Escrito por Wladimir Pomar[1]
Publicado no Correio da Cidadania, em 03 de julho de 2012
Durante a Cúpula dos Povos,
na Rio + 20, a construção da hidrelétrica de Belo Monte foi transformada num
dos crimes ambientais mais graves a ser derrotado pelos guerreiros
ambientalistas, de quase todas as correntes. Convenhamos que alguns dos
argumentos que eles apresentam são procedentes. O histórico de agressões
sociais e ambientais praticadas no processo de construção de hidrelétricas no
Brasil pode constituir uma folha corrida policial relativamente extensa.
A construção de alternativas
de vida às populações que habitavam nas áreas alagadas pelas barragens foi, em
geral, negativa, seja em termos de produção agrícola, seja em termos de pesca,
os principais meios de vida dessas populações. Governos e engenheiros
simplesmente não se preocuparam em construir escadas apropriadas para os peixes
realizarem a piracema e desovarem a montante da região das barragens.
Com essa falta, introduziram uma mudança drástica na reprodução das espécies
desses animais.
O mesmo ocorreu com a
navegação fluvial, pelo simples fato dos projetos não incluírem comportas que
permitissem elevar e baixar as embarcações à montante e à jusante. Isso, para
não falar dos grandes desastres ambientais e financeiros promovidos pelas construções
das represas de Balbina e Tucuruí, que inundaram extensas massas de florestas,
causando a emissão de gases e a mortandade de parte considerável da fauna das
regiões onde se localizaram.
Todas essas populações, que
em geral chamam a si mesmas de barrageiras, contam histórias que se
assemelham a tragédias. Indenizações que não foram pagas, ou foram
insuficientes para a retomada da vida, já em condições diferentes das que
viviam antes. Ausência de serviços públicos nas vilas em que foram instaladas, assim
como uma série de outros problemas que as deixam saudosas da vida anterior,
embora tal vida também fosse de pobreza e dificuldades, oudificulidades, como
costumam frisar. A rigor, nenhuma nova oportunidade de trabalho e
desenvolvimento social lhes foi apresentada.
Talvez diante disso e da
crescente mobilização social contra Belo Monte, a Norte Energia, o consórcio
estatal-privado responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte,
tenha decidido trazer a público um anúncio sobre a obra. Esperava-se que tal
anúncio não só detalhasse o fato de que a represa de Belo Monte terá um baixo
impacto ambiental, em parte devido à alagação mínima, por empregar turbinas de
geração de fio d’água, em parte por ter planos para permitir a piracema e a
navegação fluvial. E que comprovasse que o impacto social previsto deverá ser
mais positivo do que negativo, por incluir medidas de promoção do
desenvolvimento econômico e social das populações indígenas e não-indígenas
atingidas pela obra, além daquelas necessárias para evitar o colapso dos
serviços públicos de saúde, educação e outros, em virtude do aumento
populacional da região durante as obras.
No entanto, o que se viu foi
um anúncio institucional tradicional sobre a grandeza da obra. O que nos leva a
considerar quatro possibilidades. Primeira, os dirigentes desse empreendimento
não estão cientes das forças econômicas e políticas interessadas em impedir o
processo de desenvolvimento econômico e social do Brasil, do qual a
hidrelétrica de Belo Monte é peça estratégica. Segunda, eles sabem disso, mas
desprezam a crescente mobilização social que pode emparedar o governo.
Terceira, consideram que não precisam levar em conta os argumentos levantados
por essa mobilização, por avaliarem que tais argumentos se baseiam no histórico
passado de construção hidrelétrica, não nos detalhes do projeto de Belo Monte.
Quarta, o que seria pior, ignoram todas as possibilidades acima e acham que
basta fazer a publicidade institucional.
Porém, independentemente das
possibilidades acima serem verdadeiras ou não, chegou a hora dos responsáveis
por essa obra estratégica considerarem seriamente que há uma profunda disputa
internacional e nacional para impedir essa obra, disputa que não está restrita
a governos e empresários, mas está desbordando para uma mobilização social e
política. E que isso está ocorrendo, em grande parte, em virtude da falta de
ações ofensivas de informação e de debate técnico, social e político por parte
dos que consideram a obra estratégica para o desenvolvimento brasileiro.
Em outras palavras, chegou a
hora dos responsáveis pela execução do projeto, que possuem todas as
informações necessárias, entrarem na batalha social e política, explicando em
detalhes tudo o que está planejado para evitar os erros do passado e atender às
demandas de mitigação ambiental e desenvolvimento social, transformando a
mobilização contra a represa de Belo Monte em mobilização a favor. Mesmo porque
já há experiências concretas de correção dos erros do passado, a exemplo da
escada para a piracema da barragem de Itaipu e das comportas de Tucuruí.
A missão de travar essa
batalha não pode ficar restrita à militância política que compreende a
importância do projeto, pelo simples fato de que a voz dessa militância não tem
o peso dos que são diretamente encarregados de dirigi-lo. Portanto, é uma
missão a ser realizada principalmente por estes e pelos setores do governo
envolvidos no problema. A não ser que aquelas possibilidades sejam reais.
[1] Wladimir Pomar é
escritor e analista político