Mapa da Funai com as referências de índios isolados |
Na última semana foram
divulgadas notícias sobre a presença de indígenas isolados na região das obras
de construção das usinas Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira. Uma das matérias é do
blog da Redação Repórter Brasil, de 6 de janeiro, intitulada Povos isolados localizados perto de obras no
Rio Madeira.
Para reforçar o descaso com que
o tema vem sendo tratado pelas empresas responsáveis e pelo governo federal, escrevi
o texto a seguir calcado no relatório de uma expedição realizada em 2009, que
constatou a presença de indígenas isolados no entorno das obras das hidrelétricas
em construção no rio Madeira. O relatório adverte para os riscos que grupos de
indígenas isolados estão correndo em uma região que sofre os impactos da
construção de duas obras gigantescas em plena Amazônia.
É importante aproveitar o
momento para lembrar a presença de indígenas isolados nas cabeceiras do Igarapé Ipiaçava e de outro grupo isolado (ou grupos isolados) na TI Koatinemo, região
onde está sendo construída a hidrelétrica Belo Monte, no rio Xingu. A Funai editou uma Portaria de Restrição que impede
o ingresso, locomoção e permanência de pessoas estranhas na área, pelo prazo de
dois (02) anos a contar de sua publicação. Em 2011, Ongs entraram com uma
representação no MPF do Pará alertando para o problema.
Telma Monteiro
No período de 26 de novembro a
10 de dezembro de 2009 uma equipe formada pela Funai, Sipam e Associação de
Defesa Etnoambiental Kanindé iniciou um levantamento para localizar
geograficamente a presença de indígenas isolados na região da Estação Ecológica
Serra Três Irmãos/Mujica Nava e Parque
Nacional de Mapinguari, em Rondônia.
Equipados com caminhonete,
câmeras fotográficas, filmadora e o mapa da região sairam a campo numa
expedição que tinha o objetivo de levantar informações com pessoas da região e
garimpeiros sobre as pistas e indícios de índios isolados. Longas caminhadas
foram feitas para comprovar a existência dos sinais deixados pelos indígenas.
Era uma procura por galhos torcidos, retirada de mel, acampamentos novos e
antigos, locais de possíveis amolações de ferramentas, de tocaias, de pescaria,
resquícios de cultura material, restos de alimentos, castanhas enterradas.
Vestígios da presença de isolados |
As descobertas dos vestígios e
sua localização foram plotados em imagem de satélite, o áudio e o vídeo das entrevistas
foram registrados meticulosamente em um diário de campo para subsidiar o relatório
final da expedição. Esse trabalho de
levantamento de ocupação de índigenas em isolamento voluntário já havia sido
realizado em 1996, pela Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé em parceria
com a Kanindé, com recursos do Planafloro – Plano Agropecuário e Florestal de
Rondônia.
A Funai criou um mapa
com as referências de localização dos isolados e a expedição de 2009 confirmaria
vestígios na referência n°12. As áreas de conservação e proteção Estação
Ecológica Mujica Nava/Serra dos Três Irmãos recebem recursos do Programa Áreas
Protegidas da Amazônia (ARPA) do
Ministério de Meio Ambiente (MMA) e constam no Mapa de Áreas Prioritárias para
Conservação e Repartição de Benefícios do MMA, como de alta prioridade para
conservação ambiental. A Secretaria de
Estado de Desenvolvimento Ambiental (SEDAM), de Rondônia, coordena os recursos
das Estações.
Desde que se deu o anúncio do
projeto do Complexo Madeira, a região sofre com garimpeiros ou invasores que
demarcam novas fazendas. Outro problema observado foi que o barulho provocado
pelas explosões nas obras de construção da hidrelétrica Jirau provocou medo no grupo de indígenas isolados. Isso induziu a Coordenação Geral de Índios
Isolados (CGII), a Frente de Proteção Etno-Ambiental Guaporé e a Kanindé a
planejar a expedição.
A equipe saiu de Porto Velho
pela BR 364 em direção à Vila de
Mutum-Paraná e daí seguiu por estrada
não pavimentada até a margem direita do rio Madeira para fazer a travessia por
balsa.
Igarapé Jacuraru |
No outro lado, depois de
percorrer estrada pavimentada, a expedição identificou as estradas que davam
acesso ao estado do Amazonas pelo interior da floresta e teve contato com
algumas pessoas que tinham informações sobre a presença de indígenas. Próximo
ao igarapé Jacuraru os primeiros
vestígios começaram a aparecer, como
vegetação quebrada ou torção de arbusto e palha de babaçu no interior da
floresta.
Desse ponto em diante a equipe
fez um levantamento das localizações das cabeceiras do igarapé e daí chegou às
cabeceiras do igarapé Queixada afluente do igarapé Caripuninha que é afluente
do rio São Lourenço e Rio Madeira. Dessa parte do percurso em diante foi
constatado que havia muitas pistas da passagem de indígenas na região,
inclusive de coleta de mel com características do manuseio indígena, ocorrido anteriormente, num período entre 05 meses a 01 ano e meio.
A expedição foi informada que no dia 03 de dezembro de 2009, quinta feira, dois garimpeiros avistaram oito indígenas na margem de uma estrada que levava ao garimpo. Seriam seis homens e
duas mulheres com os rostos pintados de
vermelho e branco, nus ou vestidos com roupas velhas; um portava borduna e outro arco e flechas. Garimpeiros
e índios ficaram assustados uns com os outros devido ao encontro inesperado e os indígenas fugiram para a floresta.
Interferência ambiental causada por garimpo |
O relatório aponta que muitas
irregularidades na região dentro do Parque Nacional do Mapinguari, como a
presença de garimpos ilegais, desmatamento para plantio de pasto, pista de
pouso, sinais de queimada, construções, roçado de banana e mandioca.
Todos os vestígios que
comprovam a presença de indígenas isolados foram encontrados na região percorrida
das cabeceiras dos igarapés afluentes do Coti (afluente do Ituxi e Purus,
Amazonas): Jacuraru, Pequiá e as cabeceiras do igarapé Queixada e Tuchaua (afluentes
do rio São Lourenço e rio Madeira, Rondônia).
A hipótese desenvolvida no
relatório da expedição, realizada em 2009 e confirmada somente agora pela
Funai, é que o local tradicional de
ocupação dos indígenas seria na região que envolve a Estação Ecológica Serra
dos Três Irmãos/Mujica Nava, Parque Nacional do Mapinguari, numa faixa de 10 a
30 km da hidrelétrica Jirau.
As explosões efetuadas nas
obras de construção da usina os teria afugentado
em direção ao garimpo onde foram avistados. As explosões para remoção de rochas
estavam sendo ouvidas no Parque Nacional do Mapinguari, de acordo com o
depoimento dos moradores. Essa região de garimpo é assolada por malária e
hepatite, doenças estranhas aos índios e que podem ser fatais.
Pista de pouso desativada |
Foram encontrados garimpos
desativados pelo Ibama, fazendas abandonadas e outras sob vigilância de caseiro,
dentro do Parque Nacional do Mapinguari, na área de perambulação de índios
isolados na região. O relatório da expedição recomendou que fosse feito um monitoramento urgente desse grupo indígena
para evitar que eles fossem infectados pela malária, hepatite e outras doenças,
além de prevenir confronto com não índios.
O relatório propôs a realização
de expedições periódicas para localizar área de ocupação indígena, a interdição do território indígena nas Estações
Ecológicas Mujica Nava/Serra dos Três Irmãos. O Parque Nacional do Mapinguari
deveria ser objeto de um trabalho mais específico para que fossem feitas ações
urgentes para proteção das Estações e dos índios isolados.
O relatório data de 09 de
dezembro de 2009 e está assinado pelos cinco integrantes da expedição.
As informações e as imagens estão no relatório da expedição. As fotos são de Leonardo Cruz
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