segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Hidrelétrica São Manoel: Cronologia de mais um desastre - Parte I

Salto Magessi no Rio Teles Pires - Foto: Mochileiro
por Telma Monteiro

O processo de licenciamento da usina hidrelétrica São Manoel, no rio Teles Pires, começou em 2007.  O pedido foi feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE)  ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama). O projeto prevê a potência instalada de 750MW e a potência firme de 410,6 MW.

A área de inundação foi calculada em 52,95 quilômetros quadrados, com extensão de 41 quilômetros, nos municípios de Paranaíta, estado do Mato Grosso (MT) e Jacareacanga, no Pará (PA), região hidrográfica da Amazônia. O projeto da UHE São Manoel pretende ser a fio d'água. A EPE fez a apresentação formal do empreendimento ao Ibama em 30 de janeiro de 2008. Estavam presentes representantes das diversas instância do Ibama, da EPE, da Agência Nacional de Águas (ANA), das empresas Leme Engenharia e Croncremat contratadas pela EPE. 

Complexo Hidrelétrico Teles Pires e Terras Indígenas
Oficializada a abertura do processo de licenciamento no Ibama, o passo seguinte foi a elaboração do Termo de Referência para orientar a elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental e Respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).  A EPE enviou ao Ibama, em 20 de fevereiro de 2008, uma proposta de Termo de Referência para elaboração do EIA/RIMA da UHE São Manoel, curiosamente datada de fevereiro de 2007, um ano antes.   

No período de 10 a 15 de março de 2008, o Ibama, como é praxe, realizou a vistoria técnica na área de influência da UHE São Manoel. Em 22 de julho de 2008 os técnicos do Ibama emitiram o relatório da vistoria técnica realizada em março. Esse relatório dá uma ideia clara das implicações futuras da construção da hidrelétrica em região de floresta preservada entre as corredeiras Sete Quedas e a foz do rio Apiacás no Teles Pires.

Beleza exuberante ameaçada

Foi possível no vôo de reconhecimento, segundo o relatório, contemplar o reservatório da outra hidrelétrica, já em construção, a UHE Teles Pires, a montante do ponto escolhido para o barramento da UHE São Manoel. Na região foram observadas castanheiras de grande porte dentro de uma matriz dominante de áreas florestais relativamente bem conservadas e com inúmeros igarapés ao longo dos dois futuros barramentos.
 Tanto a UHE São Manoel como a UHE Teles Pires estão inseridas em Área Prioritária para Conservação, Uso Sustentáel e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade Brasileira, segundo a Portaria n° 9 do Ministério do Meio Ambiente, de 23 de janeiro de 2007, esclarece o relatório. Ainda mais importante, tanto na margem esquerda como na direita do rio está uma área (Am043) considerada de importância biológica extremamente alta e prioridade de ação alta.

Os técnicos ainda ressaltaram que a localização do remanso do projeto da UHE São Manoel está a algumas centenas de metros rio abaixo da Sete Quedas e o eixo do barramento a apenas um quilometro de um terceiro projeto hidrelétrico previsto para ser construído na foz do rio Apiacás, a UHE Foz do Apiacás. Todos esses empreendimentos constam do inventário da bacia do rio Teles Pires.

Ainda, informa o relatório, a  importância da biodiversidade do local e  a relevância ecológica. Constataram a dinâmica pela presença de inúmeras ilhas que serão submersas, caso o projeto seja considerado viável, que requer estudos aprofundados de longo prazo. Some-se a isso locais de reprodução de espécies de peixes e de alimentação de animais sazonalmente inundados, que serão alterados.

Outra informação de suma importância está na constatação de que o local está próximo ao limite da Terra Indígena Kayabi. O texto ainda descreve a presença de andorinhas, araras-vermelhas, bugios, coatá-de-testa-branca, configurando a riqueza faunística da região escolhida para abrigar empreendimentos com tamanho potencial de destruição.

A ameaça já está lá

Outro fato que chama a atenção foi a constatação, pelos técnicos, da presença de acampamento de equipe de sondagem contratada ela Construtora Norberto Odebrecht. Sondagens e acampamento com desmatamento e danos à vegetação em plena Área de Proteção Permanente, não autorizado nesse caso. Antecipação de procedimentos sem a necessária declaração de utilidade pública ou autorização para intervenção em APP.

A urgência do PAC

Em 22 de julho de 2008, o presidente da EPE, Maurício Tolmasquin,  enviou ofício ao então presidente doIbama, Roberto Messias Franco, cobrando celeridade na emissão do Termo de Referência. Argumentou que São Manoel faz parte do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e que os processos decisórios devem obedecer o cronograma estabelecido pelo governo.

Tolmasquim, incomodado com aquilo que ele interpretava como atraso, mas que na verdade seria atinente aos procedimentos de licenciamento ambiental, mencionou que a apresentação do projeto e a concepção do EIA/RIMA eram do conhecimento dos analistas do Ibama desde janeiro de 2008 e a vistoria técnica fora realizada em março.
Cobrou e obteve. Em 25 de julho, o Ibama expediu o Termo de Referência. Mas, em 18 de setembro, a EPE protocolou uma análise do Termo de Referência do Ibama, para apresentar uma visão alternativa para o TR, "que incorpora conhecimentos já adquiridos das características regionais e do projeto, além da experiência do setor elétrico na elaboração de EIA/RIMA."

Entre as propostas está, por exemplo, a exclusão no TR das pré-definiões espaciais das áreas de influência do projeto. O Ibama  pediu que as áreas de influência indireta fossem definidas levando em consideração parte da bacia hidrográfica do rio Teles Pires. Reafirmou essa necessidade depois, em 21 de novembro de 2008, quando emitiu um novo TR aceitando algumas alterações da EPE e recusando outras.

Em 6 de março de 2009 a EPE enviou ao Ibama um novo ofício com justificativas para exclusão de quatro itens do TR com relação ao comportamento dos sedimentos nas diferentes vazões do rio Teles Pires a montante e a jusante do barramento da UHE Teles Pires. Esse estudo, segundo o Ibama se fazia necessário, uma vez que o remanso do reservatório da UHE São Manoel se estenderia até o barramento da UHE Teles Pires.

Para a EPE, no entanto, tais preocupações eram irrelevantes e valeram-se de observações técnicas em que minimizaram os efeitos dos sedimentos depositados ou transportados pelo rio Teles Pires. Aparentemente o Ibama aceitou a exclusão dos quatro itens do TR e o processo deu seguimento com a elaboração do EIA/RIMA  a partir de março de 2009.

A tentativa de dar um golpe no processo de licenciamento

A UHE São Manoel é uma das seis hidrelétricas planejadas para o rio Teles Pires e seu afluente Apiacás. Nesse conjunto, quatro delas estariam em processo de licenciamento pela Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) de MT. As UHEs São Manoel e Teles Pires estavam a cargo do Ibama.

Em 18 de março de 2009 , o analista ambiental Fernando de Carvalho Bittencourt, lotado no Ibama de MT, encaminhou em ofício, ao Departamento de Licenciamento Ambiental (DILIC),  uma representação do Ministério Público Estadual de MT, assinado pelo promotor Luiz Alberto Esteves Scaloppe. Nesse ofício o analista entende que implantar hidrelétricas em sequência no rio Teles Pires, com dispensa do EIA/RIMA dada pelo Conselho de Meio Ambiente (Consema) de MT, seria uma temeridade. Se reporta à importância dos argumentos do promotor e à preocupação da Conselho Estadual de Recursos Hídricos de MT (CEHIDRO), nesse sentido.

A representação do MP ao Ibama tinha, realmente, argumentos suficientes para provar que vários empreendimentos planejados numa mesma bacia hidrográfica, como o Complexo Hidrelétrico do rio Teles Pires, não poderiam ser licenciados isoladamente. Os efeitos sinérgicos e cumulativos de significativos impactos ambientais estavam sendo  ignorados nos estudos ambientais. Diante disso o promotor pedia a apreciação e providência ao Ibama para que promovesse a unificação dos estudos.

Componente Indígena e a tolerância da Funai

Em 02 de outubro de 2009, a Fundação Nacional do Índio (Funai) encaminhou à EPE o Termo de Referência para os estudos do Componente Indígena. Estranhamente, no entanto, a Funai diz no ofício de encaminhamento que está atendendo "à solicitação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), no sentido que o Termo de Referência para os estudos do Componente Indígena abrangesse esses dois empreendimentos [ UHE São Manoel e UHE Foz do Apiacás], devido a sua proximidade geográfica."

A Funai informa ainda que o TR para os estudos do Componente Indígena foi elaborado a partir de "reuniões de esclarecimento nas comunidades indígenas." Resta saber se essas reuniões de esclarecimentos mencionadas aconteceram, quando e em quais comunidades. E as memórias dessas reuniões?

O TR da Funai reforça que para os dois empreendimentos, UHE São Manoel e UHE Foz do Apiacás, é facultado a elaboração de apenas um estudo do Componente Indígena que vai integrar os dois processos de licenciamento. Só não mencionam que a UHE Foz do Apiacás estava em processo de licenciamento na Secretaria Estadual do Meio Ambiente do MT e não no Ibama.

Os índios isolados na região mereceram atenção no TR.

Continua na Parte II

Este artigo teve como base os documentos do processo de licenciamento da UHE São Manoel que tramita no Ibama.

2 comentários:

  1. É muito complicado isso!Nós povos indigenas ficamos em meio a uma obsessão desenfreada pelo progresso a todo custo deste governo,que ao que parece só querer melhorar os numeros economicos no rancking mundial de melhor economia.Mas o que adianta esta bem no rancking e não esta bem no social e ambiental.
    Isso é uma questão de ÉTICA!

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  2. Complicado o Brasil. O Governo preocupado em aumentar a oferta de energia. Os índios preocupados em não ter o seu negócio (leia-se "garimpo ilegal e exteração ilegal de madeira" afetado... difícil chegar a um consenso...

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