Índio isolado da TI Tanaru em fuga |
Telma
Monteiro
O
céu estava escuro, um nublado plúmbeo. Muito calor e umidade e ar abafado
traziam um silêncio agonizante na floresta. Um silvo ou assovio ecoou para
alertar os animais e espantar a indolência no ar. Humano?
O
ser coberto por um negrume que parecia pó de carvão imobilizou-se, mimetizado entre
ramos e galhos. Eram sombras suaves brincando na pele brilhante respingada de
gotículas. As passadas eram cuidadosas, mas pareciam retumbantes naquele
silêncio quebrado pelo som dos gravetos que gemiam ao seu peso. O índio
solitário tentava entender os movimentos e sons que vinham do meio da mata qual
um animal desconhecido.
O
galho estalou no alto da árvore. Um
vulto brilhou contra a luz pálida daquele dia cinza, mostrando dentes
reluzentes e forma desconhecida e assustadora. O índio arqueou o pescoço e viu
o monstro. E o barulho era indecifrável. Um ranger de ferros e correntes vinha de um grande objeto metálico. Apenas um espectro, sem carne e carcomido
pela ferrugem. O som era um rugido estranho e rescindia a óleo de palma.
A
criatura de metal era irreal para aquele ser assustado e já trêmulo. Em
posição de defesa, com a longa flecha diante do rosto apontava o inimigo
indecifrado. O metal descascado em algumas partes refletia um brilho esmaecido
pela luz filtrada por nuvens carregadas. Mais um passo e a curiosidade suplantou o
medo. Um naco da floresta, onde antes havia grandes árvores, tinha desaparecido.
Dali ele podia vislumbrar o rio. O seu rio corria furioso para se desvencilhar
dos troncos que boiavam criando formas abstratas num caos vociferante. A água estava tinta de terra vermelha. O medo
novamente o dominou e ele acreditou, por um momento, que o rio agonizava,
ferido.
Gritos
desconhecidos. De repente o céu desabou. Mas não era um trovão e ele esperou e olhou
para cima e não sentiu a chuva. E o rimbombar se repetiu e ele levou as mãos
aos ouvidos, caiu de joelhos imerso na angústia provocada pelo desconhecido.
Mais explosões e pequenas lascas de pedras caíram sobre seu corpo trêmulo.
Estaria diante de um deus enfurecido e desgostoso? Teria ele cometido algum ato
que o enfurecera? Que oração e oferendas seria preciso para acalmar esse novo
deus do mal?
Correu
de volta alucinado, percorrendo a margem enlameada do rio, do seu rio que sempre
o guiara de volta. O barulho ensurdecedor foi ficando mais longe, não o
perseguia. Prestou atenção nos pequenos roedores assustados que passavam em busca de abrigo. As copas das árvores se
agitavam com a fuga das aves e até o peixes pareciam irriquietos. A floresta
estava diferente. O seu mundo mudara.
Trôpego
alcançou abrigo atrás de uma grande castanheira. Lá em cima uma nuvem escura de
fumaça e um cheiro diferente impregnou o ar. Seu coração acelerado se recusou a
tomar o ritmo normal. O céu estaria desabando?
O
índio entendeu que era o fim do seu mundo. Correu.
NA: Esse texto é uma pequena homenagem ao único indígena, remanescente de uma etnia desconhecida, ameaçado pelo Complexo do Madeira, que se abriga e sobrevive da floresta amazônica, fugindo de qualquer forma de contato com outra cultura. O legado do seu conhecimento ancestral será reconhecido, no futuro, apenas pelos vestígios que deixará.
Merci Stéphane,
ResponderExcluirque dieu viennent en aide à toutes les forêts et leurs habitants !
*DoMica*