Foto: Telma Monteiro Nota de Repúdio |
Nós, organizações da
sociedade civil, movimentos sociais, observadores independentes, que fomos
convidados para reunião da Associação
Pusuru dos indígenas Munduruku, realizada ao dia três de agosto de 2013, no
ginásio poliesportivo da cidade de Jacareacanga, sudoeste do Estado do Pará, vimos a público
relatar alguns acontecimentos que nos deixaram apreensivos e preocupados com a
forma como o poder público municipal vem tratando a população indígena (para
informações divulgadas no dia do evento, ver http://faor.org.br/?noticiaId=1291).
Do poder da polícia, do poder da prefeitura e do poder que nenhum dos
dois têm
Consideramos ostensiva e
desnecessária a presença de policiais do Grupo de Operações Tático, da Polícia
Militar do Estado do Pará, durante toda a reunião. A presença e as atitudes dos
policiais, portando fuzis e abordando as pessoas com perguntas, intimidando
tanto as lideranças indígenas como pessoas ligadas à sociedade civil organizada
ferem o direito de livre manifestação de opinião, crença e opção política
garantidos a grupos ou indivíduos conforme Artigo 5 da Constituição Federal,
sendo este um direito fundamental. Estas mesmas pessoas abordadas e intimidadas
tiveram, assim, seus direitos violados quando foram impedidas de registrar em vídeo ou fotografia a reunião,
para as quais foram convidadas. Pessoas podem se manifestar e não querer que
sua imagem seja veiculada. É um direito garantido pelo mesmo Artigo 5 da CF.
Entretanto, quando o registro é impedido não pelos indígenas, sujeitos da
reunião, mas pela Prefeitura que ordenou o reforço da vigilância para que os
atos não ocorressem, a questão é outra.
Embora o recado aos movimentos sociais tenha sido dado por um representante
indígena, a Prefeitura anunciou o feito de antemão já adiantando que se tratava
de reunião interna dos indígenas Munduruku “com o poder público local a fim de
garantir o diálogo, a conciliação o progresso e a paz” na cidade do sudoeste
paraense. Os únicos autorizados: o CIMI, que tem longa experiência de
militância na região (mas, que também foi reprimido; ver nota disponível em http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=7071&action=read), e a TV
Buré, afiliado do SBT em Jacareacanga. O único detalhe: o prefeito é um dos
donos da afiliada TV Buré. Dessa forma,
o registro autorizado da TV Buré foi garantido pelo Prefeito que em diálogo para
a estabilidade local concordou com o Tático, representando a Força Nacional
localmente, e a Polícia Militar local que os movimentos sociais não poderiam
registrar a reunião e que as faixas que portaram até Jacareacanga, a pedido de
membros da Coordenação da Associação Pusuru, não poderiam ser abertas, pois
isso pertubaria a possibilidade e a conciliação dos indígenas com o poder
local, sendo esta mesma ação interferência em assuntos internos. Dito isso por
um representante indígena, pelo Prefeito e pela Polícia, formou-se a mesa de
abertura do evento em que quatro brancos contrastavam com três indígenas da Associação
Pusuru. Ora, cabe lembrar que a Prefeitura não tem poder de polícia. Tampouco a
própria polícia, que teria este tal poder de manter a segurança e de reprimir o
que está supostamente fora de ordem, pode tomá-lo e exercê-lo quando nada ou
ninguém pertuba a ordem ou alguma denúncia é feita. Sendo este o caso, a tentativa de apreensão de equipamentos, bem
como a pressão para que imagens de retirada de faixas fossem apagadas, exercida
pela Polícia e ordenada pela Prefeitura, é não só interferência entre poderes
como abuso dos poderes que estas instituições teriam para “garantir a
democracia, promover a segurança e trazer o desenvolvimento” de Jacareacanga,
como dito na mesa de abertura da reunião. Da mesma maneira, ficamos nos
perguntando de que maneira nos parar na rua, fora da reunião, exigindo saber
quem éramos, de onde vínhamos e o que estávamos fazendo também esclarece muito
pouco do que seria esta tal manutenção da segurança para o desenvolvimento.
Pareceu-nos mais uma vez arbitrariedade e violação de mais um direito
fundamental garantido no Artigo 5, o de livre trânsito, apenas restrito quando
a paz está ameaçada. Neste caso, a interpretação da paz ameaçada foi feita
unicamente pelo prefeito junto com o assessor e a Polícia que se sentiram na
posição de definir e executar as ações (des)cabíveis
2) Do Artigo 232 da Constituição Federal e da limitação da autonomia da
organização indígena
Causou-nos estranheza o
fato de assessores do prefeito Raulien Queiroz (PT-PA) repetirem para caciques
Munduruku que a reunião tinha sido paga pela Prefeitura e que se eles não
aceitassem a forma como a mesma era conduzida,
teriam que arcar com os custos do encontro eles próprios. Da mesma
maneira, foi o mesmo Prefeito um dos primeiros a dizer que a presença do
movimento social pertubaria a reunião e configuraria influência sobre os
indígenas, sendo que um dos representantes no local, atuante na Associação e na
Prefeitura confirmou a situação. Sendo assim, parece que a Prefeitura, como
declarado poder público local, segundo a fala na mesa de abertura, poderia ser
aliado do movimento e da associação indígena, conferindo a ela mesma o poder de
proteção contra quaisquer outros atores externos que, ao influenciar os
indígenas, pertubariam a ordem em Jacareacanga. Cabe lembrar que esta aliança
se configurou na reunião com a relação intrínseca entre o poder policial e o
suposto apoio financeiro dado ao aluguel de cadeiras, som etc que, aliás, eram
do assessor de assuntos indígenas do prefeito. Tal ação é claro ato de intervenção
e coação daqueles que são a base constituinte da Associação Pusuru, ou seja,
os próprios indígenas moradores das cerca de 103 aldeias ao longo do Tapajós e
da parte do Teles Pires. Segundo o Artigo 232 da CF, “Os índios, suas
comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em
defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos
os atos do processo.” Sendo assim, se fosse para exprimir esta opinião ou para nos reprimir, que tivesse
sido feito pela Associação Pusuru, que tem autonomia para isso. Ainda, se algum
poder ou instituição julgasse pertinente intervir em um processo de
solidariedade e aliança que estava sendo construído entre o Fórum da Amazônia
Oriental (FAOR) e a Pusuru, que fosse o Ministério Público, que teria atribuição
para isso, inclusive para a própria observância das ações do Tático (Ministério
Público Estadual) ou do Tático servindo a Força Nacional (Ministério Público
Federal) em todo o processo da reunião do dia 03 de agosto. Por fim, cabe
esclarecer na discussão da autonomia da organização indígena, inclusive para
escolher seus parceiros e aliados, que não é verdade que a Prefeitura foi a
única responsável por garantir o orçamento da reunião. Para a mesma, a pedido da então vice-coordenadora da
Associação Pusuru, o FAOR contribuiu com R$ 2.888,00 para a compra de
combustível para que parte daquele poder constituinte da Associação - os
próprios índios - pudessem participar do evento, sem nenhum comprometimento com
o poder local.
3) Da mudança da pauta, da eleição inesperada e do deslocamento da
política Munduruku para a cidade
Um ponto para o qual
atentamos logo no início é que na pauta que nos foi entregue pela então
vice-coordenadora havia menção a uma análise de conjuntura, mas não à questão
das barragens. A conjuntura estava mais focada na discussão sobre a situação de
depredação de prédios públicos do que no dilema das hidrelétricas. Embora a
Consulta Prévia tenha sido mencionada - e tanto a Prefeitura como a Polícia
garantiram que a mesma iria ser feita em ambiente de diálogo com poder público
local -, logo de início foi também colocado que este não seria o ponto da
“reunião interna” e que, portanto, não aceitariam polêmica no local a este respeito.
Da mesma maneira, foi-nos passado que os convidados seriam apresentados e
poderiam explicar a razão de sua presença no local; no caso, nós da sociedade
civil. O mesmo não aconteceu, pois a então vice-coordenadora, nosso ponto focal
na Pusuru, quase foi impedida de entrar na reunião, junto com os guerreiros
Munduruku e outras lideranças jovens, já que foi alegado que era uma reunião
apenas de caciques.
Ligada à mudança da pauta,
surpreendeu-nos o fato de que uma nova eleição para a coordenação da Associação
Pusuru foi anunciada após o almoço quando a) não estava definida na pauta, b)
eleições Munduruku ocorrem nas Assembleias Gerais, nas aldeias e c) com o
avançar das discussões e das tensões ao surgir a possibilidade de eleição,
havia sido dito que seria no próximo dia (Domingo, 04 de agosto). Entendemos
que, como houve uma Assembléia Geral do Povo Munduruku em janeiro deste ano,
onde foi eleita a diretoria, a mesma só poderia ser substituída e uma nova
eleição convocada, caso fosse chamada uma nova Assembléia Geral. Como o
encontro se tratou de reunião e envolveu todas as tensões descritas já pelo
colaborador do CIMI, e por todos nós na nota divulgada no dia 03 de Agosto, não
imaginávamos - nem mesmo a então vice-coordenadora e os guerreiros - que tal
fato fosse acontecer. Nesta eleição à toque de caixa onde a votação foi feita
pela chamada de nomes e por mãos levantadas de acordo com os mesmos nomes,
seguida de contagem feita pelo assessor de assuntos indígenas da Prefeitura,
entre outros, foi estranho ver que a vice-coordenadora, Maria Leuza, não foi
nem ao menos candidata (os candidatos estavam pré-definidos). Ademais, dois dos
candidatos eleitos, entre eles o vice-coordenador, são conhecidos por já ter
defendido as barragens, enquanto as duas representantes, mulheres indígenas e
aliadas dos guerreiros Munduruku, colocam-se contra a construção de barragens
no Rio Tapajós. A rapidez e a forma como ocorreu a eleição fora dos padrões
estatutários, tanto de tempo, como de lugar (tendo sido os caciques levados para
a cidade) pode ser questionada, desta forma.Questionamos o fato não por pensar
que mudanças no estatuto ou nos esquemas representativos não pudessem ser
feitos pelos Munduruku, de acordo com sua autonomia e auto-governança
garantidas constitucionalmente, mas porque foi nítida a influência da Prefeitura
no processo e a exclusão de alguns grupos do procedimento. Sobre isso, é
importante ressaltar que os guerreiros e a ex vice-coordenadora não se calaram,
fazendo um ato de protesto com danças e discursos nos quais diziam que lutar
pelo bem da comunidade envolvia trazer informação e resistir às hidrelétricas,
por meio das consultas com direito de veto, feitas nas aldeias. Felizmente,
Josias Munduruku continuou como líder dos guerreiros, embora com tentativa de
retirada. Contudo, pedimos atenção para o fato de que ao final da reunião o
representante indígena, que foi mestre de cerimônias da reunião, mencionando o
movimento social ao microfone ressaltou que aqueles quatro escolhidos pela
eleição, e somente eles, seriam os representantes e pontos focais para agir
politicamente e representar os Munduruku externamente. Ressaltou, ainda, que
estes coordenadores tinham sido escolhidos pelos caciques para representar o
povo e que qualquer conversa com os Munduruku deveria passar pela Pusuru, via
estes coordenadores, por meio de documentos timbrados, inclusive.
4) Do assédio moral do Prefeito
A atuação do Prefeito e de
seus assessores assediando moralmente, incluindo a aproximação física e a
ameaça de seu uso quando da afirmação de que se máquinas fotográficas de
pessoas específicas fossem usadas seriam quebradas, foi completamente
desnecessária. Entre outros fatores, esta ameaça e a abordagem truculenta de
uma das pessoas do movimento pela Polícia, sob ordem do prefeito, constitui não só violação administrativa
grave, mas incitação à violência e ao uso da força; neste caso, com ocorrência
de agressão física de fato. Soma-se a isso um efeito direto de tais ações que é
campanha de criminalização contra as organizações da sociedade civil e
movimentos sociais que nos preocupa muito, já que membros do movimento
permanecem em Jacareacanga, em solidariedade e apoio ao povo Munduruku. Por fim
e mais importante, este assédio moral e a criminalização daqueles que discordam
da posição do prefeito ou que foram afastados da Associação Pusuru também nos
preocupa. Tememos pela integridade física e moral da ex vice-coordenadora já
que a criminalização é difundida por entre os cidadãos de Jacareacanga, sendo o
ambiente de militarização notório na mesma cidade.
Por todo o exposto,
solicitamos urgentemente a atenção das autoridades competentes para:
a) Observação
imediata do resultado da reunião que destituiu a Sra. Maria Leuza Kabá, do cargo
de Vice- Coordenadora da Associação Pussuru, e a Sra Neuxa Krixi, do cargo de tesoureira
da mesma associação. Neste sentido, pedimos especial atenção ao fator alegado
de financiamento da reunião pela Prefeitura e de influência da mesma, na forma
de coação, sobre as decisões do líderes Munduruku presentes;
b) Envio imediato de observadores para a questão da violação de direitos
humanos dos povos Munduruku e, principalmente,
com fins de acompanhar o processo de Consulta Livre, Prévia e Informada sobre
as hidrelétricas do Rio Tapajós, tal qual foi anunciado que ocorreria e que era
prioridade para o novo e eleito mandato da Associação Pusuru;
c) Apuração
da conduta do Prefeito Raulien Queiroz e seus assessores
no que diz respeito ao cerceamento à liberdade de expressão e manifestação,
assim como a intimidação de ativistas e membros do movimento social e movimento
indígena, tal qual garantido nos Artigos 5 e 232 da Constituição Federal, e na
Convenção 169 da OIT, bem como na Declaração das Nações Unidas sobre os
Direitos dos Povos Indígenas, das quais o Brasil é signatário;
Assinam esta carta:
Comitê Metropolitano do
Movimento Xingu Vivo Para Sempre
Fórum da Amazônia Oriental (FAOR)
Rede Brasil sobre
Instituições Financeiras Multilaterais
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