Acampamento Terra Livre em defesa do rio Xingu, contra Belo Monte Em agosto 2010 Foto: Verena Glass |
Texto original publicado no Correio da Cidadania,
em 20 de agosto de 2012
Em 2005, o Decreto Legislativo 788/2005, do Congresso Nacional, autorizou a construção de Belo Monte. Postergou-se a consulta aos indígenas. Como disse, nesta semana, o Desembargador Souza Prudente, depois de mais um voto brilhante que parou Belo Monte: "a consulta não pode ser póstuma". A justiça mandou parar Belo Monte. A hora da verdade chegou. Para os que não acreditavam ser possível, o fato histórico aconteceu. É manchete nos principais jornais do mundo.
Telma Monteiro*
O projeto de Belo Monte foi
proposto para operar à custa da redução da vazão de um trecho de
aproximadamente 130 quilômetros chamado de Volta Grande do Xingu. Lá estão
localizadas as Terras Indígenas Paquiçamba, Arara da Volta Grande e Trincheira
Bacajá. Cinco municípios seriam
diretamente afetados: Vitória do Xingu, Altamira, Senador José Porfírio, Anapu
e Brasil Novo.
Em 2005, o Decreto Legislativo 788/2005,
do Congresso Nacional, autorizou a construção de Belo
Monte. Postergou-se a consulta aos indígenas. Como disse, nesta semana, o
Desembargador Souza Prudente, depois de mais um voto brilhante que parou Belo
Monte: "a consulta não pode ser
póstuma" [aos indígenas que sofrerão os impactos do empreendimento].
Fonte: Estudos Etnoecológicos - Avaliação Ambiental, Eletrobras, 2009 |
Os indígenas da TI Paquiçamba e da
TI Arara da Volta Grande seriam as maiores vítimas dos impactos diretos, pois estão
justamente no trecho da vazão reduzida. O decreto simplesmente ignorou a consulta
prévia e a necessidade de estudos etnoecológicos dos indígenas.
No início de 2006, com o Decreto
Legislativo 788/2005 na mão, inconstitucional, pois os
indígenas não seriam ouvidos previamente, a Eletrobras pediu a abertura do
processo de licenciamento no Ibama. Propôs seu próprio Termo de Referência –
que seria atribuição do Ibama - para elaboração do EIA/RIMA. A partir daí o projeto foi "vendido"
às instituições envolvidas e o processo, então, teve início sem estudos e sem a
oitiva dos indígenas.
Foi nesse momento, quando a
Eletrobras deu início aos trâmites do licenciamento no Ibama, que o Ministério
Público do Pará ajuizou a Ação Civil Pública (ACP) com pedido de liminar contra
a Eletronorte e Ibama. Deviam paralisar os estudos de Belo Monte, uma vez que faltava
a oitiva dos povos indígenas afetados pelo empreendimento.
A Constituição Federal estabelece no artigo 231, §3º, que "O aproveitamento dos recursos
hídricos, incluídos os potenciais energéticos em terras indígenas só podem ser
efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas". A Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil, também estabelece a
necessidde de consultas prévias aos indígenas.
Em 28 de março de 2006 o MPF
obteve a liminar que suspendia o processo de licenciamento de Belo Monte. A
vitória foi saboreada por pouco tempo. Em menos de 60 dias, em 16 de maio de
2006, caía a liminar. O processo de licenciamento teve luz verde para
prosseguir.
Um dos pontos interessantes desse
caso é que o Ibama jamais teve intenção de realizar a oitiva ou consulta às
comunidades indígenas. Iria sim, promover as reuniões públicas para ouvir a
comunidade com relação aos pontos a serem abordados no EIA/RIMA. A oitiva também não caberia à Funai, como
chegou a sugerir o Ibama[1].
O processo de licenciamento
prosseguiu. O desrespeito à Constituição Federal e à Convenção 169 da OIT foram
flagrantes. Riscos de impactos às comunidades indígenas foram suplantados pela
celeridade do processo de licenciamento.
Depois de seis anos, em 13 de
agosto de 2012, a ação do MPF foi julgada pelo Tribunal da Regional Federal da
1ª Região, 5ª Turma. O MPF estava certo, a sociedade estava certa, os indígenas
estavam certos, a justiça finalmente, através do volto do relator,
Desembargador Souza Prudente, prevaleceu nessa etapa do processo. Por
unanimidade, a decisão mandou parar as obras de Belo Monte até que os indígenas
sejam ouvidos pelo Congresso Nacional.
Aparando arestas
No final de 2007 o Ibama convocou
a Funai para discutir o Termo de Referência dos Estudos
Etonoecológicos/Socioambientais indígenas e os procedimentos da oitiva à
comunidades indígenas. A reunião aconteceu em janeiro de 2008. As empresas
Engevix, Themag e Techne estavam presentes e deram o tom[2].
Na apresentação feita pelas
empresas constava a consulta aos indígenas pelo Congresso Nacional como parte
da proposta dos estudos Etnoecológicos dentro do EIA/RIMA. Mas a consulta seria
só depois dos estudos.
O texto de um dos slides menciona
" resistências" ao novo
projeto de Belo Monte por parte das comunidades indígenas, dos antropólogos e
demais agentes atuantes junto aos indígenas. Foi mencionada uma "necessidade de esclarecer as
informações negativas sobre o Empreendimento difundidas no meio indígena da
região, que induzem à desconfiança sobre a transparência do processo".
Hilário. De qual transparência
estariam falando?
A estratégia proposta foi,
claramente, de aparar as arestas de desconfiança com "comunicação direta e formal às Comunidades habitantes das Terras Indígenas
objeto dos estudos: esclarecendo-as a respeito do novo projeto do AHE Belo
Monte. As reuniões, por iniciativa dos próprios índios e da Funai". Estava
"permitida" a presença de antropólogos e instituições, para dar
"esclarecimentos" sobre o "novo" projeto.
Seria uma espécie de imposição e
convencimento para viabilizar uma possível consulta futura protagonizada pelo
Congresso Nacional. Preparar o
"caminho".
O penúltimo slide da apresentação sugere
que os estudos antropológicos e o EIA/RIMA, depois de prontos e aprovados pelo
Ibama e Funai, "serão encaminhados
ao Congresso Nacional , que convocará a oitiva com as Comunidades Indígenas
afetadas, consolidando os compromissos assumidos com elas".[3]
Apesar da repercussão da ACP do MPF, de 2006, a proposta dos
interessados confirmou uma inversão da ordem e a violação da CF: depois das
reuniões de "esclarecimento" aos indígenas, os estudos seriam aprovados
pelas instituições envolvidas – Ibama e Funai. Por último, o Congresso
Nacional. Se fosse necessário.
O
EIA/RIMA e a falta do Termo de Referência
Em 27 de janeiro de 2007 a empresa e.labore contratada para fazer
EIA/RIMA de Belo Monte enviou uma correspondência ao Ibama apontando a
impossibilidade de fazê-lo devido a falta do Termo de Referência. Como o MPF já havia se manifestado em busca do
Termo de Referência, que não existia, seria preciso mudar o "discurso
estratégico". Que tal enrolar a opinião pública?
A empresa confirmou que já estaria
envolvida na confecção dos estudos sem o Termo de Referência e ainda sugeriu à
Diretoria do Ibama expedir um no "padrão-genérico". Também pediu ao Ibama para "expedir documento oficial, solicitando que
os responsáveis pelo projeto complementem o Termo de Referência
padrão/genérico, alegando deficiência infra-estrutural e podendo aproveitar os
estudos de inventário em consecução;"
O MPF teve acesso a esse documento
e ajuizou uma ACP, em 16 de abril de 2007, apontando a ilegalidade proposta e
pedindo que o Ibama não continuasse o processo de licenciamento sem o Termo de
Referência[4].
Mais irregularidades
Os estudos ambientais não estavam
finalizados, em 2009, quando o Ibama questionou a falta de informações de
alguns aspectos ambientais. Os reservatórios que manteriam permanentemente
inundados áreas sazonais, como os igarapés de Altamira e Ambé e parte da área
rural de Vitória do Xingu; a redução da vazão a jusante (rio abaixo) na Volta
Grande; a interrupção do transporte fluvial das comunidades ribeirinhas. Nessa
época estimava-se em 2.000 famílias a população
a ser remanejada em Altamira, 813 em Vitória do Xingu e 400 famílias
ribeirinhas.
*Telma Monteiro é colunista do Correio da Cidadania
[1] Informação N 12/2009 –
COHID/CGENE/DILIC/IBAMA – Volume V, páginas 893 do processo de licenciamento.
[2] Volume IV, páginas 603 a
615 do processo de licenciamento.
[3] Volume IV, página 613, do
processo de licenciamento.
[4] Ação Civil Pública
Ambiental, com pedido de liminar, em face de Eletrobras- Centrais Elétricas
Brasileiras S.A. – Volume III, páginas 483 a 506 do processo de licenciamento.
EM DEFESA DO PLANETA. JUNTOS,SEMPRE!
ResponderExcluirAPÓIO QUALQUER INICIATIVA QUE DEFENDA A VIDA NA TERRA E PRESERVE NOSSAS RIQUEZAS NATURAIS. O CUIDADO COM OS ÍNDIOS SERIA COMO CUIDAR DAS NOSSAS RAÍZES.HAVERÁ UM TEMPO EM QUE SE VERÁ DELES APENAS FOTOS...ISSO É TRISTE! MEU PAI É DESCENDENTE AYMORÉ? ONDE ESTÃO ELES???
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