segunda-feira, 23 de abril de 2012

Rio+20 e a matriz energética brasileira – Parte I


Telma Monteiro

O ano de 2012 é o Ano Internacional da Energia Sustentável para Todos, segundo a ONU. E não poderia ser de outra forma já que a energia é o centro de tudo, desde suprir a economia até o combate à miséria, passando pelas mudanças climáticas e o equilíbrio da vida na Terra.

O governo diz que a matriz energética brasileira, que é o conjunto de fontes que geram energia, é a mais limpa do mundo comparativamente aos países ricos. E que ela é sustentável, pois considera que 45,3% vêm de fontes renováveis contra 7,2% dos mais ricos e 12,9% da média mundial. Será que é verdade?

Esses 45,3%, em teoria, de "fontes renováveis", incluem a geração das hidrelétricas e biomassa.  Hidrelétricas criam impactos ambientais, deslocamento compulsório de dezenas de milhares de pessoas e os reservatórios produzem o gás metano um dos mais potentes causadores do aquecimento global[1].  Essa chamada matriz energética mais "limpa e renovável" do mundo foi responsável também pelo aumento das importações de carvão mineral e gás natural no ano de 2009.  

Para o Balanço Elétrico Nacional (BEN), o Brasil tem 86% de fontes renováveis enquanto os países ricos juntos têm 17%. É uma constatação no mínimo duvidosa, pois esse rótulo de campeão em energia sustentável não combina em nada com os atuais fatos que povoam a mídia, sobre os conflitos nas hidrelétricas do PAC. Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, são palco de greves e violências, além de impactos não estudados da destruição das margens do rio. Porto Velho é o retrato do inchaço urbano desordenado, de caos instalado nos serviços públicos em decorrência das obras das usinas, e a Altamira de Belo Monte, no Pará, remonta à Idade Média.

Mas para onde vai uma boa parte de toda essa energia que o governo planeja gerar? Não parece ser para suprir os rincões miseráveis isolados, ou para diminuir a desigualdade, ou para fortalecer as comunidades e reforçar a sua autoconfiança.  Vai para os grandes consumidores de energia que têm prioridade e privilégio concedidos pelo governo que quer bancar um crescimento insustentável para ter competitividade na globalização.  Para tanto, optou-se pelo oportunismo da política de produção de energia estagnada no modelo hidrelétrico: insustentável, cara e suja.

Exemplos desse oportunismo não faltam. Os autoprodutores[2] são as grandes indústrias eletrointensivas que usam energia como seu principal insumo e que vendem o excedente no mercado livre. É legal que empresas autoprodutoras comercializem energia elétrica, como mercadoria, quando lhes convém, ou seja, quando o preço do MWh está na alta?  

Cerca de 80% dessa energia vêm de hidrelétricas que na fase de construção (os consórcios têm autoprodutores na sua composição) se beneficiam de financiamentos de bancos públicos com juros abaixo do mercado, isenção de PIS/COFINS durante as obras (Reidi), carência no recolhimento de IR, sobrepreços e aditivos em contratos de concessão. Pode não ser ilegal, mas é um "negócio" imoral.   

No dia 15 de abril, uma nota discreta do Valor informou que "as perspectivas de demanda [de energia elétrica], feitas no passado, não se concretizaram". Demanda criada artificialmente. O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDEE) está errando na previsão, pois continua incentivando, induzindo ou estimulando demanda e, ao mesmo tempo, disponibilizando oferta. Ora, como fazer florescer programas de eficiência energética, consumo consciente, energias alternativas quando na verdade a sociedade tem "tanta" energia disponível? O argumento do governo tem sido o do "apagão nunca mais" e "podemos consumir como nunca".

Seja qual for a constatação, a verdade é que a "indústria" de hidrelétricas continua a todo vapor sem considerar que só os programas de conservação e eficiência energética podem possibilitar uma economia no consumo de 10%, no mínimo.  


[1] O gás metano está presente em lagos naturais e pântanos da Amazônia, mas nos reservatórios hidrelétricos em que a água passa pelas turbinas e vertedouros liberando-o na atmosfera em quantidades muito maiores, é onde ele se mostra mais letal.
[2] Autoprodutor: Pessoa física ou jurídica ou empresas reunidas em consórcio que recebem concessão ou autorização para produzir energia  elétrica destinada ao seu uso exclusivo.

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