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Os
feudos eram dados pelo rei aos amigos conforme os interesses vigentes; hoje os
nossos "reis" dão feudos às grandes empresas, compara Telma Monteiro
Por:
Thamiris Magalhães
Ao
comparar Belo Monte à Idade Média, Telma Monteiro explica que a
Altamira de hoje, acuada pelas obras de Belo Monte, sofre a falta de estrutura
de forma muito mais intensa do que antes de se pensar no projeto. “Prometer
saneamento básico, água de qualidade, hospitais e escolas, infraestrutura urbana,
são formas de se obter o poder. É o mesmo poder da Idade Média, em que os
senhores feudais tinham as terras e exploravam os camponeses. Belo Monte é, aos
olhos da população de Altamira e região, uma forma de rompimento com um período
atrasado de ausência do Estado para uma nova era classificada de moderna, onde
energia significa progresso”, disse na entrevista que concedeu, por e-mail,
à IHU On-Line. Segundo a pesquisadora, as invasões, expansão desordenada e
a conquista, características da Idade Média, são hoje realidades na região de
Belo Monte. “Quem não viu ou não leu como os aluguéis ficaram mais caros em
Altamira? A infraestrutura viária não comporta o aumento dos automóveis e
motos, faltam leitos no hospital para dar conta dos acidentados. E o esgoto? E
o lixo? O atraso institucionalizado em nome do crescimento e do poder dos
senhores ‘feudais’ da energia.” E questiona: “é ou não é uma espécie de Idade
Média acontecendo na Amazônia? Foi essa época que inspirou os contos de fada
que surgiram no século XIX.” E continua: “aproveito para fazer uma comparação
com a forma que o governo brasileiro tenta impor Belo Monte à sociedade: um
conto de fada”.
Telma Monteiro é pesquisadora independente.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como a senhora avalia o impacto da
construção de hidrelétricas no Brasil, como Belo Monte, Estreito, Santo Antônio
e Jirau?
Telma Monteiro - O governo mente quando diz que os
projetos das usinas do rio Madeira, Santo Antônio e Jirau, e de Belo Monte no
rio Xingu, foram alterados para reduzir os impactos socioambientais. O fato de
diminuir o potencial das usinas não significa em hipótese nenhuma uma garantia
de sustentabilidade nas respectivas regiões. No caso do Madeira, por exemplo, a
turbina bulbo, que foi escolhida por ser compatível com um rio de planície, de
baixa queda, e o desmembramento em duas usinas não evitaram os impactos locais
e regionais. Na verdade, esses impactos sociais e ambientais, alguns inclusive
não diagnosticados no processo de licenciamento, já estão se mostrando maiores
e mais abrangentes do que o que foi diagnosticado no EIA/RIMA. Veja-se como os
conflitos recrudesceram nos canteiros de obras de Santo Antônio e Jirau .
O efeito dominó dos conflitos vai atingir as demais obras de hidrelétricas na
Amazônia, tanto no que diz respeito à falta de condições dos trabalhadores de
terem garantida uma "estadia" digna no período de trabalho distante
de suas famílias, como nas questões ambientais, como o desaparecimento de
espécies de peixes que já afetam a vida dos pescadores. Belo Monte , apesar das
mudanças de projeto, continua sendo uma obra difícil não só pela localização,
mas pela própria conformação complexa de engenharia que requer várias frentes
de trabalho em ambiente hostil. O governo insiste em dizer que o reservatório
será bem menor e que as terras indígenas não serão alagadas, porém o problema
não é esse. Essa conversa é apenas uma forma de mascarar a verdade. Mesmo com
um reservatório menor, as áreas que estariam alagadas apenas na época das
cheias ficarão perenemente alagadas, o que vai alterar para sempre o
ecossistema regional. Por outro lado, nunca é demais lembrar que os 100
quilômetros da Volta Grande do Xingu, que sofrerão com o desvio de grande parte
das águas do rio, terão um impacto ao contrário, pois áreas que ficariam
permanentemente alagadas passarão a sofrer escassez de água. A verdade é sempre
distorcida pelas autoridades do Planalto, da Agência Nacional de Energia
Elétrica - Aneel, Empresa de Pesquisa Energética - EPE e do ministério de Minas
e Energia, que afirmam que a alteração no tamanho do reservatório e os ajustes
no projeto que prejudicariam a geração de energia foram com o intuito
exclusivamente de evitar impactos. A Terra Indígena Paquiçamba, embora não
recebendo estruturas das obras de Belo Monte, está apenas sete quilômetros em
linha reta da movimentação das obras, o que quer dizer que vai sofrer
interferências diretas, seja pela presença de estranhos, seja pela agressão à
floresta e fuga da fauna, seja pelas alterações na abundância da pesca, ou
ainda quanto à qualidade das águas. Recentemente, o presidente da Empresa de
Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, comentou que há "dor no
coração" com a perda da capacidade de geração ao assumir fazer
hidrelétricas "a fio d'água só para garantir geração com proteção
socioambiental". Como um ser humano pode falar em "dor no
coração" com perda de produção de uma mercadoria oriunda da destruição
ambiental e da infelicidade de dezenas de milhares de outros seres humanos?
Além do mais, veja que loucura é essa declaração, essa falácia, uma vez que
fazer barragem a fio d'água tanto no rio Madeira como no rio Xingu é a solução
destruidora armada pelo governo e empresas para gerar energia em rios de
planície. Nem o Madeira e nem o Xingu tem grandes quedas, canyons, que
possibilitem reservatórios profundos de armazenamento de água. Isso não quer
dizer, em absoluto, que não sendo de planície, eles poderiam ser barrados.
É lógico que a opção de fazer uma barragem com reservatório ainda maior
do que os que estão planejados na Amazônia não encontraria respaldo na
sociedade, pois a lembrança do cataclisma de Balbina ainda é muito forte.
Quando surgiu a ideia do fio d'água no Madeira, o primeiro a aceitar foi o
Ministério do Meio Ambiente, sob a alegação que os impactos seriam mínimos ou
não existiriam. Outros impactos foram ainda escamoteados durante o processo de
licenciamento ambiental, como a presença de indígenas em isolamento voluntário,
que perambulam nas áreas do entorno de Jirau e Belo Monte. As usinas foram
aprovadas, receberam licenças e só depois foram divulgadas, oficialmente, as
notícias da presença dos isolados e os riscos que estão correndo. Eu chamo este
momento de "nova era do projeto Belo Monte", que depois de tantos
anos de resistência ressurge com a justificativa retrógrada e equivocada de que
já existe um desmatamento crônico na região. Então, não haveria problema em se
criar mais impactos, típica política do fato consumado e que a
"missão" de Belo Monte seria de promover o desenvolvimento e
preservar o meio ambiente, como disse o Tolmasquim, num flagrante desrespeito à
inteligência do brasileiro. Lemos todos os dias na mídia como é que estão
"preservando" alguma coisa lá em Belo Monte, as imagens recentes não
deixam dúvidas sobre a destruição. Para avaliar adequadamente os
resultados de todos os impactos, do desmatamento ao deslocamento compulsório de
milhares de pessoas, seria preciso escrever um tratado em vários volumes.