domingo, 8 de julho de 2012

Brasil não cumpre convenção da OIT que garante consulta prévia a índios em projetos, diz procuradora


Indígenas Munduruku
Foto: Telma Monteiro

Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil

São Paulo – A Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi ratificada pelo Brasil, internalizada pelo direito brasileiro em 2004 e dá aos índios o direito de serem ouvidos e informados antes de que um empreendimento ou projeto governamental venha a explorar os recursos das terras indígenas em suas comunidades, não está sendo cumprida.

A conclusão foi apresentada pela procuradora regional da República em São Paulo, Maria Luiza Grabner, durante a oficina Os Povos Indígenas e o Direito à Consulta Prévia, Livre e Informada, que terminou hoje (2) na aldeia Tenondé Porã, em Paralheiros, na zona sul de São Paulo, e teve a participação de lideranças de 12 aldeias de índios guaranis de São Paulo.

“[O governo brasileiro] não tem cumprido a convenção da OIT”, disse Maria Luiza, que participou da oficina, que é promovida pela Comissão Pró-Índio de São Paulo. “Muitas vezes, o que vemos são arremedos de consulta ou oitivas, quando o processo político já aconteceu e a tomada de decisões já ocorreu”, falou a procuradora.

Um informe divulgado pela OIT este ano mostrou que o direito à consulta pública no Brasil não foi respeitado nos casos envolvendo a construção da usina de Belo Monte, no Rio Xingu, por exemplo. Segundo Lucia Andrade, coordenadora da Comissão Pró-Índio de São Paulo, as lideranças indígenas também relataram que o mesmo ocorreu na obra de construção do Rodoanel, em São Paulo.

“Essa é uma das maiores queixas dos povos indígenas. Os empreendimentos estão acontecendo, os projetos de lei estão sendo aprovados sem que exista uma real consulta. Muitas vezes, o que ocorre é uma comunicação, somente informando que o projeto será realizado, mas sem que seja construído um acordo”, disse Lucia Andrade.

Segundo Renato Mendes, da Organização Mundial do Trabalho, a ratificação da convenção pelo Brasil obriga que o governo informe aos povos indígenas e quilombolas sobre obras que podem afetar a comunidade onde vivem.

“O Brasil, nesse momento, após a ratificação da convenção, quer regulamentar um de seus artigos, que se relaciona à consulta prévia, livre e informada, que é esse direito. Povos indígenas e comunidades reconhecidas como sujeitos de direito, como os quilombolas, têm o direito de, em qualquer obra ou ação da política pública, legislativa, administrativa ou judiciária, e que possa afetar a vida e o desenvolvimento desses povos, receber informação para saber as consequências dessa tomada de decisão”, disse Mendes.

Caso não seja possível um acordo entre as partes, será preciso estabelecer procedimentos para minimizar os impactos negativos sobre a vida desses povos. “A consulta prévia é um processo de negociação para chegar ao consenso”, acrescentou.

Em janeiro deste ano, o governo federal criou um grupo de trabalho para estudar, avaliar e apresentar uma proposta de regulamentação dos procedimentos de consulta prévia prevista na Convenção 169. A proposta deverá ser aprovada até dezembro de 2013, após a realização de vários encontros regionais, em todo o Brasil.

Conscientização - A oficina Os Povos Indígenas e o Direito à Consulta Prévia, Livre e Informada teve início na última sexta-feira (29) e terminou hoje (02) com a participação de líderes indígenas de aldeias da capital paulista, do litoral sul e norte de São Paulo e do Vale do Ribeira. A intenção de se promover a oficina, segundo a procuradora Lúcia Andrade, é preparar os índios guaranis para participar do processo de regulamentação da consulta prévia.

Para os indígenas, a participação nas oficinas foi muito importante. “Como os indígenas não saem muito das aldeias e preferem a tranquilidade, alguns acabam não tendo muito conhecimento sobre projetos de lei e emendas que afetam seus territórios e suas vidas. Como é uma oficina dentro da aldeia, isso ajuda muito”, disse o índio Adriano Veríssimo (em guarani, Karai Poty), coordenador educacional do Centro de Educação e Cultural Indígena (Ceci) e que vive na aldeia Tenondé Porã.

“Até sabia que existia a lei, mas nunca soubemos como deveríamos compartilhá-la”, disse Alcides Mariano Gomes, cacique da aldeia Paranapuã, em São Vicente (SP). “O governo brasileiro primeiro faz os projetos e vem com os projetos todos prontos para apresentar aos indígenas e, dependendo da situação, acho que deveria haver uma negociação. Não só para o lado dos brancos, mas para o lado dos índios. Ficamos um pouco tristes porque não sabíamos [da convenção], mas era um direito que estava sendo escondido”. Tudo o que aprendeu durante a oficina, Alcides pretende compartilhar com sua aldeia.

Edição: Fábio Massalli 

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