Complexo de Hidrelétricas no Amazonas vai atravessar unidades de conservação, afetar terras indígenas e provocar desmatamento
Na semana passada, o inventário da EPE foi apresentado a
órgãos públicos, mas segundo apurou o jornal A Crítica, os estudos serão
aprovados "em breve" pela Aneel. Geração de energia não atenderá
comunidades atingidas nem o Estado do Amazonas (Fonte: A Crítica)
por Elaíze Farias
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A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apresentou na semana
passada em Manaus (AM) o inventário que propõe a construção de sete usinas
hidrelétricas na bacia do rio Aripuanã, afluente do rio Madeira, nos Estados do
Amazonas, Mato Grosso e uma área menor de Rondônia, representando uma potência
total de 2.790 MWh. No Amazonas, estão previstas as construções de quatro
usinas: Prainha, Sumaúma, Cachoeira Galinha e Inferninho, na região dos
municípios de Apuí e Novo Aripuanã, sudeste do Estado, distantes 453 e 227
quilômetros de Manaus, respectivamente. A bacia é considerada umas áreas mais
preservadas da Amazônia.
Os estudos, que estão sendo analisados pela Agência Nacional
de Energia Elétrica (Aneel) há quase um ano e prestes a ser aprovados, estimam
impactos negativos significativos em oito unidades de conservação federal e
estadual onde se registra uma grande diversidade de espécies animais e vegetais
e em pelo menos cinco terras indígenas (no Amazonas, a TI atingida deverá ser a
Tenharim do Igarapé Preto).
Aproximadamente 112 mil pessoas deverão ser atingidas. No
Amazonas, este universo estimado é de 640 famílias (Prainha) apenas em um dos
quatro projetos de usinas. Elas deverão ser deslocadas de suas áreas. Há também
registros de um significativo número de sítios arqueológicos e áreas de forte
potencial mineral.
Navegação
Está também prevista a inundação média de 400 quilômetros quadrados em cada área de barragem construída, segundo apurou a analista ambiental do Centro Estadual de Unidades de Conservação (Ceuc), Geise Canalez, que participou da reunião.
Está também prevista a inundação média de 400 quilômetros quadrados em cada área de barragem construída, segundo apurou a analista ambiental do Centro Estadual de Unidades de Conservação (Ceuc), Geise Canalez, que participou da reunião.
Um dos impactos mais preocupantes é com a restrição à
navegação do rio Aripuanã, tributário do rio Madeira. Geise Canalez diz que o
projeto de hidrelétrica vai impactar diretamente cerca de 200 quilômetros
de rios navegáveis no Amazonas, o que representaria comprometer a economia do
Amazonas e o escoamento da produção daquela região.
O complexo prevê quatro usinas no rio Aripuanã e três no rio
Roosevelt, que nasce no Mato Grosso, próximo da divisa com Rondônia, e
deságua no rio Aripuanã (AM). Elas farão parte do Sistema Interligado Nacional
(SIN), formado por empresas das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e
parte da região Norte.
Os municípios do Amazonas cujos territórios vão sediar
quatro das sete usinas não serão atendidos pela energia gerada. Apuí e Novo
Aripuanã compõem sistemas isolados, à base de termelétricas a diesel. O
Amazonas também não deverá receber cobertura. Manaus será conectada ao SIN
quando os 1.800 do Linhão do Tucuruí, cuja usina fica no Pará, for concluído,
provavelmente em 2013.
Unidades
Algumas das áreas protegidas a ser impactadas
constituem o Mosaico de Apuí e o Parque Nacional dos Campos Amazônicos,
conjunto contínuo de unidades de conservação que integram o Mosaico da
Amazônia Meridional.A UC mais impactada vai ser o Parque Nacional Campos
Amazônicos (unidade federal), que será atravessado por obras das usinas de
Prainha e Cachoeira Galinha.
Aline Roberta Polli, analista do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e coordenadora do Parna Campos
Amazônicos, explica que em termos ecológicos a bacia situa-se na região de
transição entre os biomas Cerrado e Amazônico, em área fronteira à
intensa pressão antrópica (ação humana) coincidente com o denominado Arco
do Desmatamento.
“Apesar dos índices crescentes de desflorestamento, a região
apresenta importantes remanescentes florestais, representados por tipologias
variadas, resultando em uma das mais importantes áreas preservadas da
Amazônia Legal nos estados de Mato Grosso e Rondônia”, disse Aline.
“Casa Suja”
Embora tenham sido apresentados oficialmente há alguns dias,
os estudos de inventário, já estão em análise pela Aneel desde junho de 2011.
Na última sexta-feira (13), a assessoria de imprensa da Aneel confirmou que o
estudo “será aprovado em breve” ou "nas próximas semanas".
A apresentação do inventário provocou desconforto nos
participantes do seminário. Entre os vários questionamentos feitos estão a
falta de consulta aos órgãos estaduais e federais que já atuam na bacia do rio
Aripuanã, o uso de dados estatísticos defasados, a aplicação de modelos
inadequados para a especificidade do ecossistema do Amazonas e o desinteresse
em divulgar o seminário para um maior número de participantes.
“A região é muito rica em biodiversidade que está em estudo.
No Mosaico do Apuí, por exemplo, mas de cinco possíveis novas espécies de
peixes foram encontradas em 2008, além de espécies de primatas, aves e o
próprio ambiente de contato Cerrado-Floresta Amazônica que é único no Estado”,
disse a analista Aline Roberta Polli.
Para Geise Canalez a base de avaliação do estudo realizado é
inadequada para a realidade do Amazonas, não trará benefícios e deixará apenas
“a casa suja”.
Ela diz que o único “ponto positivo” apresentado pela EPE
sequer chega a ser positivo de fato, pois o que foi apresentado - repasse
financeiro aos municípios atingidos pelas obras - é, na realidade, compensação
ambiental dos impactos gerados, previstos em lei, e não benefícios.
“A gente se assusta devido aos exemplos ruins dos outros
projetos na região que não estão dando certo. E eles não estão trazendo
benefícios para a região. Fazem menção a uma linha integrada de distribuição de
energia elétrica que não atende a região Norte, pelas suas dimensões. Que deve
demorar mais 20 anos e não há garantia de que vai atingir o Estado inteiro”,
diz.
População
Geise defendeu para o Amazonas a elaboração de uma
estratégia de menor impacto, com construção de empreendimentos em áreas menores
e matriz energética apropriada.
Gabriel Carrero, do Instituto de Conservação e
Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam) e consultor do Mosaico do
Apuí, destacou que as usinas vão causar “um grande impacto na região e que,
ainda assim, a energia gerada não será usada na região”. Ele criticou “um maior
contato” entre os autores do inventário e a sociedade, além de articulações e
participações de órgãos ambientais, sobretudo com o Conselho Estadual de Meio
Ambiente.
“Em termos de impacto ambiental, somente para Apuí e Novo
Aripuanã, está previsto um contingente de 20 mil pessoas. Mas depois que
terminam as obras, estas pessoas tendem a ficar na região. O impacto do uso da
terra é esperado que aumente o desmatamento”, disse.
Alternativas
O sub-coordenador do Centro Estadual de Mudanças Climáticas
(Ceclima), vinculado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (SDS), Anderson Bittencourt, especialista em energia e fontes
renováveis, considera importante os estudos de inventário para conhecer o
potencial energético da região, mas se disse contra o modelo de hidrelétricas
que afetam a população local.
“Além de não estarem incluídas nos projetos de
desenvolvimento, permanecem sem o principal resultado esperado da obra, o
suprimento elétrico. Isso mostra que o planejamento da matriz energética
deveria ser mais diversificado, distribuindo melhor os impactos e as
oportunidades socioeconômicas que existem, tais como, o aproveitamento de
outras opções de geração de energia, como turbinas hidráulicas e energia de
biomassa e solar, ao invés de sempre optar por grandes obras hidrelétricas, que
não é uma alternativa ambiental viável a longo prazo”, comentou.
Ele defendeu a ampliação das discussões das usinas
hidrelétricas na Amazônia para que as ideias que no passado justificavam essas
obras, hoje possam passar pelo conhecimento da sociedade local, e não apenas de
especialistas que mostram seu ponto de vista técnico.
Bittencourt ressaltou ainda que o modelo de geração de
energia explorado na bacia do rio Aripuanã não atende às necessidades dos
municípios de comunidades do sul do Amazonas. Segundo ele, para isto ocorrer,
será necessário um modelo híbrido de pequena escala, como é o caso energia
solar, energia da biomassa ou energia hidrocinética.
Anderson Bittencourt criticou o modelo de desenvolvimento do
governo federal “a qualquer custo” e disse que isto precisa ser mudado. Ele
destacou que, no Brasil, 30% da energia gerada são gastos por empresas que
consomem muito (fábricas de aço e de alumínio, principalmente) e que todas as
empresas presentes na Amazônia, e que usam a energia de Tucuruí, são produtoras
de alumínio, que é exportado. “Fala-se em desenvolvimento econômico, mas a
fabricação industrial é direcionada para essa produção e para a exportação”,
observou.
SIN
Segundo Anderson Bittencourt, o sistema brasileiro é
dividido em quatro grandes subsistemas, além de diversos sistemas isolados -
Subsistema Sudeste/Centro-Oeste, Subsistema Sul, Subsistema Nordeste,
Subsistema Norte e Sistemas isolados da Amazônia.
A partir de 2014, a cidade de Manaus, será conectada ao SIN.
Serão 1.800 quilômetros de extensão pelo meio da Amazônia, ligando a Usina
Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, a Manaus, no Amazonas, sustentadas por
dezenas de torres de cerca de 300 metros.
Apenas 3,4% da capacidade de produção de eletricidade do
país encontram-se fora do SIN, em pequenos sistemas isolados localizados
principalmente na região amazônica.
Bacia do rio Aripuanã é considerada no Plano Nacional de
Energia (PNE) 2030, com o potencial de geração a ser
aproveitado no horizonte de 2015.
No PNE 2030 indicam que para o atendimento à demanda de
consumo até o horizonte de 2026, o potencial hidrelétrico dessa bacia
deverá ser totalmente aproveitado.
EPE
A reunião ocorrida em Manaus, segundo a assessoria de
imprensa da EPE, consistiu na Avaliação Ambiental Integrada da Bacia do Rio
Aripuanã. Esta considera o conjunto de aproveitamentos hidrelétricos que
compõem a alternativa de divisão de quedas selecionada nos Estudos de
Inventario.
A assessoria disse que o inventário hidrelétrico tem como
finalidade exclusiva avaliar o potencial hidroenergético de uma bacia
hidrográfica por meio de identificação e seleção de um conjunto de
aproveitamentos (usinas hidrelétricas) que apresentem melhor atratividade sob o
ponto de vista energético, econômico e socioambiental.
Os estudos continuem a primeira etapa do ciclo de
implantação de uma usina. As etapas seguintes são estudos de viabilidade do
aproveitamento, incluindo Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e obtenção de
Licença Ambiental Prévia (LP), leilão de energia, Projeto Básico e o Projeto
Executivo para implantação do empreendimento.
De acordo com a assessoria, para a reunião em Manaus, foram
convidados vários órgãos, como Secretarias Estaduais de Meio Ambiente, IBAMA,
Agência Nacional de Água (ANA), Fundação Nacional do Índio (Funai), ICMBio,
Ministério Público Federal (MPF), Ministério dos Transportes/ANTAQ e Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Funai
Procurada para se manifestar sobre os impactos em terras
indígenas, a Funai respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa, que tomou
conhecimento do inventário e está analisando. Segundo a Funai, mesmo que o
estudo aponte potencial em terras indígenas, dentro delas não pode haver
exploração enquanto o artigo 231 da Constituição não for regulamentado. “Quando
um empreendimento é efetivado e pode afetar terras indígenas, a Funai se
manifesta sobre a influência que pode haver para os povos indígenas. Antes
disso não temos como nos manifestar”, disse o órgão.
Sobre o rio Aripuanã, lei também:
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