Terra Indígena Yanomami (em rosa, no centro) e os processos minerários (quadradinhos amarelos) |
Índios yanomami rejeitam parecer do Projeto de Lei que pretende regulamentar exploração minerária em suas terrasAldeia Watoriki, Barcelos (AM) , 02 de Novembro de 2012
Por Elaíze Farias, A Crítica
Napë não tem dado trégua aos yanomami. Nem quando tira ouro de
forma ilegal nem agora, quando apresenta um documento para legitimar a
atividade garimpeira. Napë é “homem branco” na língua yanomami. Se for inimigo,
ganha uma sílaba a mais: napëpë.
Para os yanomami,
napëpë são os garimpeiros que desde os anos 80 vêm invadindo suas terras,
contaminando seus rios, destruindo suas florestas e matando sua população por
massacre e por doença. Os garimpeiros saem, são retirados, mas retornam. Mas a
partir de agora, nepëpë podem também ser os políticos e as autoridades que
querem permitir a entrada de grandes empresas mineradoras em suas terras.
Enquanto os pais discutiam problemas da aldeia, crianças aproveitavam o dia |
A nova face da corrida do
ouro que tanto assombra os índios yanomami deixou de ser um fantasma, uma ameaça
que, embora próxima, não se concretizava. Em tramitação desde 1996, o Projeto
de Lei que regulamenta a exploração de minérios em terra indígena recebeu uma
nova versão, desta vez do deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR). O substitutivo
foi anunciado neste mês e colocado para consulta na Internet.
“Os problemas com o garimpo aconteceram, foram reduzidos, mas
agora estão se repetindo. O Congresso Nacional quer aprovar o projeto de
mineração. As empresas já estão de olho nas terras dos índios. Eles estão
discutindo e pensam que, por estarmos longe, não estamos escutando. Estamos na
floresta, mas sabemos de tudo”, diz Davi Kopenawa, principal liderança indígena
do povo yanomami e que há 25 anos vem denunciando a presença de garimpo ilegal
na área.
Assembleia
Entre os dias 15 e 20 do mês passado, o garimpo ilegal e a
regulamentação da mineração em terra indígena foram dois dos principais
assuntos discutidos na 7ª Assembleia da Hutukara Associação Yanomami e
Ye´kuana, realizada na aldeia Watoriki, casa de Davi, região do Município de
Barcelos, no Amazonas, divisa com o Estado de Roraima.
Para Davi, a
entrada da mineração na terra yanomami vai levar calamidade a seu povo. “Vai
sujar a fonte do rio, a água que a gente bebe, vai abrir estrada, derrubar
milhares de árvores grandes e pequenas, entrar máquina pesada, que para nós é
como monstro grande. Muita gente vai querer vir para cá, até de outros países,
para pegar ouro, diamante e pedras preciosas. Não queremos mineração na nossa
terra”, afirmou.
Realmente, há muitas
empresas “de olho” na riqueza minerária da terra indígena yanomami. A pedido da
reportagem de A CRÍTICA, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM),
enviou a lista mais atualizada de requerimentos de pesquisa minerária. São mais
de 650 processos pedidos desde a década de 70 até o ano de 2012 apenas na TI
Yanomami, em áreas dos Estados de Amazonas e Roraima, para explorar diferentes
substâncias, não apenas ouro.
Um mapa do DNPM o
qual a reportagem teve acesso torna mais nítida – e chocante – a dimensão
territorial cobiçada pelas empresas de mineração na terra yanomami.
A pesquisadora
independente Telma Monteiro, que identificou e editou a cobertura requerida
pelas empresas exclusivamente para A CRÍTICA, estima que 80% da terra dos
índios yanomami estão destinadas às empresas mineradoras que apenas aguardam a
regulamentação.
Freios
O deputado federal Édio Lopes, autor do substitutivo, defende o
projeto lembrando que a regulamentação está prevista na Constituição de 1988.
Ele ressalta que as comunidades indígenas serão consultadas e que “alguns
freios” serão estabelecidos. Lopes inclui, nesta condição, as terras ainda não
homologadas e os índios considerados por eles de “arredios e de pouca
compreensão da sociedade do branco”.
O PL prevê um
pagamento mensal de 2% do faturamento bruto à população indígena afetada pela
atividade de mineração. Indagado se os yanomami estão na segunda categoria, já
que suas terras são homologadas, ele deu a seguinte afirmação:
“Sim, eles são
arredios e não conhecem muito do nosso sistema. Mas existem yanomami que são a
favor. Estive numa audiência em São Gabriel da Cachoeira (no Amazonas) e havia
índio yanomami que queria mineração. Apenas os yanomami influenciados pelo Davi
é que não querem”, disse Lopes.
Constituição
O deputado
federal Edio Lopes, autor do substitutivo, defende o projeto lembrando que a
regulamentação está prevista na Constituição de 1988. Ele ressalta que as
comunidades indígenas serão consultadas e que “alguns freios” serão
estabelecidos. Lopes inclui nesta condição as terras ainda não homologadas e os
índios considerados por eles de “arredios e de pouca compreensão da sociedade
do branco”.
O PL prevê um
pagamento mensal de 2% à população indígena afetada pela atividade de
mineração.
Indagado se os yanomami
estão na segunda categoria, já que suas terras homologadas, ele afirmou deu a
seguinte afirmação: “Sim, eles são arredios e não conhecem muito do nosso
sistema. Mas há yanomami que são a favor. Estive numa audiência em São
Gabriel da Cachoeira (Amazonas) e havia índio yanomami que queria mineração.
Apenas os yanomami influenciados pelo Davi é que não querem”, disse Lopes.
Recurso do MPF
O Ministério Público Federal de Roraima entrou no último dia 15
de outubro com um recurso no Tribunal Regional Federal 1 (TRF1) pedindo a
anulação de todos os requerimentos pendentes no DNPM de lavra garimpeira e de
pesquisa de mineração em terra indígena no Brasil – e não apenas em Roraima.
O MPF/RR já havia
entrado com uma antecipação de tutela contra o DNMP com o mesmo pedido, mas a
liminar foi negada. De acordo com a procuradoria federal de Roraima, apenas
naquele Estado há 1.200 pedidos de lavra em terra indígena.
Para o procurador
Fernando Pacheco, este pedido não tem regulamentação legal e nem deveria estar
sobrestado. Pacheco acredita que, com a repercussão atual em função da
divulgação do substitutivo do deputado Edio Lopes, a peça seja enfim acatada.
Na ação, o
procurador Fernando Pacheco diz que o que há em vigor atualmente no DNPM é “a
prática ilegal de suspensão do procedimento administrativo de autorização de
pesquisa mineral em terra indígena, sem um prazo definido, prática essa que tem
a nítida função de garantir o direito de preferência ao requerente da área,
quando sobrevier legislação regulamentadora dos dispositivos constitucionais
acima citados”,
“Para cada pedido
de lavra é preciso uma consulta prévia e livre. A comunidade indígena pode
negar, uma vez que o Brasil signatário de tratados internacionais que prevê a
consulta aos povos indígenas”, afirmou Pacheco.
Fernando Pacheco,
que participou da assembléia da Hutukara, na aldeia Watoriki, demonstrou
preocupação com o avanço do interesse minerário na terra yanomami,
especialmente neste momento em que se caminha para sua regulamentação.
“O garimpo já tem
um efeito devastador para as comunidades yanomami, com poluição do meio
ambiente e eclosão da violência. Se a exploração minerária for regulamentada
com a expedição das lavras haverá o risco de uma alteração total de uma cultura
absolutamente única no Brasil e que tem um grau de preservação quase incomparável
com as outras que é a dos yanomami”, destacou.
O antropólogo
Ricardo Verdum, assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), disse
ao jornal A CRÍTICA que se preocupa com o modo como o assunto vem sendo tratado
pelo legislativo federal, desconsiderando a legislação nacional e internacional
no que se refere ao direito dos povos indígenas à consulta livre, prévia e
informada.
“A Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho entrou em vigor
internacionalmente em 5 de setembro de 1991. Ela tem três artigos que são
extremamente relevantes para essa temática da consulta prévia, que são o
artigo. 6º, o artigo 7º e o artigo 15º. Resumindo o que é estabelecido
nesses três artigos, eu digo o seguinte: que é garantido aos povos
indígenas definir suas próprias prioridades de desenvolvimento; é
garantido a eles controlar, na maior medida do possível, seu próprio
desenvolvimento econômico, social e cultural; é garantido a esses povos
participar da formulação, da implementação e da avaliação de planos e
programas de é garantido a esses povos participar da formulação, da
implementação e da avaliação de planos e programas de desenvolvimento
nacional e regional que possam afetá-los diretamente”, destacou.
Entrevista com o geólogo Paulo Ribeiro de Santana, ouvidor do
DNMP
Pergunta: As empresas que
entraram com estes pedidos de pesquisa já tiveram suas demandas concedidas.
Não.
Pergunta: O DNPM vai aguardar a
regulamentação da mineração em terra indígena?
Resposta: Não, os
processos estão todos sobrestados.
Pergunta: Caso os pedidos ainda não
tenham sido atendidos, as empresas terão preferência na concessão, quando o
Congresso Nacional aprovar o projeto de lei?
Resposta: Quem
vai responder a esta pergunta é o novo texto que for aprovado pelo Congresso Nacional,
que ninguém sabe se é o que o Deputado está propondo como Substitutivo. Não
significa que o Substitutivo será aprovado, ele certamente será submetido à
apreciação dos parlamentares para deliberação se sim ou não.
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