domingo, 29 de abril de 2012

"Balbina no País da Impunidade" - vídeo de luta contra barragens. Para Telma Monteiro e Elaíze Farias

"Balbina no País da Impunidade"


Publicado em 23/04/2012 por RogelioCasado

Em toda a Amazônia estão previstas a criação de 150 hidrelétricas, das quais 60 delas na Amazônia brasileira. A hidrelétrica de Balbina, concebida e construída na ditadura militar (1964-1985) no rio Uatumã (Amazonas), passou a funcionar a partir de 1989. Um bilhão de dólares do dinheiro do contribuinte foi usado para destruir 240 mil hectares de floresta, afogar animais silvestres, alagar terras indígenas e provocar fome e doença entre os ribeirinhos da região. Em troca dessa catástrofe, apenas insignificantes 80 megawatts firmes para Manaus. Passados todos estes anos, o modelo energético brasileiro não sofreu nenhuma revisão em todos os governos após a redemocratização do Brasil. O físico José Goldemberg, em depoimento, recomendou que Balbina fosse desativada e mantida como um monumento à insanidade humana. O missionário Egydio Schwade denunciou o desaparecimento de várias aldeias indígenas com a construção da barragem. Só a cegueira ideológica não enxerga os impactos socioambientais irreversiveis provocados pelo desenvolvimentismo nacional, em sua nova etapa. Tampouco se aprende com a experiência do passado. Em 1989, o autor desse vídeo, durante um comício em Manaus, entregou uma cópia para o operário que assumiria em 2003 a presidência da república, numa das maiores mobilizações de esperança do povo brasileiro. Mais tarde, o presidente da república faria uma surpreendente declaração ao qualificar os quilombos e os indígenas como um entrave para o desenvolvimento da Amazônia. A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha manifestou sua perplexidade nas páginas da Revista de História da Biblioteca Nacional. Não apenas os compromissos assumidos com a causa indígena estavam sendo rasgados. Esvaia-se, também, a esperança dos povos da floresta. Silenciar sobre a desastrada política energética brasileira é um crime de lesa-humanidade. A presente edição é dedicada à memória do bispo D. Jorge Marskell, de quando a Igreja Católica estava comprometida com a Teologia da Libertação. Salve Jorge!

PICICAFinalmente resgatei um vídeo que realizei em 1989, há muito prometido para os meus leitores nesse momento grave da história da Amazônia. Meus agradecimentos aos professores Paulo Monte e Ednéia Mascarenhas (ex-dirigente do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas), da Universidade Federal do Amazonas. Ambos, em tempos diferentes, fizeram a conversão de VHS para DVD. Em debate promovido pela IV Mostra de Vídeo Etnográfico (Ufam), sob a coordenação da professora Selda Vale, criei a categoria "vídeo de urgência" para o registro inadiável das acões de governo sustentadas por forte aparato publicitário, de modo a estabelecer o contraditório... doa a quem doer. Dediquei o vídeo a tanta gente inesquecível para este cineasta amador, que vou fazê-lo mais uma vez. Desta vez para a querida companheira Elisa Wandelli e o movimento socioambiental "SOS Encontro das Águas", que nasceu da luta contra um terminal portuário por uma subsidiária da Vale durante um encontro de várias entidades numa reunião ocorrida na Pro-Reitoria de Extensão da Universidade do Estado do Amazonas, quando respondia pelo cargo. A luta continua. (Rogelio Casado)
Postado por PICICA às Terça-feira, Abril 24, 2012 

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Belo Monte e Rio+20


Obra de Belo Monte
Foto: Greenpeace
Versão em português da entrevista sobre Belo Monte e a Rio+20 concedida ao jornalista Mauro Villone, do jornal La Stampa, Itália. 

26 de abril de 2012


Mauro Villone: Qual é a situação real atual do projeto da barragem? A que ponto estão os trabalhos?

Telma Monteiro: Belo Monte já é uma grande cicatriz sangrando na Amazônia. As obras já vão avançadas invadindo o leito do rio Xingu e imagens mostram árvores inteiras e fragmentos de vegetação sendo arrastados pela correnteza, o rio turvo tingido pela terra removida das margens.  Neste momento estão sendo construidas as ensecadeiras que permitirão secar uma parte dor rio para fazer a barragem.  Também estão sendo feitas as escavações na rocha para abrir 20 quilômetros de canais que vão desviar grande parte das águas do Xingu para um reservatório artificial.  Ás águas desse reservatório artificial, contidas por dezenas de diques no meio da floresta, vão fazer funcionar as turbinas da casa de força principal.  Este momento das obras é devastador para o rio que sofre com as interferências no seu fluxo. É agora que as grandes máquinas escavadeiras revolvem a terra para construir uma espécie de passagem dentro do rio Xingu; é quando as árvores são derrubadas para dar lugar à destruição com sérias consequências para a fauna e a flora.  Outra grande interferência diz respeito ao que chamam de "bota fora" ou seja, todo o material que é escavado, terra e pedras, têm que ser depositados em algum lugar na região; o trânsito de caminhões e a poluição aumentam os riscos para aqueles que moram nas comunidades próximas. Neste momento a face da Volta Grande do Xingu está sendo alterada para sempre.

Mauro Villone: A implementação do projeto, que danos realmente irao causar à população e ao meio ambiente?

Telma Monteiro: as autoridades do governo brasileiro dizem que construir grandes hidrelétricas na Amazônia pode gerar uma energia limpa e barata. A energia que será gerada em Belo Monte não pode ser considerada limpa porque põe em risco a vida dos povos indígenas e das populações tradicionais, ameaça a biodiversidade e os ecossistemas. Essa energia não pode ser considerada renovável porque viola o direito à vida dos povos indígenas, das populações tradicionais e põe em risco  a biodiversidade. O trecho de 100 quilômetros chamado Volta Grande do Xingu sofrerá com a escassez da água em conseqüência de uma das barragens e isso vai levar à extinção de espécies de peixes, impedir a navegação dos ribeirinhos e indígenas, destruir a mata ciliar e criar pequenos lagos de águas estagnadas onde mosquitos e larvas de doenças como dengue e malária se multiplicarão facilmente. Os impactos começam antes das obras, com o aumento de população em busca de oportunidades, como está acontecendo com a cidade de Altamira que já perdeu a capacidade de suporte: não tem saneamento básico, água potável, faltam leitos nos hospitais, as escolas são insuficientes, os aluguéis estão altos, não há vagas nos hotéis, operários do Brasil inteiro acampam nas ruas. Depois vêm os impactos decorrentes do desmatamento, da construção dos canteiros de obras, dos alojamentos dos trabalhadores e das barragens, das escavações, da presença de operários, depredação da caça e da pesca, da violência, das doenças e da prostituição infantil. A terceira fase é a que virá depois das obras civis com o enchimento dos reservatórios, que vai liberar o gás metano que contribui com o aquecimento global e, finalmente, depois de autorizada a operação da usina, os impactos  continuarão por toda a sua vida útil e mais além, após sua desativação.

Mauro Villone: Com a construção da barragem sao violados acordos de protecção do Xingu?

Telma Monteiro: Faltou transparência das autoridades brasileiras que tomaram a decisão de construir Belo Monte e faltou o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas e a justa indenização das populações ribeirinhas que serão afetadas. As audiências públicas não foram suficientes para cumprir o papel de mostrar a verdadeira face do projeto e só serviram para que as autoridades do governo brasileiro, Ibama e as empresas responsáveis pelos estudos ambientais tivessem a oportunidade de “enfiar Belo Monte goela abaixo da sociedade”. A Constituição Federal do Brasil exige a consulta aos povos indígenas. Todas as Unidades de Conservação da região que sofrerá os impactos diretos e indiretos de Belo Monte serão afetadas em algum momento, pois as mudanças climáticas já estão alterando o regime de vazões dos rios da Amazônia. O Parque do Xingu está em risco assim como muitas espécies de peixes. Tantas verdades foram omitidas no processo de licenciamento de Belo Monte, que seria preciso vários volumes de um livro para contar como as autoridades brasileiras estão conseguindo criar um caos na natureza que jamais será  mitigado ou compensado.  

Mauro Villone: Qual é a situação atual das comunidades indias?

Telma Monteiro: Muito já se tem mostrado e escrito sobre os impactos não estudados sobre os povos indígenas do Xingu. O governo brasileiro e os técnicos que viabilizaram Belo Monte disseram que as terras indígenas não serão alagadas e por isso não terão impactos. Isso é uma mentira, pois os impactos serão sentidos também nas terras indígenas que estão vulneráveis às obras e suas influências. Seja pelo aumento da população migratória, seja pela especulação imobiliária, seja pela alteração do fluxo natural do rio Xingu, seja pela diminuição de espécies de peixes, da fauna, seja pelo desequilíbrio do ecossistema da região. O próprio rio Amazonas será afetado, pois o Xingu é um dos seus principais afluentes e a sua foz que fica depois do trecho da Volta Grande sofrerá grandes alterações que não foram estudadas e nem diagnosticadas nos estudos ambientais.

Mauro Villone: E a posição de elis em relação ao problema?

Telma Monteiro: Os indígenas estão tentando entender o que está acontecendo e aquilo que os ameaça. O Ministério Público Federal brasileiro, no cumprimento do seu papel institucional, procura proteger as minonorias. No entanto o sistema judiciário brasileiro está engessado por uma postura que favorece o governo brasileiro e as grandes empresas, sob o argumento de que o Brasil precisa crescer mesmo que seja ao custo da destruição da Amazônia e a ameça à cultura dos povos indígenas. As etnias do Xingu querem e exigem que seus direitos sejam respeitados, estão em busca das informações e conhecimento dos impactos sobre suas vidas e que não lhes foi dado pelas autoridades. Os estudos ambientais foram aprovados pelo Ibama, órgão federal responsável pelo licenciamento de Belo Monte, sob grande pressão política do governo e das empresas interessada.  A viabilidade ambiental de Belo Monte não existe e foi duramente questionada pela sociedade no processo de licenciamento, principalmente no que diz respeito aos impactos em terras indígenas. A Licença Prévia, que é a primeira e que habilita o empreendimento para o leilão de venda de energia, contrariou o parecer dos técnicos e foi concedida por pressões políticas do governo brasileiro. Foram apontadas 40 irregularidades no projeto de Belo Monte e essas irregularidades se transformaram em condicionantes que deveriam ter sido cumpridas antes que as obras tivessem início.  

Mauro Villone: Os benefícios em termos de energia, o que naturalmente não há lugar em nossa visão justificar a intervenção, ainda estariam significativos?

Telma Monteiro: O governo adquiriu a energia de Belo Monte para os próximos  30 anos. Vai conceder um  desconto de 75% no imposto de renda para as empresas do consórcio construtor durante dez anos, além de taxas e impostos durante as obras. O BNDES, banco do governo, vai financiar a construção de Belo Monte com juros mais baixos que os de mercado; com o desconto do IR, a isenção dos impostos e o financiamento de 80% de Belo Monte por um banco público, a energia, na verdade é muito mais cara. Belo Monte vai custar tão caro e tem tantas incertezas sobre qual quantidade de energia que vai gerar,  que torna inviável sua construção e futura operação. O próprio Tribunal de Contas da União do Brasil já havia questionado os valores apresentados pelas autoridades do governo e os custos ambientais e sociais para construir Belo Monte. É  impossível contabilizar os custos de todos os impactos que destruirão aquela região do Xingu e contabilizar também os custos das medidas necessárias para corrigir os impactos que devem afetar a sobrevivência dos povos indígenas e das populações tradicionais,  como a perda do turismo, da atividade pesqueira, da cultura, dos laços sociais e familiares. Não estão sendo contabilizados também os problemas como contaminação dos poços de água, da perda da biodiversidade, de enchentes graves ou de secas piores que podem alterar para sempre os rios da região e levar à extinção da flora e da fauna.

Mauro Villone: Quanto à corrupção generalizada no governo brasileiro va a influenciar a situação?

Telma Monteiro: O papel do Estado brasileiro é resolver as deficiências regionais  de  saúde, educação, esgoto, água, estradas , pois para isso o povo brasileiro paga impostos altíssimos. No caso de Belo Monte e de outras grandes hidrelétricas na Amazônia o que tem acontecido é que o Estado está passando essa responsabilidade para as empresas com o objetivo de obater a aprovação da sociedade. Quando as empresas se prestam a resolver essas deficiências, na verdade estão colocando adicionando nos custos do empreendimento  e o cidadão brasileiro acaba pagando duas vezes: uma quando paga seus impostos embutidos nos preços dos alimentos, eletrodomésticos ou do desconto do Imposto de Renda na fonte e outra quando o governo está ofertando uma energia mais cara para que as os interesses das empreiteiras que custeiam campanhas eleitorais milionárias façam papel dos administradores públicos e construam escolas, postos de saúde, hospitais. Mas no final  essas são promessas que não são cumpridas e os cidadãos da região pagaram duas vezes por aquilo que não receberam. As autoridades do setor elétrico brasileiro têm interesse em facilitar a construção de hidrelétricas, pois são grandes obras feitas por empresas privadas associadas a empresas estatais, financiadas com dinheiro público e que não sofrem controle e fiscalização. Não há transparência. O povo brasileiro não está ameaçado por falta de energia, não vai haver apagão. O governo brasileiro usa essa história do apagão como desculpa para construir grandes hidrelétricas que só serão importantes para grandes empresas que exploram os recursos naturais para exportar produtos que precisam ser fabricados com o uso de muita energia. As obras de grandes barragens são importantes para as grandes construtoras e fabricantes de cimento que acabam financiando campanhas eleitorais. O crescimento da economia não depende da construção de hidrelétricas e a sociedade precisa participar da escolha do modelo de desenvolvimento aproveitando este momento da Rio+20:  usando energia genuinamente limpa como eólica, fotovoltaica. Não é preciso construir usinas termelétricas a carvão e a óleo diesel se forem feitos investimentos em manutenção das linhas de transmissão, que amargam 17% de perdas, recuperação das antigas usinas hidrelétricas que já perderam sua capacidade de geração e investimentos em programas de eficiência energética e combate ao desperdício.

Mauro Villone: Porque o governo brasileiro, em sua opinião, não tem sensibilidade suficiente para estar ciente destes problemas?

Telma Monteiro: O governo brasileiro tem e sempre teve conhecimento do problemas que aconteceram e que estão acontecendo em Belo Monte. Os operários nos canteiros de obras entraram em greve neste final de semana porque os salários são ruins, porque têm dificuldades nos alojamentos, no transporte até as obras que são distantes e de difícil acesso. Os trabalhadores reivindicam melhores condições de trabalho.

Mauro Villone: Rio + 20 servirá para alguma coisa ou seran apenas palavras?

Telma Monteiro: Se o Brasil pretende se confirmar como liderança em energias limpas na Rio+20, deveria começar por levar e discutir com seus parceiros estratégicos propostas consistentes sobre conservação e eficiência energética, descentralização da geração e uma matriz de transportes coerente com essa postura.  Postar-se como o grande detentor da matriz mais verde do mundo é uma falácia. Um momento tão propício como esse é tudo que o mundo anseia para rever o modelo de crescimento que está levando o planeta para o ponto de onde não será possível retornar.  Belo Monte é o mais exemplo de como as autoridade o governo do Brasil mentem para o resto do mundo. Criou uma imagem que não condiz com a realidade.

Mauro Villone: Além do dano local no prejuízo humano e ecológico, a barragem é um dano também para a cultura mundial? Se assim for, por quê?

Telma Monteiro:  O Brasil com a construção de Belo Monte é o retrato da falta de cultura. Falta de cultura no sentido de buscar um modelo de desenvolvimento baseado em energias alternativas que mantenham os recursos naturais da Amazônia e que sirva de exemplo para o resto do mundo. Belo Monte não passa de um pote no final do arco-iris, pois não existe, é irreal no propósito de suprir o Brasil de energia limpa. O Brasil hoje é um factóide e por ser um país líder na América do Sul, não está desempenhando o verdadeiro papel importante que lhe cabe: o de referência internacional em sustentabilidade.

Mauro Villone: O que fazer para difundir o conhecimento sobre esta situação de exploração global (que não é apenas sobre Belo Monte, mas situações diferentes do planeta)?

Telma Monteiro: Isso que estamos fazendo aqui, divulgando a verdade, contrapondo as mentiras difundidas pelo governo brasileiro. Temos que insistir na transparência dos governos e na fusão de organizações internacionais voltadas para salvar o planeta Terra. Essa situação vivida em Belo Monte, na Amazônia, é um câncer que se alastrará se não mostramos a verdade.  Temos que desmistificar essa imagem de "bom moço" que o Brasil tenta passar, pois subjugar seus povos e destruir os ecossistemas não merece aprovação do resto do mundo.

Mauro Villone: A FUNAI o que esta fazendo?

Telma Monteiro:  A Funai é um órgão do Estado brasileiro e segue o caminho que lhe é determinado pelas altas patentes do governo. A Funai não tem estrutura para arcar com todos os problemas que vêm acontecendo com as demarcações de terras dos povos indígenas, não consegue acompanhar e fiscalizar a presença devastadora de projetos que devem destruir a vida dos índios. A Funai é refém dos interesses do governo e sua ação está limitada à burocracia governamental. 

Mauro Villone: Qual a real è a posição da Dilma e do Governo?

Telma Monteiro: Dilma é retrógrada e está conduzindo o país para um apagão de inteligência. Rever as políticas energéticas adotadas nos últimos 20 anos, também seria um exercício digno de nação líder que pretende galgar o quinto lugar entre as maiores economias do mundo.  Dados comparativos mostram que a energia hidrelétrica  já ocupa uma posição secundária (inclui os países ricos já tenham esgotado seus potenciais de hidroeletricidade), mas o Brasil continua impondo um modelo como o de Belo Monte que desconsidera, por exemplo, as mudanças climáticas que já alteram o regime de águas nos rios da Amazônia.  Apresentar uma análise mais abrangente das alternativas genuinamente limpas que complementariam as usinas hidrelétricas existentes seria um bom exemplo de como começar a discussão na Rio+20.

Mauro Villone: Se houver outras declarações que ele queria fazer você poderia por favor escrever livremente.

Telma Monteiro: Querido Mauro, acho que já disse tudo!

Mauro Villone: Obrigado 

Código Florestal


quinta-feira, 26 de abril de 2012

Belo Monte: a barreira jurídica



Entrevista especial com Felício Pontes Júnior

“Onde não estamos vencendo é na área jurídica. Muitas decisões foram tomadas, por diferentes juízes ao longo de 10 anos, determinando a paralisação do licenciamento por ilegalidades, mas foram todas suspensas pelo Tribunal Regional Federal de Brasília, na maioria por decisão de seu presidente”, pontua o procurador da República no Pará. 

Confira a entrevista.

As obras da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte recém começaram e a situação do município de Altamira, no Pará, é de “completo caos”, pois a população cresceu e os serviços públicos entraram em “colapso”, avalia Felício Pontes Júnior em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. 

De acordo com o procurador, os movimentos contrários à construção de Belo Monte ganharam bastante visibilidade e conseguiram discutir o tema com a sociedade. No entanto, os dilemas concentram-se na área jurídica. Das 13 ações judiciais encaminhadas pelo Ministério Público Federal – MPF, por conta das irregularidades de Belo Monte, “apenas uma foi julgada noTribunal Regional Federal da 1ª Região e outras três julgadas na primeira instância. A maioria, portanto, não chegou a ser julgada ainda nem na primeira instância”, informa. A responsabilidade pela demora do julgamento, segundo Pontes Júnior, “é do próprio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que criou em 2011 uma vara especializada em feitos ambientais em Belém e ordenou que todos os processos de Belo Monte que tramitavam em Altamira fossem enviados para a capital”. Conforme explica, “a vara passou meses sem juiz titular e quando finalmente chegou um juiz para ficar, no segundo semestre do ano passado, ele discordou do Tribunal e devolveu para Altamira os processos, o que criou em muitos casos o chamado conflito negativo de competência, um incidente que atrasa ainda mais os processos”. 

quarta-feira, 25 de abril de 2012

O equívoco do "Financial Times"


Telma Monteiro

O  jornal britânico "Financial Times" divulgou em um suplemento especial de 23 de abril que o Brasil está entre os países com melhor sustentabilidade.  Para embasar tamanha estultice apresentou alguns argumentos que só reforçam o desconhecimento que tem o resto do mundo sobre o que acontece no Brasil, com relação a esse tema.

Para o FT o Brasil reduziu o desmatamento da Amazônia a uma fração do seu rítmo anterior, de 27 mil quilômetros quadrados em 2004 para 6,5 mil quilômetros quadrados em 2010. Isso só pode ser um indicativo de sustentabilidade, lá, no outro lado do mundo. Como é possível aceitar que 6,5 mil quilômetros quadrados de desmatamento na Amazônia seja considerado sustentável? No conceito de sustentabilidade que se conhece não tem espaço para desmatamento na Amazônia e em nenhum outro bioma!

Para ilustrar:
"O ritmo de desmatamento na Amazônia mais que quintuplicou no bimestre março-abril (alta de 473%), em comparação com o mesmo período de 2010." (Agência Estado, 19/05/2011)

"O desmatamento acumulado no período de agosto de 2010 a julho de 2011, correspondendo aos doze meses do calendário atual de desmatamento aumentou 9% em relação ao ano anterior (agosto de 2009 a julho de 2010), segundo o sistema de análise de imagens de satélites do Imazon, o SAD." (Ecopolítica, 24/08/2011)

" Somente em março deste ano [2012], o desmatamento atingiu 53 km², 15% a mais de em março de 2011, quando foram desmatados 46 km². Cerca de 60% do desmatamento ocorreu em Mato Grosso. O Pará está em segundo lugar, com 25% e Rondônia em terceiro, com 9%. 11);" ( Brasil.gov.br, 19/04/2012)

Outras pérolas do FT para corroborar o conceito de sustentabilidade brasileiro: que 80% da floresta amazônica estão intactos; que três quartos da energia consumida são gerados por hidrelétricas, e que cerca de 50% da matriz energética brasileira vêm de fontes renováveis; que 80% do combustível que move a frota brasileira vêm de outra fonte renovável, o etanol.

O FN está se referindo à nossa Amazônia? Porque, se estiver, deve haver algum tipo de informação distorcida, muito provavelmente fornecida pela publicidade enganosa veiculada pelas instituições e autoridades do governo brasileiro.  Com relação à "sustentabilidade" do modelo de geração de energia elétrica calcado em hidrelétricas, nem é preciso descrever com muitas palavras o que está acontecendo em Altamira, no Pará, com a construção de Belo Monte. Há muitas imagens divulgadas nos últimos dias que mostram a destruição que chamam de "obra".

Justiça seja feita, o texto do "Financial Times" faz menção ao prêmio que a Vale ganhou como a empresa mais insustentável do mundo e ao código florestal ou código "bestial" que querem fazer passar no Congresso.

O FT, no entanto, tem razão numa coisa: como o anfitrião da próxima conferência Rio+20, poucos grandes países estão em melhor posição que o Brasil para defender o desenvolvimento sustentável. Mas, para apontar aquilo que não se deve fazer em matéria de crescimento econômico insustentável e usar, como exemplos, os erros cometidos dentro de casa.  

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Rio+20 e a matriz energética brasileira – Parte I


Telma Monteiro

O ano de 2012 é o Ano Internacional da Energia Sustentável para Todos, segundo a ONU. E não poderia ser de outra forma já que a energia é o centro de tudo, desde suprir a economia até o combate à miséria, passando pelas mudanças climáticas e o equilíbrio da vida na Terra.

O governo diz que a matriz energética brasileira, que é o conjunto de fontes que geram energia, é a mais limpa do mundo comparativamente aos países ricos. E que ela é sustentável, pois considera que 45,3% vêm de fontes renováveis contra 7,2% dos mais ricos e 12,9% da média mundial. Será que é verdade?

Esses 45,3%, em teoria, de "fontes renováveis", incluem a geração das hidrelétricas e biomassa.  Hidrelétricas criam impactos ambientais, deslocamento compulsório de dezenas de milhares de pessoas e os reservatórios produzem o gás metano um dos mais potentes causadores do aquecimento global[1].  Essa chamada matriz energética mais "limpa e renovável" do mundo foi responsável também pelo aumento das importações de carvão mineral e gás natural no ano de 2009.  

Para o Balanço Elétrico Nacional (BEN), o Brasil tem 86% de fontes renováveis enquanto os países ricos juntos têm 17%. É uma constatação no mínimo duvidosa, pois esse rótulo de campeão em energia sustentável não combina em nada com os atuais fatos que povoam a mídia, sobre os conflitos nas hidrelétricas do PAC. Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, são palco de greves e violências, além de impactos não estudados da destruição das margens do rio. Porto Velho é o retrato do inchaço urbano desordenado, de caos instalado nos serviços públicos em decorrência das obras das usinas, e a Altamira de Belo Monte, no Pará, remonta à Idade Média.

Mas para onde vai uma boa parte de toda essa energia que o governo planeja gerar? Não parece ser para suprir os rincões miseráveis isolados, ou para diminuir a desigualdade, ou para fortalecer as comunidades e reforçar a sua autoconfiança.  Vai para os grandes consumidores de energia que têm prioridade e privilégio concedidos pelo governo que quer bancar um crescimento insustentável para ter competitividade na globalização.  Para tanto, optou-se pelo oportunismo da política de produção de energia estagnada no modelo hidrelétrico: insustentável, cara e suja.

Exemplos desse oportunismo não faltam. Os autoprodutores[2] são as grandes indústrias eletrointensivas que usam energia como seu principal insumo e que vendem o excedente no mercado livre. É legal que empresas autoprodutoras comercializem energia elétrica, como mercadoria, quando lhes convém, ou seja, quando o preço do MWh está na alta?  

Cerca de 80% dessa energia vêm de hidrelétricas que na fase de construção (os consórcios têm autoprodutores na sua composição) se beneficiam de financiamentos de bancos públicos com juros abaixo do mercado, isenção de PIS/COFINS durante as obras (Reidi), carência no recolhimento de IR, sobrepreços e aditivos em contratos de concessão. Pode não ser ilegal, mas é um "negócio" imoral.   

No dia 15 de abril, uma nota discreta do Valor informou que "as perspectivas de demanda [de energia elétrica], feitas no passado, não se concretizaram". Demanda criada artificialmente. O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDEE) está errando na previsão, pois continua incentivando, induzindo ou estimulando demanda e, ao mesmo tempo, disponibilizando oferta. Ora, como fazer florescer programas de eficiência energética, consumo consciente, energias alternativas quando na verdade a sociedade tem "tanta" energia disponível? O argumento do governo tem sido o do "apagão nunca mais" e "podemos consumir como nunca".

Seja qual for a constatação, a verdade é que a "indústria" de hidrelétricas continua a todo vapor sem considerar que só os programas de conservação e eficiência energética podem possibilitar uma economia no consumo de 10%, no mínimo.  


[1] O gás metano está presente em lagos naturais e pântanos da Amazônia, mas nos reservatórios hidrelétricos em que a água passa pelas turbinas e vertedouros liberando-o na atmosfera em quantidades muito maiores, é onde ele se mostra mais letal.
[2] Autoprodutor: Pessoa física ou jurídica ou empresas reunidas em consórcio que recebem concessão ou autorização para produzir energia  elétrica destinada ao seu uso exclusivo.

Belo Monte: Imagens da destruição





Há alguém, em sã consciência, que pode aprovar tamanha destruição?


Fotos: Daniel Beltra e Marizilda Cruppe (Greenpeace)










Fonte: Xingu Vivo

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Indígenas Munduruku: "Por isso não queremos mais ouvir sobre essas barragens na bacia do Rio Tapajós"


Os Munduruku no I Encontro dos 4 Rios
Foto: Telma Monteiro
"Aximãyu’gu oceju tibibe ocedop am. 
Nem wasuyu, taweyu’gu dak taypa jeje ocedop am." 
(Não somos peixes para morar no fundo do rio, nem pássaros,
nem macacos para morar nos galhos das árvores)

Telma Monteiro

E Karosakaybu fez, com seu poder de deus, surgir o paraíso no rio Tapajós. Adicionou um local especial com cachoeiras e corredeiras, palco sagrado para os cantos e danças das lindas mulheres Munduruku.

Na vasta Mundurucânia, no alto Tapajós, habita o deus criador do mundo,Karosakaybu, segundo os Munduruku.[1] 

Um deus tão poderoso que transformaria homens em animais e protegeria os Munduruku da escassez de caça e de pesca. A harmonia com a natureza seria assegurada com tão importante protetor.

Chegou o dia em que ousaram profanar esse território sagrado. E o véu místico formado por centenas de cânticos e rimas que ecoavam nas pedras e nas águas foi arrancado pela pressão dos engolidores da floresta e perdeu-se nos escaninhos da história.  Então, o silêncio desceu sobre o lugar sagrado e a inocência dissipou-se nas espumas.  Ritos e cerimônias já não são mais ouvidos e espalhados pelo rio poderoso e belo. 

Ainda hoje os Munduruku contam suas histórias no esforço de manter vivo um elo com suas crenças e valores ameaçados pela realidade do mundo moderno: as hidrelétricas planejadas para o rio Tapajós.

Os Munduruku no I Encontro dos 4 Rios
Foto: Telma Monteiro
Vão em busca da utopia para tentar adicionar um tanto de sonho às ambições dos jovens sem destino delineado. A insegurança é o inimigo contra o qual, hoje, os Munduruku têm que lutar. 

Carta de protesto da etnia Munduruku ao Presidente da República contra a construção de cinco mega hidrelétricas na bacia do Rio Tapajós  

Missão São Francisco do Rio Cururu 06 de novembro de 2009

Exmo.  Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva Exmo.  Senhor Ministro das Minas e Energia, Edson Lobão e demais Autoridades responsáveis pelo setor energético do Brasil.

Nós comunidade indígena, etnia Munduruku, localizada nas margens do Rio Cururu do Alto Tapajós, em reunião na Missão São Francisco, nos dias 5 e 6 de novembro, viemos por meio deste manifestar à vossa excelência nossa preocupação com o projetof ederal de construir cinco barragens no nosso Rio Tapajós e Rio Jamanxim.
Para quem vai servir?  Será que o governo quer acabar todas as populações da bacia do Rio Tapajós?  Se apenas a barragem de São Luis for construída vai inundar mais de 730 Km².

E daí?  Onde vamos morar?  No fundo do rio ou em cima da árvore?

Aximãyu’gu oceju tibibe ocedop am.  Nem wasuyu, taweyu’gu dak taypa jeje ocedop am. (não somos peixes para morar no fundo do rio, nem pássaros, nem macacos para morar nos galhos das árvores).  Nos deixem em paz.  Não façam essas coisas ruins.  Essas barragens vão trazer destruição e morte, desrespeito e crime ambiental, por isso não aceitamos a construção das barragens.  Se o governo não desistir do seu plano de barragens, já estamos unidos e preparados com mais de 1.000 (mil) guerreiros, incluindo as várias etnias e não índios.

Nós, etnia Munduruku queremos mostrar agora como acontecia com os nossos antepassados e os brancos (pariwat) quando em guerra, cortando a cabeça, como vocês vêem na capa deste documento.  Por isso não queremos mais ouvir sobre essas barragens na bacia do Rio Tapajós.  Por que motivo o governo não traz coisas que são importantes para a vida dos Munduruku, para suprir as necessidades que temos, como educação de qualidade, ensino médio regular, escola estadual, posto de saúde, etc.

Já moramos mais de 500 anos dentro da floresta amazônica, nunca pensamos destruir, porque nossa mata e nossa terra são nossa mãe.

Portanto não destruam o que guardamos com tanto carinho.

Das guerras, as cabeças do inimigo como troféu. Nas flautas e nos cantos ainda guardam a forma de encantar os animais nas florestas e encontram o último resquício da magia da sua história. Restam os Xamãs, únicos que podem invocar as Mães da Caça numa súplica contra os seres que querem ameaçar os animais.
 [1] Segundo relato etnográfico, Mello (2006)
Esse texto foi postado pela primeira vez em 29 de agosto de 2010 (NA)

Microgeração e os "2% que falam mais alto"


  •  Boa notícia, finalmente! (TM)

Imagem: infortoural.pt
 "A diretoria da Aneel aprovou, dia 17, regras para reduzir barreiras para instalação de geração distribuída de pequeno porte, que incluem a microgeração, com até 100KW de potência, e a minigeração, de 100KW a 1MW, a partir de fontes incentivadas de energia (hídrica, solar, biomassa, eólica e cogeração qualificada). A resolução permitirá que o cidadão continue a consumir a energia fornecida pela distribuidora, mas o medidor de sua casa também passa a contabilizar a potência gerada pelos seus painéis solares. A partir da publicação da resolução no DOU, as distribuidoras de energia terão 240 dias para adequar seus sistemas comerciais e elaborar ou revisar normas técnicas para receber a microgeração. Para microgeração, as concessionárias precisarão responder com um parecer de acesso em até 30 dias após o pedido de conexão feito pelo consumidor. Em caso microgeração, esse prazo será de 60 dias, no caso de haver necessidade de obras de reforço ou ampliação do sistema para receber a energia". (Jornal da Energia, Estado de S. Paulo, Valor Online – 17.04.2012) ife

 ·         Ainda bem que temos esses 2% que "falam mais alto" para evitar que a Amazônia seja transformada em um grande sistema lacustre, que os povos indígenas sejam ameaçados, que as populações tradicionais sejam removidas, que a biodiversidade seja destruída, que as mudanças climáticas se agravem... (TM)

Fonte da imagem: rltenergy.pt
"Os movimentos contra as usinas hidrelétricas podem fazer com que o Brasil deixe de aproveiar parte do seu potencial hidráulico. Segundo José da Costa Carvalho Neto, presidente da Eletrobras, dos 260 GW que o país tem de potencial hidrelétrico, entre 150 GW e 160 GW deverão ser utilizados. Ele disse que mesmo que a maior parte da população seja a favor dessas usinas, a minoria fala mais alto quando se trata da construção de hidrelétricas. "Tenho a impressão de que 98% da população são a favor das hidrelétricas e 2% são contra. Mas esses 2% falam muito mais alto", comentou o executivo, que participou de um evento no Rio de Janeiro". (Agência CanalEnergia – 17.04.2012) ife

Hoje é o "dia do índio"

"Essa reportagem foi escrita em dezembro de 2011, logo após o assassinato de uma liderança kaiowa no Mato Grosso do Sul. O corpo, 5 meses após o ataque, ainda não foi encontrado. Em 6 de abril de 2012, conforme carta abaixo, o antropólogo e líder kaiowa Tonico Benites foi ameaçado por pistoleiros armados, na frente de sua família"




Por Felipe Milanez
(de Dourados e Iguatemi, Mato Grosso do Sul)

A reunião está morna. Todos os líderes presentes sabem o que lhes esperam em casa. Terror, violência, ameaça. Sentem angústia. Sabem que podem ser mortos a qualquer momento, como foi Nísio Gomes, uma semana antes, o estopim para convocar a assembleia Aty Guasu dos povos kaiowa e guarani nhandeva no Mato Grosso do Sul, onde estou agora, sentado em um círculo na entrada de uma escola.

A Funai (Fundação Nacional do Índio) e o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) mandaram representantes. A Força Nacional enviou uma viatura para garantir a segurança. Os líderes se apresentam, alguns jovens discorrem os pontos da pauta, mas é como se o verdadeiro motivo que os trouxesse ali ainda estivesse guardado, reprimido, e não fosse falado. Elpídio Pires, cacique, importante liderança guarani, decide então extrapolar a tensão. Mira nos olhos a representante da Funai no mesmo ambiente, como um enfrentamento. E sem firula, indignado, fala alto, gesticula e expressa o terrível sentimento pelo qual ele os indígenas estão passando: o constante medo de ser assassinado.

domingo, 15 de abril de 2012

Rio Aripuanã: previsão de mais quatro hidrelétricas


Complexo de Hidrelétricas no Amazonas vai atravessar unidades de conservação, afetar terras indígenas e provocar desmatamento
Na semana passada, o inventário da EPE foi apresentado a órgãos públicos, mas segundo apurou o jornal A Crítica, os estudos serão aprovados "em breve" pela Aneel. Geração de energia não atenderá comunidades atingidas nem o Estado do Amazonas (Fonte: A Crítica)

por Elaíze Farias

Galeria de imagens

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apresentou na semana passada em Manaus (AM) o inventário que propõe a construção de sete usinas hidrelétricas na bacia do rio Aripuanã, afluente do rio Madeira, nos Estados do Amazonas, Mato Grosso e uma área menor de Rondônia, representando uma potência total de 2.790 MWh. No Amazonas, estão previstas as construções de quatro usinas: Prainha, Sumaúma, Cachoeira Galinha e Inferninho, na região dos municípios de Apuí e Novo Aripuanã, sudeste do Estado, distantes 453 e 227 quilômetros de Manaus, respectivamente. A bacia é considerada umas áreas mais preservadas da Amazônia.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

A consciência ecológica e o respeito à natureza alcançaram a sociedade, mas não as autoridades brasileiras


Entrevista especial com Telma Monteiro
“O crescimento econômico desconectado do meio ambiente ainda continua sendo usado como argumento de redução da miséria”, constata a ambientalista.

Confira a entrevista



“O Brasil se mantém numa posição em que crescer para sempre é a meta, sem agregar valores inerentes ao desenvolvimento com distribuição equânime de riquezas, o que nos confere fragilidade e insustentabilidade”. É com essa declaração que 
Telma Monteiro (foto) critica a atuação ambiental do Estado brasileiro nos últimos 20 anos, pós Eco-92. Para ela, “a triste realidade que estamos vivendo nos biomas brasileiros e o aumento das emissões” demonstram que o Brasil não implementou quase nenhuma das propostas discutidas na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a qual buscou conciliar desenvolvimento econômico com conservação ambiental. “O governo continua defendendo interesses imediatistas desde Estocolmo, em 1972, e escolheu não fazer um controle eficaz da poluição, alegando que poderia reduzir o crescimento”, assinala.

Na entrevista que concedeu à IHU On-Line por e-mail, após participar do Ciclo de Palestras: Rio+20 – desafios e perspectivas, na semana passada, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Telma enfatiza que a Conferência Rio+20, que acontecerá de 20 a 22 de junho no Rio de Janeiro, talvez seja a última oportunidade de “respeitar os limites do crescimento e passar a adotar a consciência no lugar de afrontar a evolução natural da Terra”. Segundo ela, "o mandatário de uma nação tem obrigação de levar a sociedade à reflexão sobre os temas que comprovam o risco futuro da sobrevivência da vida no planeta, e não é concebível que ele (ou ela) menospreze todas essas contribuições atribuindo-lhes publicamente a pecha de “fantasias”, critica, referindo-se à declaração da presidente Dilma na semana passada. Ao se posicionar sobre a Rio+20, Dilma disse que "ninguém numa conferência dessas também aceita, me desculpem, discutir a fantasia. Ela não tem espaço para a fantasia. Não estou falando da utopia, essa pode ter, estou falando da fantasia".

No dia 16 de maio, Telma Monteiro participará novamente do Ciclo de Palestras: Rio+20 – desafios e perspectivas, abordando o tema Rio+20 e a questão da matriz energética brasileira. O evento ocorrerá às 9h30min, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU.

Telma Monteiro é especialista em análise de processos de licenciamento ambiental e pesquisadora independente.

Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quando se iniciaram os principais acordos e conferências que culminaram com o surgimento de políticas ambientais no mundo?

Telma Monteiro –
 Entendo que foi a partir de 1962, quandoRachel Carson produziu um estudo chamado Primavera Silenciosa, em que expôs a contaminação da cadeia alimentar por pesticidas, em especial o DDT, nos EUA. Foi a primeira vez que alguém teve a coragem de mostrar a necessidade de se respeitar os ecossistemas. Indiretamente ela criticava o modelo do desenvolvimento econômico que impunha alterações ao ambiente, como exterminar espécies de insetos ou plantas. Na verdade, isso levou a uma reflexão sobre o ser humano estar atropelando o processo natural, contaminando o ambiente e provocando sua vulnerabilidade.

IHU On-Line – Como avalia o desenvolvimento e o avanço das questões ambientais após a Eco-92? O que de fato mudou nesses 20 anos?

Telma Monteiro –
 Na verdade, não entendo que tenha ocorrido avanço nas questões ambientais ou nas soluções e estratégias visando chegar a um momento em que não será possível retornar. A obra Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, é muito atual, e, depois de 50 anos, percebemos que nossas preocupações são as mesmas e que, embora o DDT tenha sido proibido, outros “DDTs” disfarçados, camuflados, continuam produzindo a destruição do planeta.

IHU On-Line – Poderia fazer uma síntese dos principais acordos e/ou conferências ambientais firmados no Brasil e no mundo? Quais os impactos desses acordos concretizados com a Rio+20?

Telma Monteiro –
 Em 1968 se deu em Paris a Conferência Intergovernamental de Especialistas ou Conferência da Biosfera, em bases científicas, organizada pela Unesco. Ainda nesse mesmo ano foi constituído o Clube de Roma, formado por cientistas, políticos e industriais preocupados com os rumos do crescimento econômico e o uso crescente dos recursos naturais. O Clube de Roma produziu o relatório intitulado “Os limites do crescimento”, o qual foi elaborado por pesquisadores que mostraram que, em algum momento nos próximos cem anos, a Terra alcançaria um limite e haveria o declínio da capacidade industrial, econômica e social.

Em 1972 tivemos a Conferência de Estocolmo em que foram discutidos os impactos do crescimento e do desenvolvimento sobre o meio ambiente e que culminou com a Declaração de Estocolmo. Esse documento, com 26 princípios, mencionou pela primeira vez a proteção ambiental e o direito humano ao meio ambiente adequado. Em 1983, formou-se a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que se reuniu em 1987 na Noruega, ou Comissão de Brundtland, que deu origem ao relatório “Nosso destino comum” que, entre outras coisas, reconheceu a natureza global dos problemas ambientais. Foi nesse momento que se falou, pela primeira vez, em desenvolvimento sustentável. Em 1988, a Constituição Federal do Brasil inseriu o Artigo 225 que versa sobre meio ambiente. Finalmente, em 1992 o Rio de Janeiro sediou a Eco-92, evento em que participaram mais de 100 países e que avaliou a Conferência de Estocolmo de 1972. Da Eco-92 saíram importantes acordos como a Convenção sobre o Clima, a Convenção sobre a Biodiversidade, a Carta da Terra e a famosa Agenda 21. Agora na Rio+20 pretende-se fazer um balanço dos resultados e realizações.

IHU On-Line – Quais as lições que o Brasil recebeu de acordos anteriores, como a Eco-92, e de que maneira estas iniciativas contribuíram positivamente para a diminuição dos problemas ambientais no Brasil e no mundo?

Telma Monteiro – 
Não acredito que o Brasil tenha aprendido muitas lições, ou se aprendeu, esqueceu nos últimos 20 anos, como mostra a triste realidade que estamos vivendo nos biomas brasileiros com o aumento das emissões. O governo continua defendendo interesses imediatistas desde Estocolmo, em 1972, e escolheu não fazer um controle eficaz da poluição, alegando que poderia reduzir o crescimento. O crescimento econômico desconectado do meio ambiente ainda continua sendo usado como argumento de redução da miséria. A proposta brasileira para redução da emissão de gases de efeito estufa foi pouco ambiciosa, numa clara demonstração, nesses 20 anos, de desconhecimento da responsabilidade que lhe cabe no aumento do aquecimento global. O Brasil se mantém numa posição em que crescer para sempre é a meta, sem agregar valores inerentes ao desenvolvimento com distribuição equânime de riquezas, o que nos confere fragilidade e insustentabilidade. Por exemplo, a meta dos governos, anterior e atual, é perseguir uma posição de destaque no mundo global, não como país preocupado com as mudanças climáticas e com o uso sustentável das riquezas naturais, mas priorizando o crescimento da economia a qualquer custo, como forma de aumentar o poder sobre as outras nações. A meta, então, é a superioridade hegemônica, é dar as cartas no jogo global.

IHU On-Line – Que exemplos o mundo recebeu com a Eco-92 e de que maneira erros e acertos podem ser revistos para o melhor desempenho da Rio+20?

Telma Monteiro –
 Acredito que tenha chegado o momento mais esperado pela sociedade com relação à atitude de seus governantes: o de reconhecer que continuam errando e tentar mudar os rumos que, em algum momento da trajetória, foram alterados. Os erros foram se acumulando desde 1972, e na Eco-92 houve até um mea culpa coletiva, mas que não serviu para que os governos entendessem que a arrogância humana sobre a natureza só está mostrando quem é o mais forte. E não são os humanos! Talvez a Rio+20 seja nossa última oportunidade de recuar diante dessa força indomável, respeitar os limites do crescimento e passar a adotar a consciência no lugar de afrontar a evolução natural da Terra.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Telma Monteiro –
 A consciência ecológica e o respeito à natureza alcançaram a sociedade, mas não as autoridades brasileiras. Acredito que o grande avanço que tivemos em conscientizar a sociedade é frágil, pois ainda está vulnerável aos maus exemplos das elites políticas. A militância ambiental e social sofre a desqualificação de seus argumentos, dos estudos, das pesquisas que oferecem na busca de soluções. O mandatário de uma nação tem obrigação de levar a sociedade à reflexão sobre os temas que comprovam o risco futuro da sobrevivência da vida no planeta, e não é concebível que ele (ou ela) menospreze todas essas contribuições atribuindo-lhes publicamente a pecha de “fantasias”.
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