Carta
número 9: tragédias e barragens (a luta não acaba nem lá nem aqui)
Nós
saímos da ocupação da usina Belo Monte e viemos dialogar com o governo.
Nós não
fizemos um acordo com vocês. Nós aceitamos a reunião em Brasília porque, quanto
mais nós dizíamos que não sairíamos de lá, mais policiais vocês mandavam para o
canteiro de obras. E no mesmo dia em que seríamos tirados à força pela sua
polícia, vocês mataram um parente Terena no Mato Grosso do Sul. Então nós
decidimos que não queríamos outro morto. Nós evitamos uma tragédia, vocês não.
Vocês não evitam tragédias, vocês executam.
Viemos
aqui falar para vocês da outra tragédia que iremos lutar para evitar: a perda
do nosso território e da nossa vida. Nós não viemos negociar com vocês, porque
não se negocia nem território nem vida. Nós somos contra a construção de
barragens que matam a terra indígena, porque elas matam a cultura quando matam
o peixe e afogam a terra. E isso mata a gente sem precisar de arma. Vocês
continuam matando muito. Vocês simplesmente matam muito. Vocês já mataram
demais, faz 513 anos.
Não
viemos conversar só sobre uma barragem no Tapajós, como vocês estão falando na
imprensa. Nós viemos a Brasília exigir a suspensão dos estudos e das obras de
barragem nos rios Xingu, rio Tapajós e rio Teles Pires. Vocês não estão falando
apenas com o povo Munduruku. Vocês estão falando com os Xipaya, Kayapó, Arara,
Tupinambá e com todos os povos que estão juntos nessa luta, porque essa é uma
luta grande e de todos.
Nós não
trouxemos listas de pedidos. Nós somos contra as barragens. Exigimos o
compromisso do governo federal em consultar e garantir o direito a veto a
projetos que destroem a gente.
Mas
não. Vocês atropelam tudo e fazem o que querem. E para isso, vocês fazem de
tudo para dividir os povos indígenas. Nós viemos aqui dizer para vocês pararem,
porque nós vamos resistir juntos e unidos. Estamos reunidos há 35 dias em
Altamira, e por 17 dias nós ocupamos a principal hidrelétrica que vocês estão
construindo. Junto dessa carta nós estamos mandando todas as cartas das duas
ocupações que realizamos. Leiam tudo com atenção para entender nosso movimento.
E assim respeitá-lo, o que vocês não fizeram até hoje.
O
desrespeito não vem só nas palavras. Vem na ação de vocês.
Na
região da Volta Grande do Xingu, tudo está sendo destruído e virado de cabeça
para baixo, desde que vocês liberaram a construção da barragem Belo Monte.
Todos estão muito tristes e apenas os ricos ficaram bem. Os parentes brigaram
muito. Até os trabalhadores da obra sofrem.
No
Tapajós e Teles Pires, vocês estão começando agora, mas já nos desrespeitaram
muito.
Em
agosto de 2012, os seus pesquisadores começaram a invadir nossas terras e pegar
nossos animais e plantas e contar hectares e medir a água e furar nossa terra.
Em
outubro, a Funai e a Eletrobrás disseram em reunião que as barragens iriam sair
de qualquer jeito, com nós querendo ou não querendo. E que colocariam força
policial na nossa terra se fosse necessário.
Em
novembro, a polícia federal atacou e destruiu a aldeia Teles Pires, onde somos
todos contra as barragens. Adenilson Munduruku foi assassinado com três tiros e
outros 19 indígenas foram feridos. No final do mês nós fomos a Brasília
denunciar a operação da polícia ao Ministério da Justiça, Funai e Secretaria
Geral da Presidência da República. Também fomos ao Ministério Público Federal.
Em
janeiro de 2013, fizemos uma grande assembleia Munduruku na aldeia Sai Cinza,
onde foi entregue ao funcionário da Secretaria Geral da Presidência da
República um documento com 33 pontos de reivindicação.
No mês
seguinte, nós fomos novamente à Brasília exigir alguma resposta da Secretaria
Geral da Presidência sobre os 33 pontos. Conseguimos encontrar o ministro, mas
ele ignorou nossas reivindicações e tentou fazer com que nós assinássemos um
documento aceitando as hidrelétricas do rio Tapajós.
Para
garantir à força os estudos das barragens, em março de 2013 o governo baixa um
decreto que autoriza a entrada das tropas policiais em nossas terras. Um dia
depois nossas aldeias foram invadidas por pelotões de policiais.
No
Teles Pires, foram encontrados ossos de parentes, muito antigos. Vocês estão
destruindo um lugar sagrado.
Nós não pudemos aceitar mais isso. Por isso, ocupamos seu canteiro trazendo
nossa reivindicação, exigindo do governo o compromisso em respeitar os povos
originários desse país, em respeitar nosso direito à terra e à vida. Ou, pelo
menos, respeitar a sua própria lei – a Constituição e os tratados
internacionais que vocês assinam. Mas vocês querem destruir as leis que
protegem nós, povos indígenas, com outras leis e decretos novos. Vocês querem
legalizar destruição.
E agora
chegamos aqui com vocês. Esperando que afinal vocês nos ouçam, ao invés de
ouvir aqueles que pagam suas campanhas. Ainda que vocês não estejam dispostos a
aprender a ouvir, nós estamos dispostos a ensinar.
Canteiro
de obras de Belo Monte, Vitória do Xingu, 4 de junho de 2013