No final de 2011, como
resolução de ano novo, eu prometi a mim mesma que deixaria o ativismo
socioambiental. Que fique claro que esta não seria a primeira vez a me impor tal
determinação. Achei, no entanto, que seria a última e que resistiria bravamente
às provocações e apelos das notícias que envolvem os desmandos do setor
elétrico contra os povos e rios da Amazônia. Contra a vida, enfim.
Foi em vão. Mesmo
desestimulada pelos rumos tomados pelos enfrentamentos socioambientais, dei-me outra
chance ao escrever mais este texto. Talvez eu não tenha completado meu carma ou
não tenha esgotado meus argumentos para provar as ilegalidades dos processos de
licenciamento de grandes obras. Ou talvez eu ainda acredite que temos chances de
reverter este modelo de desenvolvimento ultrapassado e predatório que estão
impondo ao Brasil.
Sinceramente, não sei. É um
comichão danado quando me deparo com fatos e decisões de autoridades ou
empresas que subestimam a inteligência do brasileiro. Até aí, nenhuma novidade,
pois estão sempre nos tratando como seres abjetos e imersos na fatuidade ou na
alienação induzida.
Quis o destino que chegasse
às minhas mãos mais um documento que me encheu de verdadeira ira. Mesmo ficando
à margem, tentando fazer ouvidos moucos, tenho acompanhado todos os movimentos dos
hidropredadores e genocidas de plantão para tratorar (literalmente) o rio
Tapajós e a vida que flui dele. Baluarte da inocência dos ecossistemas da
Amazônia. Obra prima que outrora inatingível
na sua pureza, ainda encarna o último bastião de um tempo perdido. O Tapajós,
hoje, representa o derradeiro peão do tabuleiro de xadrez da Amazônia. Acompanhar
sua queda anunciada é um martírio.
A Medida Provisória nº 558
Há muito tempo que a
Presidência da República, o Ministério de Minas e Energia (MME), a Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e
o Ibama estabeleceram entre si um cronograma para destruir o rio Tapajós e pôr
em risco os povos e a floresta. Planejam um complexo com cinco hidrelétricas.
Em janeiro de 2012 contaram com a ajuda da presidente Dilma Rousseff
que assinou a famosa Medida
Provisória (MP)nº 558 que fez alterações nos limites dos Parques
Nacionais da Amazônia, dos Campos Amazônicos e Mapinguari, das Florestas
Nacionais de Itaituba I, Itaituba II e do Crepori e da Área de Proteção
Ambiental do Tapajós. A MP liberou, entre outras, a região onde as UCs seriam empecilhos
à construção das hidrelétricas na bacia do rio Tapajós.
Minha resistência restou
minada. Como se isso não bastasse, outro fato rompeu definitivamente
minha já alquebrada vontade de continuar desconsiderando o óbvio. Explico.
O
Termo de Referência do EIA/RIMA da UHE São Luiz do Tapajós
Os projetos hidrelétricos têm
obedecido a um padrão no processo de licenciamento. O empreendedor protocola no
órgão licenciador um pedido para emissão de licença prévia depois que os
estudos de viabilidade técnica e econômica são aceitos pela EPE. No caso do
projeto da UHE São Luiz do Tapajós, compete ao Ibama o aceite do EIA/RIMA, o
processo de análise dos estudos ambientais e a concessão ou não da licença
ambiental. O empreendedor recebe do Ibama um
Termo de Referência (TR) para orientar o conteudo do EIA/RIMA e só depois protocola o pedido de licença.
Fiquei absolutamente
petrificada ao descobrir que desta feita, o TR para o EIA/RIMA da UHE São Luiz do Tapajós tinha sido elaborado pelo
próprio empreendedor que (auto)determinou aquilo que deveria constar do
EIA/RIMA. Incrível! Só falta agora ele mesmo se conceder a LP. Para provar o
que estou falando extraí uma imagem do respectivo sistema do Ibama em que se lê
claramente: TR Apresentado pelo
Empreendedor.
Não acreditando em meus
próprios olhos fui buscar outros casos no afã de constatar um erro meu. Quem
sabe, pensei, todos os outros TRs são elaborados pelos respectivos
empreendedores e eu não havia percebido. Eis a surpresa:
O
TR de Belo Monte foi elaborado pelo Ibama
O
TR da UHE Santa Isabel foi elaborado pelo Ibama
O TR para elaboração do EIA/RIMA da UHE São Luiz do Tapajós tem outros
problemas ainda mais sérios. No TR do EIA/RIMA da UHE Teles Pires, por exemplo,
em construção na sub-bacia do rio Tapajós, o Ibama especifiou outros estudos e
documentos que integram o processo licenciamento
ambiental. São referentes a obtenção de outorga da água, Avaliação do Potencial
Malarígeno (APM), Prospecção de material arqueológico, paleontológico ou de interesse
histórico, a espeleologia e ainda os estudos etnoecológicos de comunidades indígenas,
quilombolas e de assentamentos humanos, conforme a pertinência.
As características físicas dos locais dos dois projetos são,
se não idênticas, muito semelhantes. O rio Tapajós nasce da confluência do rio
Teles Pires com o rio Juruena e com eles integra uma só grande bacia
hidrográfica. Como aceitar que os TRs que orientam os dois estudos, um
elaborado pelo Ibama e outro pelo empreendedor, sejam tão discrepantes?
Sobre as terras indígenas que sofreriam os impactos a
montante da UHE São Luiz do Tapajós, a menção no TR é risível. Solicita apenas a identificação, mapeamento e
descrição das vulnerabilidades atuais de comunidades indígenas decorrentes da
implantação do projeto. Não é mais profundo que uma lâmina d'água.
O TR da UHE Teles Pires, ao contrário, pede o estudo que
relaciona as áreas de abrangência do projeto e a sua influência nos meios
físico e biótico em relação às Terras indígenas. Nele há um ítem específico
sobre populações indígenas e as diretrizes da Funai, quanto à temática indígena
e sua quantificação.
Quero reforçar que isso tudo não implica, de maneira alguma,
que se o TR da UHE São Luiz do Tapajós fosse feito pelo Ibama, o empreendimento
deixaria de ser danoso, destruidor ou de ameaçar os direitos dos povos indígenas
e das populações tradicionais. Na verdade, o interesse é mostrar como, no
Brasil, se distorce as leis e se adequa procedimentos para viabilizar mega-projetos
criados para satisfazer interesses escusos.
Pior de tudo é que a imoralidade começa no topo. De Dilma
Rousseff ao assinar a MP n° 558 para "limpar
a área" até o Ibama que se absteve do papel
de definir um TR para "facilitar" o processo.
De
tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver
crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de
ser honesto. Rui Barbosa
Coloquei a frase do Rui Barbosa
no final, pois ela ilustra aquilo que estou sentindo neste momento.
Não é só vc.que sente este desânimo e raiva não, querida Amiga. Aqui, quase na beira do Araguaia, não é menor nossa indignação. Mas console-se, "não há mal que sempre dure... não há bem que nunca se acabe" (popular).
ResponderExcluirAcho que ainda vamos ver toda essa súcia de espertos se escondendo pelos cantos, tal ratos... Ainda há gente corajosa e valente nesse nosso país... há sim.
Acho que não é nem um pouco à toa que governantes gostam tanto de falar em desarmamento do cidadão honesto e cumpridor de suas obrigações... cabra safado não se indigna, não se revolta, está sempre a favor da cambada!
Parabéns lutadora!
Ao ler sua matéria compartilho dos seus sentimentos....é triste ver que a população não tem escolha, parece que somos meros marionetes nessa sociedade desigual e excludente.
ResponderExcluirElmara Guimarães
Isso tudo tambem me deixa revoltada!
ResponderExcluirDesculpa mas nem tenho palavras pra comentar muito.
Deprimente. Desolador.
ResponderExcluirI feel the same as you~even from usa i cannot leave the issue~as it leads to this larger fact ~ even relocation of the indigenous will not be enough to protect them ~it will continue~even a new location will be removed once again. Referring back to the "Letter of 4 Rivers" ~yes four rivers involved ~
ResponderExcluir"
"Carta dos 4 Rios Letter of the 4 Rivers"
Participant in the First Meeting of Peoples and Communities Affected and Threatened by Major Infrastructure Projects in the basins of the Amazon: Madeira, Tapajós, Xingu and Teles Pires in Itaituba, west of Pará, between 25th and August 27th 2010 release letter in defense of life. ~~~
~No we do not leave the cause~however the difficulty to bear witness~powerless to stop~is tearing the heart.
jbarnes
Você não está sozinha, prezada Telma.
ResponderExcluirSerá que cabe ação no MPF, por omissão do Ibama?
ResponderExcluirNão houve uma omissão do Ibama. O Termo de Referência que aparece é uma Minuta, não o definitivo.
ExcluirOutra coisa... com relação as áreas indígenas, que vc diz que a menção a elas é risível do TR do Tapajós, cabe dizer que o órgão que cuida dos interesses indígenas é a Funai. Inclusive no processo de licenciamento. O ibama pede complementações ao TR aos órgãos intervenientes (Funai, Iphan, etc). Inclusive manda o TR para eles antes de sair o definitivo. Se a Funai não foi tão contundente como foi na área de Teles Pires para um dado empreendimento, não é culpa do Ibama. O Ibama não é pai de todos. O Ibama não cuida de índios. Por lei, isso cabe a Funai. Se é risível, reclame com a Funai. Não coloque a culpa no Ibama por algo que não lhe compete.
ExcluirCaro Anônimo, você se esconde no anonimato, mas em respeito aos leitores deste blog vou responder aqui a todos os seus comentários.
ExcluirQuanto ao padrão do processo de licenciamento, realmente, eu inverti o primeiro passo, mas já corrigi no texto. Sobre a "minuta" do Termo de Referência elaborado pelo empreendedor, observo mais uma vez que o procedimento não é a praxe do Ibama. Se é ou foi uma "minuta", e ela não poderia ter sido elaborada pelo empreendedor, pois caracteriza conflito de interesses, eu perguntaria por que foi autorizada a supressão de vegetação; por que não apareceu a versão definitiva do Termo de Referência, do Ibama; por que o Ibama aprovou o plano de trabalho do Termo de Referência.
Jamais fiz qualquer crítica ao corpo técnico do Ibama que analisa os estudos ambientais. Conheço a dedicação deles. Mas tenho pleno conhecimento de que as instâncias superiores tomam decisões políticas e por isso a instituição é, sim, omissa.
Pedidos de complementações fazem parte do procedimento, mas antes das audiências públicas e apenas uma vez para cada tema abordado. Todos as instituições sempre são notificadas. O órgão licenciador tem obrigação e é seu papel olhar para a questão ambiental como um todo, incluindo-se aí os indígenas e suas terras quando correm risco de impactos; e todos os pedidos de informações sobre o componente indígena são necessários e devem constar do Termo de Referência que é balizador do EIA/RIMA.
Quanto a reclamar com a Funai, não é meu papel, mas sim o do órgão licenciador; aliás não seria reclamar o termo certo, mas exigir que ela também cumpra seu papel dentro do processo que envolve impactos em TIs.
Eia Rima$ rimam com corrupção. Os Hidrocida$ estão chegando... estão chegando os hidrocida$...
ResponderExcluirQuando não há mais nada a fazer a não ser sentir-se absolutamente derrotado, entrega a " encrenca" pra alguém lá em cima, quem sabe é o ultimo recurso?
Prezada Telma, acho que vc está equivocada em vários aspectos no seu texto...
ResponderExcluirPrimeiro, o rito do licenciamento ambiental não é aquele que vc escreveu. O Termo de Referência é emitido ANTES do requerimento da licença. A ordem é: Termo de Referência -> apresentação do Estudo Ambiental -> Requerimento da Licença. O Termo é o roteiro do estudo, portanto, emitido pelo IBAMA bem antes de protocolar o pedido de licença... Claramente vc não sabe qual é o padrão do licenciamento como vc diz...
Segundo, o Termo de Referência do Tapajós no qual vc diz que foi o empreendedor que emitiu (e até coloca a imagem no seu texto) é uma MINUTA. Aliás, a palavra aparece bem nitidamente escrita na imagem... Minuta, como a palavra mesma diz, não é definitivo.
É padrão uma minuta, ou seja, um texto inicial, ser enviada pelo empreendedor quando o pedido de abertura de um processo ocorre. É o texto que será utilizado para discussões ente empreendedor e o órgão ambiental. O Termo de Referência final é emitido pelo Ibama, e somente o Ibama, após reuniões e vistoria na área do empreendimento em questão. O seu equívoco se deu porque o do empreendedor apareceu no site e vc achou que já era o Termo final... Não considerou que o processo de emissão do termo ainda estava em andamento, mesmo com a palavra "Minuta" e "apresentado pelo empreendedor" escritos nitidamente...
Em tempo: o processo de licenciamento ambiental é público e qualquer pessoa pode ir até o órgão e pedir para ver o processo do empreendimento. Se vc tivesse feito isso, talvez veria que o Termo definitivo ainda não tinha sido emitido quando vc visitou o site do ibama.... Realmente, um pouco mais de verificação nas suas pesquisas poderia eliminar notícias enganosas. Espero que vc retifique esse seu "post" e retire que o Ibama deixou um empreendedor emitir o seu próprio Termo. Isso aliás é contra lei. Claramente vc está equivocada.
"São referentes a obtenção de outorga da água, Avaliação do Potencial Malarígeno (APM), Prospecção de material arqueológico, paleontológico ou de interesse histórico, a espeleologia e ainda os estudos etnoecológicos de comunidades indígenas, quilombolas e de assentamentos humanos, conforme a pertinência."
ResponderExcluirObtenção de outorga de água não é com o Ibama, é com a ANA (Agência Nacional de Águas).
Prospecção de material arqueológico é capacidade do IPHAN, não do Ibama.
Avaliação do Potencial Malarígeno é capacidade da SVS/MS.
Material paleontológico: é com o DNPM.
estudos etnoecológicos de comunidades indígenas: com a FUNAI.
quilombolas: com a Fundação Palmares.
assentamentos humanos: com o INCRA.
Nada disso é da alçada do Ibama. E pode ter certeza que todos esses órgãos serão, se é que já não foram, pedidos para fazerem contribuições.
O TR do seu texto não é o final e sim o que o empreendedor apresentou. É por isso que está incompleto. Mas o Ibama sempre é o vilão da situação, não é mesmo?
MEIOS E FINS?
ResponderExcluirÉ um grande equívoco imaginar que grandes volumes de água representam energia, a menos que possam ser transformados em estoques de energia potencial em imensos reservatórios. Tecnicamente, é impossível domar os rios amazônicos.
As recém licitadas usinas da Amazônia só se tornaram viáveis justamente por não terem os custos elevados de capital da represa e reservatório, os maiores dispêndios de qualquer empreendimento hidroelétrico. Assim mesmo, isso ocorreu graças ao trabalho dos ambientalistas e da resistência índios e povos da floresta.
Os 1ºs projetos previam reservatórios muito maiores.
Mas, se a energia não pode ser armazenada na forma líquida (reservatórios de água), esta mesma energia imprevisível das enchentes pode ser armazenada na forma de estoques físicos de produtos acabados que a corrente elétrica é capaz de produzir.
Neste caso, quem vai bancar o custo de fábricas paralisadas no período de estiagem?
A produção de energia não é um fim em si mesmo: antes é preciso que haja mercado para os fins produzidos antecipadamente. Produtores independentes têm condições de complementar hidroelétricas através de termoelétricas a gás produzido localmente no período de estiagem. È o que vai acabar acontecendo se os corredores exclusivos não forem construídos a tempo.