Entrevista especial com Felício Pontes Júnior
“Onde
não estamos vencendo é na área jurídica. Muitas decisões foram tomadas, por
diferentes juízes ao longo de 10 anos, determinando a paralisação do
licenciamento por ilegalidades, mas foram todas suspensas pelo Tribunal
Regional Federal de Brasília, na maioria por decisão de seu presidente”, pontua
o procurador da República no Pará.
Confira a entrevista.
As obras da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte recém começaram e a situação do município de Altamira, no Pará, é de “completo caos”, pois a população cresceu e os serviços públicos entraram em “colapso”, avalia Felício Pontes Júnior em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
De acordo com o procurador, os movimentos contrários à construção de Belo Monte ganharam bastante visibilidade e conseguiram discutir o tema com a sociedade. No entanto, os dilemas concentram-se na área jurídica. Das 13 ações judiciais encaminhadas pelo Ministério Público Federal – MPF, por conta das irregularidades de Belo Monte, “apenas uma foi julgada noTribunal Regional Federal da 1ª Região e outras três julgadas na primeira instância. A maioria, portanto, não chegou a ser julgada ainda nem na primeira instância”, informa. A responsabilidade pela demora do julgamento, segundo Pontes Júnior, “é do próprio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que criou em 2011 uma vara especializada em feitos ambientais em Belém e ordenou que todos os processos de Belo Monte que tramitavam em Altamira fossem enviados para a capital”. Conforme explica, “a vara passou meses sem juiz titular e quando finalmente chegou um juiz para ficar, no segundo semestre do ano passado, ele discordou do Tribunal e devolveu para Altamira os processos, o que criou em muitos casos o chamado conflito negativo de competência, um incidente que atrasa ainda mais os processos”.
Na entrevista a seguir, o procurador também comenta a iniciativa da Advocacia-Geral
da União – AGU, que no final do ano passado pediu seu afastamento dos processos
relacionados a Belo Monte. “Na verdade a AGU não tem poder para
determinar nada sobre a atuação do MPF. Ela fez uma representação contra o MPF
no Conselho Nacional do Ministério Público para tentar me afastar do
caso Belo Monte, como já tentaram de outras vezes. Acredito que seja uma
tentativa de intimidar o trabalho do MPF. É aquela coisa: já que não
se pode lutar contra acusação, tenta-se desmoralizar o acusador”, afirma.Confira a entrevista.
As obras da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte recém começaram e a situação do município de Altamira, no Pará, é de “completo caos”, pois a população cresceu e os serviços públicos entraram em “colapso”, avalia Felício Pontes Júnior em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
De acordo com o procurador, os movimentos contrários à construção de Belo Monte ganharam bastante visibilidade e conseguiram discutir o tema com a sociedade. No entanto, os dilemas concentram-se na área jurídica. Das 13 ações judiciais encaminhadas pelo Ministério Público Federal – MPF, por conta das irregularidades de Belo Monte, “apenas uma foi julgada noTribunal Regional Federal da 1ª Região e outras três julgadas na primeira instância. A maioria, portanto, não chegou a ser julgada ainda nem na primeira instância”, informa. A responsabilidade pela demora do julgamento, segundo Pontes Júnior, “é do próprio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que criou em 2011 uma vara especializada em feitos ambientais em Belém e ordenou que todos os processos de Belo Monte que tramitavam em Altamira fossem enviados para a capital”. Conforme explica, “a vara passou meses sem juiz titular e quando finalmente chegou um juiz para ficar, no segundo semestre do ano passado, ele discordou do Tribunal e devolveu para Altamira os processos, o que criou em muitos casos o chamado conflito negativo de competência, um incidente que atrasa ainda mais os processos”.
Felício
Pontes Júnior (foto) é procurador da República junto do Ministério
Público Federal do Pará. Possui atuação nas áreas indígena, ambiental e
ribeirinha, e é mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio.
Confira
a entrevista.
IHU On-Line – Segundo informações, a prefeitura de Altamira pediu ajuda às Forças Armadas para que seja instalado um hospital de campanha na cidade por conta do caos na saúde. Qual a atual situação da cidade?
Felício Pontes Júnior – A situação é de completo caos, porque, tal como apontamos em ação judicial e também em recomendações, o Ibama não poderia ter permitido o início das obras sem o cumprimento das condicionantes impostas pelo próprio Ibama. As consequências ficaram muito claras agora, com a população crescendo e os serviços públicos em colapso. É uma irresponsabilidade que foi vista em Rondônia, repetida em Belo Monte e a sociedade brasileira não pode aceitar que se repita em outras obras, porque quem sofre, quem fica vivendo em situação de desespero são os mais pobres, justamente aqueles que precisam da proteção do Estado.
IHU On-Line – Quantas ações judiciais em relação a Belo Monte ainda não foram julgadas pelo Supremo Tribunal Federal? Quais as razões da demora no julgamento?
Felício Pontes Júnior – É preciso esclarecer que apenas uma das ações do Ministério Público Federal – MPF no caso Belo Monte chegou ao Supremo Tribunal Federal, justamente aquela que impediu que o licenciamento da usina fosse feito em esfera estadual. Quando o governo brasileiro retoma o projeto em 2005, obedece ao determinado pela primeira ação judicial, mas comete várias outras graves irregularidades que são apontadas pelo Ministério Público Federal em outras 13 ações judiciais. De todas essas, apenas uma foi julgada no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e outras três julgadas na primeira instância. A maioria, portanto, não chegou a ser julgada ainda nem na primeira instância.
Parte da responsabilidade pela demora no julgamento é do próprio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que criou em 2011 uma vara especializada em feitos ambientais em Belém e ordenou que todos os processos de Belo Monte que tramitavam em Altamira fossem enviados para a capital. A vara passou meses sem juiz titular e quando finalmente chegou um juiz para ficar, no segundo semestre do ano passado, ele discordou do Tribunal e devolveu para Altamira os processos, o que criou em muitos casos o chamado conflito negativo de competência, um incidente que atrasa ainda mais os processos. Por conta de todos esses problemas, solicitamos ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ que acompanhe de perto os processos de Belo Monte. A demora no julgamento pode tornar as ações inócuas.
IHU On-Line – Em função de Belo Monte, o direito da natureza está sendo discutido no judiciário. Como juridicamente esta questão é abordada?
Felício Pontes Júnior – A usina, de acordo com todos os documentos técnicos produzidos, seja pelo Ibama, pelas empreiteiras responsáveis pelos Estudos, seja pela Funai, o MPF ou os cientistas que se debruçaram sobre o projeto, vai causar a morte de parte considerável da biodiversidade na região da Volta Grande do Xingu – trecho de 100km do rio que terá a vazão drasticamente reduzida para alimentar as turbinas da hidrelétrica. Esse trecho do Xingu é considerado, por decreto do Ministério do Meio Ambiente (Portaria MMA n. 9/2007), como de importância biológica extremamente alta, pela presença de populações animais que só existem nessa área, essenciais para a segurança alimentar e para a economia dos povos da região.
IHU On-Line – Segundo informações, a prefeitura de Altamira pediu ajuda às Forças Armadas para que seja instalado um hospital de campanha na cidade por conta do caos na saúde. Qual a atual situação da cidade?
Felício Pontes Júnior – A situação é de completo caos, porque, tal como apontamos em ação judicial e também em recomendações, o Ibama não poderia ter permitido o início das obras sem o cumprimento das condicionantes impostas pelo próprio Ibama. As consequências ficaram muito claras agora, com a população crescendo e os serviços públicos em colapso. É uma irresponsabilidade que foi vista em Rondônia, repetida em Belo Monte e a sociedade brasileira não pode aceitar que se repita em outras obras, porque quem sofre, quem fica vivendo em situação de desespero são os mais pobres, justamente aqueles que precisam da proteção do Estado.
IHU On-Line – Quantas ações judiciais em relação a Belo Monte ainda não foram julgadas pelo Supremo Tribunal Federal? Quais as razões da demora no julgamento?
Felício Pontes Júnior – É preciso esclarecer que apenas uma das ações do Ministério Público Federal – MPF no caso Belo Monte chegou ao Supremo Tribunal Federal, justamente aquela que impediu que o licenciamento da usina fosse feito em esfera estadual. Quando o governo brasileiro retoma o projeto em 2005, obedece ao determinado pela primeira ação judicial, mas comete várias outras graves irregularidades que são apontadas pelo Ministério Público Federal em outras 13 ações judiciais. De todas essas, apenas uma foi julgada no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e outras três julgadas na primeira instância. A maioria, portanto, não chegou a ser julgada ainda nem na primeira instância.
Parte da responsabilidade pela demora no julgamento é do próprio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que criou em 2011 uma vara especializada em feitos ambientais em Belém e ordenou que todos os processos de Belo Monte que tramitavam em Altamira fossem enviados para a capital. A vara passou meses sem juiz titular e quando finalmente chegou um juiz para ficar, no segundo semestre do ano passado, ele discordou do Tribunal e devolveu para Altamira os processos, o que criou em muitos casos o chamado conflito negativo de competência, um incidente que atrasa ainda mais os processos. Por conta de todos esses problemas, solicitamos ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ que acompanhe de perto os processos de Belo Monte. A demora no julgamento pode tornar as ações inócuas.
IHU On-Line – Em função de Belo Monte, o direito da natureza está sendo discutido no judiciário. Como juridicamente esta questão é abordada?
Felício Pontes Júnior – A usina, de acordo com todos os documentos técnicos produzidos, seja pelo Ibama, pelas empreiteiras responsáveis pelos Estudos, seja pela Funai, o MPF ou os cientistas que se debruçaram sobre o projeto, vai causar a morte de parte considerável da biodiversidade na região da Volta Grande do Xingu – trecho de 100km do rio que terá a vazão drasticamente reduzida para alimentar as turbinas da hidrelétrica. Esse trecho do Xingu é considerado, por decreto do Ministério do Meio Ambiente (Portaria MMA n. 9/2007), como de importância biológica extremamente alta, pela presença de populações animais que só existem nessa área, essenciais para a segurança alimentar e para a economia dos povos da região.
A
vazão reduzida vai provocar diminuição de lençóis freáticos, extinção de
espécies de peixes, aves e quelônios, a provável destruição da floresta aluvial
e a explosão do número de insetos vetores de doenças. Um trecho da nossa ação
judicial sobre o assunto demonstra o ineditismo da tese: "Quando os
primeiros abolicionistas brasileiros proclamaram os escravos como sujeitos de
direitos foram ridicularizados. No mesmo sentido foram os defensores do
sufrágio universal, já no século XX. Em ambos os casos, a sociedade obteve
incalculáveis ganhos. Neste século, a humanidade caminha para o reconhecimento
da natureza como sujeito de direitos. A visão antropocêntrica utilitária está
superada. Significa que os humanos não podem mais submeter a natureza à
exploração ilimitada”. Espero que essa tese, inédita na Justiça brasileira,
vença.
IHU On-Line – Como você recebeu a notícia de que deveria ficar afastado das ações referente a Belo Monte por determinação da AGU? Como está este processo?
Felício Pontes Júnior – Na verdade, a AGU não tem poder para determinar nada sobre a atuação do MPF. Ela fez uma representação contra o MPF no Conselho Nacional do Ministério Público para tentar me afastar do caso Belo Monte, como já tentaram de outras vezes. Acredito que seja uma tentativa de intimidar o trabalho do MPF. É aquela coisa: já que não se pode lutar contra acusação, tenta-se desmoralizar o acusador. Não creio que isso possa surtir qualquer efeito.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Felício Pontes Júnior – Do ponto de vista de comunicação, é certo que nós vencemos a guerra. Eles não conseguiram provar que Belo Monte é viável, nem mesmo do ponto de vista econômico, já que a usina deve ficar sem produzir energia durante uns quatro meses do ano, em virtude da diferença entre cheia e seca do Xingu. Graças às ações dos movimentos indígena e ambiental em vários pontos do país, a sociedade ficou sabendo a verdade sobre esse projeto, que é o mais caro do Brasil e vai ser pago por nós, brasileiros.
Onde não estamos vencendo é na área jurídica. Muitas decisões foram tomadas, por diferente juízes ao longo de 10 anos, determinando a paralisação do licenciamento por ilegalidades, mas foram todas suspensas pelo Tribunal Regional Federal de Brasília, na maioria por decisão de seu presidente. Nosso objetivo é que essas ações possam tramitar com rapidez para que cheguem ao Supremo Tribunal Federal antes do fato consumado.
IHU On-Line – Como você recebeu a notícia de que deveria ficar afastado das ações referente a Belo Monte por determinação da AGU? Como está este processo?
Felício Pontes Júnior – Na verdade, a AGU não tem poder para determinar nada sobre a atuação do MPF. Ela fez uma representação contra o MPF no Conselho Nacional do Ministério Público para tentar me afastar do caso Belo Monte, como já tentaram de outras vezes. Acredito que seja uma tentativa de intimidar o trabalho do MPF. É aquela coisa: já que não se pode lutar contra acusação, tenta-se desmoralizar o acusador. Não creio que isso possa surtir qualquer efeito.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Felício Pontes Júnior – Do ponto de vista de comunicação, é certo que nós vencemos a guerra. Eles não conseguiram provar que Belo Monte é viável, nem mesmo do ponto de vista econômico, já que a usina deve ficar sem produzir energia durante uns quatro meses do ano, em virtude da diferença entre cheia e seca do Xingu. Graças às ações dos movimentos indígena e ambiental em vários pontos do país, a sociedade ficou sabendo a verdade sobre esse projeto, que é o mais caro do Brasil e vai ser pago por nós, brasileiros.
Onde não estamos vencendo é na área jurídica. Muitas decisões foram tomadas, por diferente juízes ao longo de 10 anos, determinando a paralisação do licenciamento por ilegalidades, mas foram todas suspensas pelo Tribunal Regional Federal de Brasília, na maioria por decisão de seu presidente. Nosso objetivo é que essas ações possam tramitar com rapidez para que cheguem ao Supremo Tribunal Federal antes do fato consumado.
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