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Obra de Belo Monte Foto: Greenpeace |
26
de abril de 2012
Mauro Villone: Qual é a
situação real atual do projeto da barragem? A que ponto estão os trabalhos?
Telma Monteiro: Belo Monte já é uma grande cicatriz sangrando na
Amazônia. As obras já vão avançadas invadindo o leito do rio Xingu e imagens
mostram árvores inteiras e fragmentos de vegetação sendo arrastados pela
correnteza, o rio turvo tingido pela terra removida das margens. Neste momento estão sendo construidas as
ensecadeiras que permitirão secar uma parte dor rio para fazer a barragem. Também estão sendo feitas as escavações na
rocha para abrir 20 quilômetros de canais que vão desviar grande parte das
águas do Xingu para um reservatório artificial.
Ás águas desse reservatório artificial, contidas por dezenas de diques
no meio da floresta, vão fazer funcionar as turbinas da casa de força principal. Este momento das obras é devastador para o
rio que sofre com as interferências no seu fluxo. É agora que as grandes
máquinas escavadeiras revolvem a terra para construir uma espécie de passagem
dentro do rio Xingu; é quando as árvores são derrubadas para dar lugar à
destruição com sérias consequências para a fauna e a flora. Outra grande interferência diz respeito ao que
chamam de "bota fora" ou seja, todo o material que é escavado, terra
e pedras, têm que ser depositados em algum lugar na região; o trânsito de
caminhões e a poluição aumentam os riscos para aqueles que moram nas
comunidades próximas. Neste momento a face da Volta Grande do Xingu está sendo
alterada para sempre.
Mauro Villone: A implementação
do projeto, que danos realmente irao causar à população e ao meio ambiente?
Telma Monteiro:
as autoridades do governo brasileiro dizem que
construir grandes hidrelétricas na Amazônia pode gerar uma energia limpa e
barata. A energia que será gerada em Belo Monte não pode ser considerada limpa
porque põe em risco a vida dos povos indígenas e das populações tradicionais, ameaça
a biodiversidade e os ecossistemas. Essa energia não pode ser considerada renovável
porque viola o direito à vida dos povos indígenas, das populações tradicionais e
põe em risco a biodiversidade. O trecho
de 100 quilômetros chamado Volta Grande do Xingu sofrerá com a escassez da água
em conseqüência de uma das barragens e isso vai levar à extinção de espécies de
peixes, impedir a navegação dos ribeirinhos e indígenas, destruir a mata ciliar
e criar pequenos lagos de águas estagnadas onde mosquitos e larvas de doenças
como dengue e malária se multiplicarão facilmente. Os impactos começam antes
das obras, com o aumento de população em busca de oportunidades, como está
acontecendo com a cidade de Altamira que já perdeu a capacidade de suporte: não
tem saneamento básico, água potável, faltam leitos nos hospitais, as escolas
são insuficientes, os aluguéis estão altos, não há vagas nos hotéis, operários
do Brasil inteiro acampam nas ruas. Depois vêm os impactos decorrentes do
desmatamento, da construção dos canteiros de obras, dos alojamentos dos
trabalhadores e das barragens, das escavações, da presença de operários,
depredação da caça e da pesca, da violência, das doenças e da prostituição
infantil. A terceira fase é a que virá depois das obras civis com o enchimento
dos reservatórios, que vai liberar o gás metano que contribui com o aquecimento
global e, finalmente, depois de autorizada a operação da usina, os impactos continuarão por toda a sua vida útil e mais além,
após sua desativação.
Mauro Villone: Com a construção
da barragem sao violados acordos de protecção do Xingu?
Telma Monteiro:
Faltou transparência das autoridades brasileiras que
tomaram a decisão de construir Belo Monte e faltou o consentimento livre,
prévio e informado dos povos indígenas e a justa indenização das populações
ribeirinhas que serão afetadas. As audiências públicas não foram suficientes
para cumprir o papel de mostrar a verdadeira face do projeto e só serviram para
que as autoridades do governo brasileiro, Ibama e as empresas responsáveis
pelos estudos ambientais tivessem a oportunidade de “enfiar Belo Monte goela
abaixo da sociedade”. A Constituição Federal do Brasil exige a consulta aos
povos indígenas. Todas as Unidades de Conservação da região que sofrerá os
impactos diretos e indiretos de Belo Monte serão afetadas em algum momento,
pois as mudanças climáticas já estão alterando o regime de vazões dos rios da
Amazônia. O Parque do Xingu está em risco assim como muitas espécies de peixes.
Tantas verdades foram omitidas no processo de licenciamento de Belo Monte, que
seria preciso vários volumes de um livro para contar como as autoridades
brasileiras estão conseguindo criar um caos na natureza que jamais será mitigado ou compensado.
Mauro Villone: Qual é a
situação atual das comunidades indias?
Telma Monteiro:
Muito já se tem mostrado e escrito sobre os impactos não estudados sobre os
povos indígenas do Xingu. O governo brasileiro e os técnicos que viabilizaram
Belo Monte disseram que as terras indígenas não serão alagadas e por isso não
terão impactos. Isso é uma mentira, pois os impactos serão sentidos também nas
terras indígenas que estão vulneráveis às obras e suas influências. Seja pelo
aumento da população migratória, seja pela especulação imobiliária, seja pela
alteração do fluxo natural do rio Xingu, seja pela diminuição de espécies de
peixes, da fauna, seja pelo desequilíbrio do ecossistema da região. O próprio
rio Amazonas será afetado, pois o Xingu é um dos seus principais afluentes e a
sua foz que fica depois do trecho da Volta Grande sofrerá grandes alterações
que não foram estudadas e nem diagnosticadas nos estudos ambientais.
Mauro Villone: E a posição de
elis em relação ao problema?
Telma Monteiro:
Os indígenas estão tentando entender o que está acontecendo e aquilo que os
ameaça. O Ministério Público Federal brasileiro, no cumprimento do seu papel
institucional, procura proteger as minonorias. No entanto o sistema judiciário
brasileiro está engessado por uma postura que favorece o governo brasileiro e
as grandes empresas, sob o argumento de que o Brasil precisa crescer mesmo que
seja ao custo da destruição da Amazônia e a ameça à cultura dos povos
indígenas. As etnias do Xingu querem e exigem que seus direitos sejam
respeitados, estão em busca das informações e conhecimento dos impactos sobre
suas vidas e que não lhes foi dado pelas autoridades. Os estudos ambientais foram aprovados pelo Ibama, órgão
federal responsável pelo licenciamento de Belo Monte, sob grande pressão
política do governo e das empresas interessada. A viabilidade ambiental de Belo Monte não
existe e foi duramente questionada pela sociedade no processo de licenciamento,
principalmente no que diz respeito aos impactos em terras indígenas. A Licença
Prévia, que é a primeira e que habilita o empreendimento para o leilão de venda
de energia, contrariou o parecer dos técnicos e foi concedida por pressões
políticas do governo brasileiro. Foram apontadas 40 irregularidades no projeto
de Belo Monte e essas irregularidades se transformaram em condicionantes que
deveriam ter sido cumpridas antes que as obras tivessem início.
Mauro Villone: Os benefícios em
termos de energia, o que naturalmente não há lugar em nossa visão justificar a
intervenção, ainda estariam significativos?
Telma Monteiro:
O governo adquiriu a energia de Belo Monte para os
próximos 30 anos. Vai conceder um desconto de 75% no imposto de renda para as
empresas do consórcio construtor durante dez anos, além de taxas e impostos durante
as obras. O BNDES, banco do governo, vai financiar a construção de Belo Monte
com juros mais baixos que os de mercado; com o desconto do IR, a isenção dos
impostos e o financiamento de 80% de Belo Monte por um banco público, a
energia, na verdade é muito mais cara. Belo Monte vai custar tão caro e tem
tantas incertezas sobre qual quantidade de energia que vai gerar, que torna inviável sua construção e futura
operação. O próprio Tribunal de Contas da União do Brasil já havia questionado os
valores apresentados pelas autoridades do governo e os custos ambientais e
sociais para construir Belo Monte. É impossível contabilizar os custos de todos os
impactos que destruirão aquela região do Xingu e contabilizar também os custos
das medidas necessárias para corrigir os impactos que devem afetar a
sobrevivência dos povos indígenas e das populações tradicionais, como a perda do turismo, da atividade
pesqueira, da cultura, dos laços sociais e familiares. Não estão sendo
contabilizados também os problemas como contaminação dos poços de água, da
perda da biodiversidade, de enchentes graves ou de secas piores que podem
alterar para sempre os rios da região e levar à extinção da flora e da fauna.
Mauro Villone: Quanto à
corrupção generalizada no governo brasileiro va a influenciar a situação?
Telma Monteiro: O papel do Estado brasileiro é resolver as
deficiências regionais de saúde, educação, esgoto, água, estradas , pois
para isso o povo brasileiro paga impostos altíssimos. No caso de Belo Monte e
de outras grandes hidrelétricas na Amazônia o que tem acontecido é que o Estado
está passando essa responsabilidade para as empresas com o objetivo de obater a
aprovação da sociedade. Quando as empresas se prestam a resolver essas
deficiências, na verdade estão colocando adicionando nos custos do
empreendimento e o cidadão brasileiro
acaba pagando duas vezes: uma quando paga seus impostos embutidos nos preços
dos alimentos, eletrodomésticos ou do desconto do Imposto de Renda na fonte e
outra quando o governo está ofertando uma energia mais cara para que as os
interesses das empreiteiras que custeiam campanhas eleitorais milionárias façam
papel dos administradores públicos e construam escolas, postos de saúde,
hospitais. Mas no final essas são
promessas que não são cumpridas e os cidadãos da região pagaram duas vezes por
aquilo que não receberam. As autoridades do setor elétrico brasileiro têm
interesse em facilitar a construção de hidrelétricas, pois são grandes obras
feitas por empresas privadas associadas a empresas estatais, financiadas com
dinheiro público e que não sofrem controle e fiscalização. Não há
transparência. O povo brasileiro não está ameaçado por falta de energia, não
vai haver apagão. O governo brasileiro usa essa história do apagão como
desculpa para construir grandes hidrelétricas que só serão importantes para
grandes empresas que exploram os recursos naturais para exportar produtos que
precisam ser fabricados com o uso de muita energia. As obras de grandes
barragens são importantes para as grandes construtoras e fabricantes de cimento
que acabam financiando campanhas eleitorais. O crescimento da economia não depende da construção de
hidrelétricas e a sociedade precisa participar da escolha do modelo de
desenvolvimento aproveitando este momento da Rio+20: usando energia genuinamente limpa como eólica,
fotovoltaica. Não é preciso construir usinas termelétricas a carvão e a óleo
diesel se forem feitos investimentos em manutenção das linhas de transmissão,
que amargam 17% de perdas, recuperação das antigas usinas hidrelétricas que já
perderam sua capacidade de geração e investimentos em programas de eficiência
energética e combate ao desperdício.
Mauro Villone: Porque o governo
brasileiro, em sua opinião, não tem sensibilidade suficiente para estar ciente
destes problemas?
Telma Monteiro:
O governo brasileiro tem e sempre teve conhecimento do problemas que
aconteceram e que estão acontecendo em Belo Monte. Os operários nos canteiros
de obras entraram em greve neste final de semana porque os salários são ruins, porque
têm dificuldades nos alojamentos, no transporte até as obras que são distantes
e de difícil acesso. Os trabalhadores reivindicam melhores condições de
trabalho.
Mauro Villone: Rio + 20 servirá
para alguma coisa ou seran apenas palavras?
Telma Monteiro: Se o Brasil pretende se confirmar como liderança em
energias limpas na Rio+20, deveria começar por levar e discutir com seus
parceiros estratégicos propostas consistentes sobre conservação e eficiência
energética, descentralização da geração e uma matriz de transportes coerente
com essa postura. Postar-se como o
grande detentor da matriz mais verde do mundo é uma falácia. Um momento tão
propício como esse é tudo que o mundo anseia para rever o modelo de crescimento
que está levando o planeta para o ponto de onde não será possível retornar. Belo Monte é o mais exemplo de como as
autoridade o governo do Brasil mentem para o resto do mundo. Criou uma imagem
que não condiz com a realidade.
Mauro Villone: Além do dano
local no prejuízo humano e ecológico, a barragem é um dano também para a
cultura mundial? Se assim for, por quê?
Telma Monteiro: O Brasil com a construção de Belo Monte é o
retrato da falta de cultura. Falta de cultura no sentido de buscar um modelo de
desenvolvimento baseado em energias alternativas que mantenham os recursos
naturais da Amazônia e que sirva de exemplo para o resto do mundo. Belo Monte
não passa de um pote no final do arco-iris, pois não existe, é irreal no
propósito de suprir o Brasil de energia limpa. O Brasil hoje é um factóide e
por ser um país líder na América do Sul, não está desempenhando o verdadeiro
papel importante que lhe cabe: o de referência internacional em
sustentabilidade.
Mauro Villone: O que fazer para
difundir o conhecimento sobre esta situação de exploração global (que não é
apenas sobre Belo Monte, mas situações diferentes do planeta)?
Telma Monteiro:
Isso que estamos fazendo aqui, divulgando a verdade, contrapondo as mentiras
difundidas pelo governo brasileiro. Temos que insistir na transparência dos
governos e na fusão de organizações internacionais voltadas para salvar o
planeta Terra. Essa situação vivida em Belo Monte, na Amazônia, é um câncer que
se alastrará se não mostramos a verdade.
Temos que desmistificar essa imagem de "bom moço" que o Brasil
tenta passar, pois subjugar seus povos e destruir os ecossistemas não merece
aprovação do resto do mundo.
Mauro Villone: A FUNAI o que
esta fazendo?
Telma Monteiro: A Funai é um órgão do Estado brasileiro e
segue o caminho que lhe é determinado pelas altas patentes do governo. A Funai
não tem estrutura para arcar com todos os problemas que vêm acontecendo com as
demarcações de terras dos povos indígenas, não consegue acompanhar e fiscalizar
a presença devastadora de projetos que devem destruir a vida dos índios. A
Funai é refém dos interesses do governo e sua ação está limitada à burocracia
governamental.
Mauro Villone: Qual a real è a
posição da Dilma e do Governo?
Telma Monteiro:
Dilma é retrógrada e está conduzindo o país para um apagão de inteligência. Rever as políticas energéticas adotadas nos últimos 20
anos, também seria um exercício digno de nação líder que pretende galgar o
quinto lugar entre as maiores economias do mundo. Dados comparativos mostram que a energia
hidrelétrica já ocupa uma posição
secundária (inclui os países ricos já tenham esgotado seus potenciais de
hidroeletricidade), mas o Brasil continua impondo um modelo como o de Belo
Monte que desconsidera, por exemplo, as mudanças climáticas que já alteram o
regime de águas nos rios da Amazônia.
Apresentar uma análise mais abrangente das alternativas genuinamente
limpas que complementariam as usinas hidrelétricas existentes seria um bom exemplo
de como começar a discussão na Rio+20.
Mauro Villone:
Se houver outras declarações que ele
queria fazer você poderia por favor escrever livremente.
Telma Monteiro:
Querido Mauro, acho que já disse tudo!
Mauro Villone:
Obrigado