quinta-feira, 3 de maio de 2012

Rio+20 e a matriz energética brasileira - Parte II


Telma Monteiro

Energia Elétrica

Se o Brasil pretende se confirmar como liderança em energias limpas na conferência Rio+20, deve começar por levar e discutir propostas consistentes de programas de eficiência energética, de descentralização da geração e pensar numa matriz nacional de transportes coerente com essa postura.  Posar de grande detentor da matriz energética mais verde do mundo é uma falácia.

Rever as políticas energéticas adotadas nos últimos 20 anos é uma boa ideia para a nação anfitriã da Rio+20. O Brasil quer ser a quinta maior economia do mundo. Para isso precisa construir uma sociedade regida por um sistema energético sustentável.  Uma sociedade sustentável.
A geração de energia por hidrelétricas já ocupa uma posição secundária no mundo porque os países ricos esgotaram seus potenciais. O governo brasileiro continua investindo no mesmo modelo sem observar as sequelas dos outros países e aprender com os erros deles. Vamos esgotar também o nosso potencial?

O Brasil é um país privilegiado, pois conta com abundância de sol, vento e  biodiversidade. Essa é a equação ideal para estimular o incremento das fontes limpas de energia, eólica e solar, na matriz energética. Porém, incentivos mesmo, só para construir barragens, "preferência nacional" do planejamento ofertista de energia elétrica.

O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDEE) 2020 chama a Amazônia de "potencial[1]", "potencial inventariado[2]". Ele prevê a completa exploração da fonte hídrica de energia na Amazônia , como se essa fosse a vocação natural da floresta.  É com essa visão obliterada que o Brasil está sendo considerado uma referência na Rio+20.  

O governo de Dilma Rousseff desconsidera  as mudanças climáticas que alteram o regime de águas nos rios da Amazônia.  Já chamou de fantasia a pretensão de gerar energia com fontes alternativas genuinamente limpas.  Talvez considere delirio as alterações do clima. O modelo econômico atual está levando o planeta para o ponto de desequilíbrio de onde não será possível retornar.

Bom exemplo de liderança seria apresentar uma análise mais abrangente das alternativas genuinamente limpas que pudessem complementar as usinas hidrelétricas existentes. A conferência talvez não Rio+20 não fracassasse. Incentivos à pesquisa de novas tecnologias para tornar mais competitivas as energias alternativas, também seriam bem-vindos.

Até o momento sabe-se que a Rio+20 pretende ignorar as mudanças climáticas.

Energia elétrica limpa e barata?

O PDEE 2020 prevê 24 novas grandes usinas hidrelétricas na Amazônia brasileira entre 2016 e 2020 (tabela abaixo). No rio Madeira duas grandes hidrelétricas já estão sendo construídas e provocam sérias alterações na dinâmica do rio, da floresta e do ambiente urbano, conflitos trabalhistas violentos nos canteiros de obras, acompanhados de denúncias de trabalho análogo ao escravo. O projeto de Belo Monte, no rio Xingu, parece vencer os quase 30 anos de resistência dos movimentos sociais. A usina de Estreito, no rio Tocantins, já em início de operação mostra impactos sociais e ambientais e destruição provocada pela abertura das comportas durante as cheias.

As barragens são consideradas os maiores projetos individuais no quesito  investimento. Elas têm custos altos mal detalhados, tornam vulneráveis as regiões em que se inserem e produzem grandes passivos ambientais e sociais. Os programas de compensação e mitigação não têm acompanhamento, fiscalização ou controle social.  

As hidrelétricas hoje, no Brasil, servem como moeda de troca para suprir as carências regionais, enormes lacunas deixadas pelo Estado.  Elas podem gerar energia barata? Os custos socioambientais, na verdade, não são contabilizados.

Gerar energia implica em alteração do ambiente.  A energia eólica quando é mal planejada pode gerar conflitos pelo uso do espaço, impactos sobre a fauna e ruído. A tecnologia atual de energia solar requer ainda a utilização de materiais como o arsênio, cádmio ou silício. A biomassa implica em subutilizar terras férteis.

Nenhuma dessas fontes, porém, leva ao deslocamento compulsório de dezenas de milhares de pessoas (no Brasil já são mais de um milhão de desalojados por projetos hidrelétricos) ou afeta os direitos das populações tradicionais, a sobrevivência de povos indígenas ou leva à extinção de espécies da fauna e flora. Só hidrelétricas alteram o ambiente urbano e rural, o clima, destroem ecossistemas. Mas são consideradas "limpas e baratas" pelo governo brasileiro.

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, diz que as energias alternativas limpas como a eólica e solar são caras. Serão sempre caras se não houver incentivos para torná-las competitivas no mercado. Falta economia de escala.

Da mesma forma que hidroeletricidade não pode ser considerada limpa, também não pode ser considerada barata. É cara do ponto de vista dos custos de implantação e a conta de luz é também é muito cara para o consumidor final.  As tarifas de energia elétrica residencial e industrial praticadas no Brasil (80% da energia vêm de geração hidrelétrica) estão entre as dez mais caras do mundo. Isso derruba definitivamente o mito da energia barata.

Considerar essa energia limpa e barata é um engodo. A expansão de energia prioriza hidrelétrica usando a teoria ultrapassada da disponibilidade farta encontrada graças à  exuberância da Amazônia. A Amazônia não é só uma dádiva da natureza, mas é, principalmente, berço de povos milenares.

O que prevalece é a cultura das empreiteiras em busca de obras faraônicas. O concreto das barragens e as escavações em rocha no solo da floresta são financiados por dinheiro público a juros subsidiados.  Quem fiscaliza?

Na Parte III vou mostrar a composição de uma conta de luz e os encargos que incidem sobre ela

Leia também:
Aneel autoriza empresas atrocarem energia mais barata por mais cara. Consumidores pagarão a diferença 

[1] Por potencial hidrelétrico entende-se o potencial possível técnica e economicamente aproveitado nas condições atuais de tecnologia. É medido em termos de energia firme, que é a geração máxima contínua na hipótese de repetição futura do período hidrológico crítico.
[2] Potencial inventariado compreende as usinas em operação ou construção e os aproveitamento disponíveis estudados no inventário, viabilidade e projeto básico.

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