Entrevista especial com
Telma Monteiro
“A
estrutura a ser criada no novo Marco Legal da mineração é exatamente similar ao
da energia elétrica, só mudam as siglas”, constata a educadora ambiental.
Confira a entrevista.
“O mesmo Estado que criou áreas de proteção para preservar os biomas demarcou terras indígenas, discutiu por anos a fio o novo Código Florestal, e agora está criando um monstro na forma de um novo Marco Legal da mineração que vai afetar justamente essas mesmas áreas especiais, explorando seus recursos minerais”. A declaração é de Telma Monteiro, ao criticar a proposta de um novo Código da Mineração. Para ela, a elaboração de um novo código para o setor causa a impressão de que “o Estado, que não tem (ainda) o poder de anular as leis já existentes ou de extingui-las, opta por criar novas leis que, na prática, acabam anulando as que se opõem aos seus projetos de poder”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Telma diz
que a maior parte dos projetos de mineração está na Amazônia Legal, em unidades
de conservação e em terras indígenas. Segundo ela, o atual Marco Legal da área
impossibilita validar a mineração em determinadas áreas. Por isso, “foi
preciso, então, aproveitando a tramitação do PL 1610/96, começar atrair
investidores com uma possível viabilização, em paralelo do novo Marco Legal da
mineração brasileira”. E acrescenta: “É uma operação casada, na verdade, um
tripé que vai permitir que o governo
passe a leiloar, como na energia elétrica, o direito de exploração
mineral”.
Telma
Monteiro é especialista em análise de processos de licenciamento
ambiental.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que fatores motivam a
alteração no Código da Mineração? Em que consiste e como avalia a proposta de
um novo marco regulatório para o setor?
Telma Monteiro (foto) – Segundo
o governo, burocracia e “fraqueza” do poder concedente foram diagnosticadas
como os principais problemas do setor de mineração. Em meu entender, isso
significa que o Estado se sente inseguro e, como não dizer, pouco soberano com
o estado da arte da mineração brasileira.
Quando se olha o mapa do Brasil, em especial o da Amazônia Legal, com a sobreposição
dos processos minerários, nota-se que a maior parte desses processos está
localizada em unidades de conservação e em terras indígenas. Ora, com o atual
Marco Legal é praticamente impossível viabilizar a mineração em áreas especiais
e não há investidor disposto a bancar o risco.
Então, aproveitando a tramitação do Projeto de Lei n. 1610/96, foi preciso
começar atrair investidores com uma possível viabilização, paralelamente ao
novo Marco Legal da mineração brasileira. É uma operação casada, na verdade
trata-se de um tripé que vai permitir que o governo passe a leiloar, como na
energia elétrica, o direito de exploração mineral: Plano
Nacional de Mineração 2030 que foi lançado em 2011, o Marco Legal que
também começou a ser discutido em 2011 e o Projeto de Lei n. 1610/96, que
passou a ter uma visibilidade maior também em 2011.
É muito importante ressaltar que o Congresso pretende votar o mais rápido
possível, este ano ainda, o Código da Mineração. A estrutura a ser criada no
novo Marco Legal da mineração é exatamente similar ao da energia elétrica, só
mudam as siglas. O Ministério de Minas e Energia vai ter o poder total sobre a
exploração dos recursos minerários no Brasil. É uma concentração de poder num
único ministério, sem precedentes na história.
IHU On-Line – Como você avalia o
Projeto de Lei n. 1610, que regulamenta a exploração de minérios em terra
indígena?
Telma Monteiro – Uma comissão
especial da Câmara dos Deputados está funcionando para dar um parecer sobre o PL
1610/96 de autoria do senador Romero Jucá (PMDB/RR). Eu não acredito
no objetivo de fazer uma legislação moderna sobre mineração, voltada para a
realidade brasileira, sem consultar os principais interessados no assunto: os
indígenas.
A presidente Dilma quer acelerar o processo, pois o Projeto de Lei já foi
aprovado pelo Senado e agora tramita na Câmara dos Deputados. Há um
entendimento do Ministério Público e das lideranças indígenas no sentido de que
a matéria seja vinculada ao Estatuto dos Povos Indígenas que tramita com
dificuldade no Congresso. Porém, a própria comissão especial já sinalizou que
não seria possível.
A principal preocupação com relação ao PL 1610/96 é quanto ao poder
de veto da comunidade. Embora se fale em oitivas conforme determina a
Constituição Federal, a decisão não seria vinculante. Isso seria o mesmo que
aprovar a exploração mineral e terra indígena antecipadamente. A oitiva
funcionaria como uma praxe
para apenas legitimar.
IHU On-Line – Quais as implicações
da mineração para os índios Yanomami?
Telma Monteiro – Se for
aprovada no Congresso a lei que prevê a regulamentação da mineração em terras
indígenas, todos os indígenas do Brasil serão afetados, não apenas os Yanomami.
IHU On-Line – Como os índios
Yanomami se manifestam diante da mineração em suas terras? Há divergência de
opiniões?
Telma Monteiro – Os Yanomami são
contra a mineração em suas terras, pois acreditam que isso vai lhes trazer
problemas, prejuízos à saúde e dificuldades de relacionamento entre eles. Estão
preocupados com a degradação ambiental que a mineração causa e como isso
afetaria sua sobrevivência. Ainda não há divergências entre eles.
IHU On-Line – Você declarou
recentemente que 80% da terra dos índios Yanomami estão destinadas às empresas
mineradoras que apenas aguardam a regulamentação para extrair minério dessas
terras. Quais são as empresas envolvidas nesse processo?
Telma Monteiro – Posso citar
inúmeras empresas envolvidas com processos minerários no Departamento
Nacional de Produção Mineral – DNPM, em terra Yanomami. Algumas delas têm
dezenas de processos, mas o interessante é que não são conhecidas e na internet
só consta ocasionalmente um endereço físico. Tenho a impressão que são apenas
empresas formadas com o propósito específico de assegurar para o futuro a
“posse” de um naco do território quando for aprovada a mineração em terras
indígenas.
Imagino também que esses processos serão repassados a empresas maiores como
aconteceu no caso da mineradora canadense Belo
Sun Minig, no Xingu, que adquiriu parte dos direitos minerários de
titulares brasileiros. Eis os nomes de algumas empresas que têm números
expressivos de processos, todos na Terra Indígena Yanomami: Mineração
Amazônia Ltda., BR Mineração Ltda., Eldorado Norte Empresa de
Mineração Ltda., C.R. Almeida Engenharia e Construções (essa é
conhecida); Brasil Lithium Comércio e Indústria de Minérios Ltda.,Mineração
Guararema Ltda., Mineração Montes Roraima Ltda., Mineração Novo Astro
S.A., que pertence ou pertenceu a Eike Batista.
É interessante também notar que cada empresa tem interesses em várias
substâncias, tais como: ouro, cobre, nióbio, estanho, chumbo, manganês,
cassiterita, berílio, alumínio, platina, prata, tântalo, lítio, césio,
tungstênio, zinco, tantalita.
Quando se vê o mapa da terra indígena Yanomami sobreposta com os
processos minerários dá para se ter uma ideia da tragédia que seria caso
liberassem a mineração em terras indígenas. A maior parte do território está
quadriculada.
IHU On-Line – Quais são as maiores
contradições do Estado brasileiro em relação à mineração e à exploração dos
recursos minerais?
Telma Monteiro – A maior
contradição é que o mesmo Estado que criou áreas de proteção para preservar os
biomas demarcou terras indígenas, discutiu por anos a fio o novo Código
Florestal, e agora está criando um monstro na forma de um novo Marco Legal da
mineração que vai afetar justamente essas mesmas áreas especiais, explorando
seus recursos minerais.
A impressão que fica é que, à medida que o Estado, que não tem (ainda) o poder
de anular as leis já existentes ou de extingui-las, opta por criar novas leis
que, na prática, acabam anulando as que se opõem aos seus projetos de poder.
O Estado tem obrigação de cumprir a lei que, se existe, é graças à aspiração da
sociedade. O Estado não pode contornar o cumprimento da lei para satisfazer
interesses setoriais, criando outra lei.
IHU On-Line – Nos últimos dias a
imprensa tem divulgado notícias sobre a “corrida do ouro” no Pará, e da
possível atuação da Belo Sun Mining na região. Como avalia a atuação
internacional no território brasileiro? O que essa “corrida pelo ouro”
significa e quais as implicações disso para o Brasil?
Telma Monteiro – É muito
estranho a gente achar alguns sites de grandes empresas internacionais de
mineração com chamadas para os investimentos em minas de ouro no Brasil.
Empresas como Eldorado Gold, Belo Sun Mining, Brazilian Gold e International
Goldfields estão disputando palmo a palmo concessões na região do rio
Tapajós, no rio Teles Pires e no rio Juruena ondes serão
construídas ao todo mais de 20 hidrelétricas e outro tanto de PCHs.
Na região do Teles
Pires-MT, Província
Mineral de Alta Floresta, a australiana International Goldfields adquiriu,
em 2011, 90 % dos direitos minerários de uma área de 3,250 km².
Enfim, parece que estamos tendo mesmo uma nova “corrida pelo ouro” no Brasil.
As implicações só conheceremos, espero que não, se forem aprovados os projetos
do governo para minerar em terras indígenas e unidades de conservação. Até lá a
sociedade deve ficar atenta.
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