucesso” que acabou levando as duas empresas a buscar novos empreendimentos sob o pretexto de garantir a oferta de energia necessária à sustentação do crescimento econômico do País. Um novo negócio milionário passou a ser então o grande objetivo da parceria. A bem-sucedida experiência levou Furnas e Odebrecht a elaborar os estudos de inventário de rios considerados, por elas, como de relevante interesse. Formou-se aí o embrião do Complexo Madeira, que uniu duas empresas – uma pública e outra privada – para gestar no governo federal o planejamento de uma sucessão de empreendimentos hidrelétricos na Amazônia.

Furnas e Odebrecht miraram suas baterias em direção ao rio Madeira, que até aquele momento não tinha sido alvo, ainda, de estudos de inventário. Esse propósito acabou por facilitar a identificação futura de outros potenciais hidrelétricos naquela região. As “boas” opções estavam, então, disponíveis na Amazônia, onde se concentravam  51% de todo o potencial hidrelétrico brasileiro, mas que, naquela época, apenas 5% eram explorados.

Outro fato, no entanto, foi determinante para o avanço no propósito de barrar o rio Madeira. Na década de 1990, foi extinto o domínio territorial das empresas estatais, com a edição da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, que reestruturou o setor e autorizou a constituição de consórcios formados por estatais e empresas privadas com o objetivo de geração de energia elétrica. Com isso, a empresa Furnas pôde consolidar seu interesse pela Amazônia, pois a divisão territorial das estatais – segundo a qual cada uma dominava determinada região do País, o que a condicionava a atuar apenas no Sudeste – deixou de ser um empecilho.

O rio Madeira apresenta significativas variações de nível d’água entre as épocas de seca e de cheia, condição que o tornava extremamente atrativo e com condições de gerar energia. As empresas acabaram por usar as características especiais de vazão do rio Madeira como um fator positivo nas soluções de engenharia. Criaram a propaganda enganosa dos reservatórios reduzidos – usinas a fio d’água – e da baixa concentração da ocupação nas margens. Com isso, minimizaram os impactos ambientais no aspecto socioambiental.

Além disso, as empresas venderam ao governo federal e às autoridades, na época, a imagem de que os projetos do Madeira seriam indispensáveis à integração sul-americana, graças à proximidade com os vizinhos Bolívia e Peru. O Complexo Madeira daria início, assim, à implantação do principal e mais ambicioso plano de integração regional de infraestrutura energética e de transportes na região.

Essa lógica justificou o investimento nos estudos do rio Madeira. Furnas e Odebrecht iniciaram, então, em 2001, o desenvolvimento dos estudos de inventário no trecho de 260 km entre a Vila de Abunã, na divisa com a Bolívia, e a cachoeira de Santo Antônio, nas proximidades da cidade de Porto Velho, no estado de Rondônia. Posteriormente, com a aprovação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), deram seguimento ao processo com os Estudos de Viabilidade Técnico-Econômica (EVTE).

Mais uma justificativa foi acrescentada aos motivos da imprescindibilidade do Complexo Madeira: a vocação do rio para a navegação, apontada nos estudos. Para viabilizar a navegação, foram indicados dois aproveitamentos hidrelétricos, um na cachoeira de Jirau, localizada a 130 km de Porto Velho, e outro na cachoeira de Santo Antônio, distante 10 km de Porto Velho. O respeito aos aspectos ambientais foi ignorado para dar lugar ao que as empresas chamaram de “desenvolvimento sustentável e de integração regional”.

Finalmente, aparadas todas as arestas, Furnas e Odebrecht apresentaram os Estudos de Inventário do rio Madeira para a Aneel, em 20 de novembro de 2002, nos quais apontaram os Aproveitamentos Hidrelétricos de Santo Antônio e Jirau. Os estudos foram aprovados em 17 de dezembro do mesmo ano, em tempo recorde. Tal urgência se justificaria, pois em 1º de janeiro de 2003 o novo governo, eleito em novembro de 2002, assumiria o poder.

Em 16 de janeiro de 2003, logo depois da posse de Luiz Inácio Lula da Silva como Presidente da República, Furnas e Odebrecht receberam da Aneel o registro ativo para a realização dos Estudos de Viabilidade e iniciaram os trabalhos de campo.

A Aneel autorizou a empresa Furnas Centrais Elétricas S.A. e a Construtora Norberto Odebrecht S.A. a desenvolver os estudos de viabilidade técnico-econômica e ambiental dos aproveitamentos hidrelétricos de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira. Segundo a legislação sobre concessões de serviços públicos (Lei nº 8.987/95), cada empreendimento vai para licitação pública depois da obtenção de Licença Ambiental Prévia. A licitação indica o grupo de empresas vencedor do certame, que será responsável pela construção e exploração do empreendimento hidrelétrico.

Em 2003, ficou definido que o Ibama teria a competência do licenciamento dos empreendimentos e Furnas se encarregou de fazer a apresentação do Memorial Descritivo dos aproveitamentos.

O processo de licenciamento no Ibama começou a tramitar em 2004, com a primeira vistoria feita pelos técnicos na área de influência dos empreendimentos, para subsidiar a preparação do Termo de Referência. A minuta do Termo de Referência foi objeto de uma reunião pública em Porto Velho, que contou com a participação do então governador Ivo Cassol, de senadores, deputados estaduais e federais, vereadores e as demais autoridades estaduais e municipais do Poder Executivo.

Naquela mesma época, a empresa Furnas enviou o Memorial Descritivo da Linha de Transmissão, associada ao empreendimento, e nele considerou um corredor de 10 km de largura. Ainda em 2004, a empresa Furnas mandou ofícios ao Ibama, contestando alguns itens do Termo de Referência e defendendo a impossibilidade de, nos estudos, fazer o diagnóstico dos impactos ambientais de toda a bacia do rio Madeira, sob a justificativa de que isso inviabilizaria o projeto. Requisitou, também, a retirada da exigência de investigar os impactos ambientais que afetariam o estado do Amazonas e que o estudo sobre as eclusas fosse postergado para o momento de sua concessão.

Outra curiosidade histórica e que teria repercussões futuras foi que, nesse mesmo ofício, a empresa Furnas pediu para que o EIA específico do sistema de transmissão fosse retirado do Termo de Referência. Segundo a empresa, o Novo Modelo Institucional do Setor Elétrico, estabelecido pela Lei nº 10.847/2004, teria criado regras diferenciadas para o licenciamento de linhas de transmissão e, por isso, a licitação deveria ser feita tendo-se como base o traçado preliminar, que seria posteriormente desenvolvido pelo vencedor, antes da concessão da LP.

O então coordenador-geral de Licenciamento, Luiz Felippe Kunz Júnior, em ofício, aceitou todas as restrições impostas por Furnas. Em setembro de 2004, a versão final do Termo de Referência foi aprovada e encaminhada a Furnas, estabelecendo que os empreendimentos devessem ser tratados como um complexo e seus estudos ambientais desenvolvidos de forma conjunta. Foi a primeira menção oficial ao Complexo Madeira.

Ficou então determinado por “decreto” firmado entre Furnas e Ibama que o estado do Amazonas não iria sofrer as interferências dos projetos, que a bacia hidrográfica do rio Madeira era muito grande para ser estudada quanto aos impactos decorrentes dos empreendimentos (portanto, melhor desconhecê-los) e que as linhas de transmissão não precisavam de EIA/Rima antes da licitação. Começaram aí as ilegalidades no processo de licenciamento das UHEs de Santo Antônio e Jirau.

Esse procedimento de aprovação do Termo de Referência selou definitivamente o destino do rio Madeira, onde seriam implantados dois dos mais polêmicos projetos em construção na Amazônia.




[1] Texto de minha autoria extraído do estudo As Hidrelétricas do Madeira: as lições não aprendidas que se repetem em Belo Monte, editado pelo INESC para o Observatório de Investimentos na Amazônia, disponível em http://observatorio.inesc.org.br/visualizar_estudos.php?id=47

Um comentário:

  1. Foi a melhor coisa que fez na sua vida, cara amiga, bem como todos aqueles que estão abandonando a canoa furado deste partido. Estes caras estão delirando com todos os a: sles não sabem o que estão fazendo de mal ao país, em total desrespeito aos bons técnicos do próprio MME e e de outros tantos que conhecem o assunto.

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