AS PEGADAS DO BNDES NA AMAZÔNIA
Por Bruno Fonseca e Jéssica Mota
Parceria entre Agência Pública e O Eco vai mapear o aumento dos investimentos do BNDES em projetos de infraestrutura na região. Obras financiadas pelo banco são acusadas de disfarçar impactos ao meio ambiente, populações indígenas e trabalhadores.
Por Bruno Fonseca e Jéssica Mota
Parceria entre Agência Pública e O Eco vai mapear o aumento dos investimentos do BNDES em projetos de infraestrutura na região. Obras financiadas pelo banco são acusadas de disfarçar impactos ao meio ambiente, populações indígenas e trabalhadores.
Em uma das onze aldeias dos índios Arara do Rio
Branco no noroeste do Mato Grosso, Anita Vela Arara, a mais velha da sua
comunidade (tem 89 anos), está inconsolável. É que a “tia Nita”, como é
conhecida, assistiu à construção de um gigante de concreto sobre o cemitério
tradicional da aldeia, onde estavam alguns de seus familiares. Entre eles, sua
mãe e sua avó. Segundo Audecir Rodrigues Vela Arara, um dos líderes indígenas e
presidente do Instituto Maiwu, sua tia sabe quem é o culpado: a hidrelétrica de
Dardanelos, obra de cerca de R$ 745 milhões, mais da metade desse valor
financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Uma das primeiras
menina-dos-olhos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo
Federal, a usina foi construída entre 2007 e 2011 no rio Aripuanã, tirando
proveito do potencial hidrelétrico da área do Salto de Dardanelos, um complexo
de cachoeiras com mais de 150 metros de quedas d’água que são o cartão-postal
do município de Aripuanã. Há diversas espécies que só foram encontradas no
local, como o peixe-chinelão, catalogado em 2011. Os estudos de impacto da
hidrelétrica identificaram 316 espécies de aves, 133 de peixes, 50 de anfíbios
e 67 de répteis que vivem na área afetada diretamente por Dardanelos. Além
disso, os Arara do Rio Branco, grupo de cerca de 200 indígenas segundo dados da
Funasa, resistem na região, isto depois de quase terem sido dizimados nas
décadas de 1950 e 1960 devido a epidemias de gripe e varicela, resultado do
desastroso contato com seringueiros, ou por conflitos com grileiros partir da
década de 1970.
Audecir Arara ainda
se lembra da primeira Audiência Pública de esclarecimento sobre os estudos de
impacto ambiental de Dardanelos, em agosto de 2005. “A empresa trouxe a
proposta de construção da usina e disse que não teria muito impacto, mas isso
era a estratégia para as pessoas concordarem com a obra. O município aceitou
porque seria beneficiado e os únicos que foram contra eram as comunidades
indígenas, que seriam as mais afetadas”. A Terra Indígena Arara do Rio Branco,
com 114 mil hectares, foi
considerada Área de Influência Indireta (AII) por não estar localizada
diretamente na área da hidrelétrica. Na área de Aripuanã, há ainda mais três
Terras Indígenas reconhecidas, a TI Aripuanã, a TI Parque Aripuanã e a TI
Zoró. De acordo com a Coordenação Geral de Identificação e Delimitação da
Funai, há outras áreas reivindicadas no município.
Confira o infográfico no site
Confira o infográfico no site
Pouco depois, o
Ministério Público Estadual de Mato Grosso (MPE-MT) ajuizou ação civil pública
contra a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e todas as empresas envolvidas: a
Eletronorte, a Odebrecht e a Leme Engenharia (pertencente ao grupo Francês de
energia GDF Suez), além da consultoria Projetos e Consultorias de Engenharia
(PCE). A ação pediu o anulamento do estudo de impacto ambiental (EIA/Rima)
devido a “seríssimos vícios de legalidade”. O MPE alegava ausência de aprovação
junto ao Conselho Estadual de Meio Ambiente, falta de estudos de impactos fora
dos limites do município, além de não serem indicadas alternativas de locação
para implantação da usina. Também apontou que os estudos sequer consideraram a
instalação das linhas de transmissão de energia, omitindo tanto os impactos
decorrentes quanto os custos. “É certo que ninguém constrói uma hidrelétrica
para não ter linhas de transmissão para fazer escoar a energia. Dessa maneira,
não tem o menor cabimento o entendimento dos empreendedores, no sentido de que
a construção das linhas de transmissão representaria um empreendimento paralelo
ao ora licitado”, diz o texto da ação.
Para Dorival
Gonçalves Júnior, professor de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do
Mato Grosso consultado na época pelo MPE, a omissão do impacto das linhas de
transmissão de Dardanelos no EIA/Rima coloca em questão a viabilidade do
empreendimento. “Quando se analisava a hidrelétrica no mapa, você percebia que
ela somente poderia ser ligada ao Sistema Interligado Nacional através dos
Municípios de Sinop ou de Jauru. Isso obrigava a construção de uma linha de
mais de 500 km. Além disso, durante a seca, o rio passa um longo período, de
mais de 90 dias, com vazão muito baixa. Ou seja, durante mais de três meses do
ano a hidrelétrica praticamente não estará produzindo energia, que é justamente
quando ela poderia contribuir com o sistema nacional, visto que a eletricidade
produzida em Dardanelos é direcionada para o Sudeste. É uma obra extremamente
cara e, quando você soma o custo da construção da linha de transmissão ao que
ela produz, não é viável técnica, econômica ou ambientalmente, pelo impacto ao
potencial turístico do município”, critica. Pelo seu potencial turístico, a área
do Salto de Dardanelos faz parte do Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo
do Governo Federal (Proecotur).
O professor de
Biologia da UFMT, Francisco de Arruda Machado, também participou do grupo de
especialistas que embasou a ação do MPE. Ele e outros pesquisadores passaram
cerca de 30 meses realizando viagens constantes à região para identificar
problemas na central hidrelétrica de Faxinal, próxima ao local onde foi
construída Dardanelos. “Trechos encachoeirados de rios na Amazônia têm
características próprias e Dardanelos é um exemplo máximo disso, com uma biota
ímpar, tanto de espécies vegetais como animais. Diga-se de passagem que a
região toda trata-se de um “hot spot” da biodiversidade brasileira e da
Amazônia”, descreve. Segundo o pesquisador, a baixa produtividade da usina foi
um dos argumentados contrários à construção da hidrelétrica, pois não
compensaria o risco ambiental. “No próprio projeto da construção de Dardanelos
está mencionado que ela poderá funcionar no máximo sete meses por ano, pois por
durante cinco meses de seca anuais não haveria como tocar a usina. Então, por
que construir essa UHE se ela somente iria produzir energia nos meses de pico
da produção do país?”, questiona.
O Ministério Público
também criticou a construção de um parque aquático na área da hidrelétrica, o
Balneário Oásis, com piscinas, quadras de vôlei e basquete e campo de futebol,
que foi apresentado à população apesar de não ser objeto dos estudos de impacto
ambientais da usina. Segundo a ação civil, a apresentação do balneário teve a
finalidade de manipular a opinião da população para aprovação de Dardanelos.
Ilustração que serviu como apresentação para o Balneário Oásis
durante audiência pública em Aripuanã, em 2005. Ministério Público acusou
responsáveis de tentar manipular opinião popular com projeto, que deveria
apresentar estudo de impacto ambiental próprio.
Ainda em setembro de
2005, o MPE-MT ajuizou liminar para suspender a licitação da usina, decisão que
foi cassada pela Justiça de Mato Grosso, a pedido do Governo do Estado – na
época comandado por Blairo Maggi (PR-MT), premiado com o” motosserra de
ouro” pelo Greenpeace. Em seguida, em dezembro de 2005, Dardanelos foi excluída
do Leilão de Compra de Energia Elétrica Proveniente de Novos Empreendimentos de
Geração, realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) devido a
um parecer contrário do MPE. Entretanto, a vitória dos MPs foi curta. Em
janeiro de 2006, a então ministra da Casa Civil e atual presidente, Dilma
Rousseff, incluiu Dardanelos em um novo pacote de licitações de hidrelétricas
que foi aberto em maio.
Em outubro do mesmo
ano, o consórcio Energética Águas da Pedra S.A, formado pela Neoenergia,
Eletronorte, Odebrecht e Chesf venceu o leilão para venda de energia da
hidrelétrica. Em maio de 2007, era emitida a licença ambiental para Dardanelos
e, em setembro, começavam as obras de construção da usina.
DARDANELOS: ÍNDIOS FICAM SEM
CEMITÉRIO ANCESTRAL E AS RELÍQUIAS VÃO PARAR EM MUSEU
Descrita como “um
exemplo de como construir sem destruir” segundo a revista institucional da
Eletronorte, em menos de dois anos, Dardanelos transformou a vida no território
dos Arara do Rio Branco. “Vixe, mudou muita coisa, viu?”, diz Audecir Arara.
Segundo o líder indígena, o estouro das dinamites em áreas muito próximas às
aldeias afastou diversos animais que serviam de caça, como o mutum, ave
típica do sul do Amazonas. “As cachoeiras daqui também estão bem mais secas.
Teve também a questão social porque o fluxo de gente para trabalhar na construção
da usina foi muito grande”, diz. Além disso, Audecir aponta a destruição do
cemitério tradicional da aldeia, onde estavam os antepassados da “tia Nita”,
anciã do grupo. “Ela está muito triste, em parte é por causa dela que estamos
brigando. Queremos as urnas de volta para montar um museu aqui na aldeia”.
Segundo a publicação da Eletronorte, foram doadas ao Instituto do Homem
Brasileiro, na capital Cuiabá – a mil quilômetros dali – cerca de 100 mil peças
arqueológicas recuperadas na área de influência de Dardanelos, dentre
cerâmicas, panelas e urnas mortuárias que podem datar de sete a 15 mil anos.
Segundo o etnoarqueólogo Francisco Stuchi, que desenvolveu pesquisas etnoarqueológicas na
região, investigações anteriores a Dardanelos já apontavam a área como antigos
territórios indígenas, especificamente o local de contato dos povos Arara do
Rio Branco e Cintas-Largas com a sociedade não indígena e ponto de convergência
de outros povos da região. “Entre 2007 e 2009, pesquisas arqueológicas na área
do empreendimento identificaram e escavaram sítios grandes e densos podendo ser
interpretados como locais de habitação e os ditos cemitérios constituídos de
urnas funerárias. As datações obtidas nas escavações revelam uma longínqua
presença indígena no local, remetendo a mais antiga de 7.700 antes do presente
(AP), além de datas que apontam 4 mil, 2 mil, 1,5 mil até 150 anos atrás”,
explica. Ainda de acordo com o pesquisador, os grupos indígenas reivindicaram o
direito sobre esses sítios, o que gerou uma exigência por parte da Funai e do
Iphan da realização de pesquisas etnoarqueológicas para demonstrar a relação
destes povos com os sítios de Dardanelos. “Esta pesquisa, ainda em andamento,
já conta com mais de uma centena de antigas aldeias localizados na região, além
de relatos orais e outras informações que estão sendo analisadas, mas
preliminarmente corroboram com as pesquisas antropológicas e as
reivindicações indígenas que ainda veem Dardanelos com um local de importância
sagrada”, acrescenta Stuchi.
A hidrelétrica-de Dardanelos concluída – Foto: divulgação
Governo Federal, junho de 2008
Como
explica Gilberto Vieira dos Santos, conselheiro regional do Conselho
Indigenista Missionário, a comunidade indígena, que também inclui os índios
Cintas-Largas, tenta agora uma negociação de compensações pela perda
arqueológica, embora nenhuma compensação vá “dar conta do que foi perdido”. “A
gente fala em sítios arqueológicos, cemitérios, mas para eles são uma parte da
história que foi apagada”, acrescenta. O conselheiro aponta que os índios,
junto a organizações de defesa do meio ambiente e ativistas, pretendem se
articular para formar um comitê regional de defesa do território indígena,
sobretudo frente aos interesses de hidrelétricas e mineradoras. Apenas no rio
Aripuanã, há outras três pequenas centrais hidrelétricas, Juína e Faxinal I e
II). A empresa Votorantim já possui um projeto em andamento para extração mineral em Aripuanã previsto para começar ema 2016, com
produção anual de 60 mil toneladas de zinco, 20 toneladas de chumbo e 4 mil toneladas
de cobre, além de ouro e prata como subprodutos. “É um modelo de
desenvolvimento que não pensa as comunidades tradicionais, que não são ouvidas
e apenas são procuradas para apresentação do projeto em linguagem técnica, da
qual eles só entendem que serão prejudicados. Ou então para apresentar supostas
compensações”, critica Gilberto.
Além do impacto aos
grupos indígenas, a hidrelétrica pode ter trazido perdas ambientais sérias. O
estudante de doutorado do Instituto de Biociências da Universidade Federal do
Mato Grosso, Ricardo Alexandre Kawashita Ribeiro, realizou um monitoramento de
anfíbios e répteis a partir de 2004 na região do Salto de Dardanelos e
acompanhou o início da instalação do canteiro de obras da usina. De acordo com
o pesquisador, a área onde foi construído o canal de Dardanelos concentrava um
grande número de espécies, atualmente uma das regiões com maior diversidade de
anfíbios e répteis da Amazônia Legal brasileira. “Provavelmente, a construção
do canal impactou negativamente as populações que naquele local residiam e pode
ter até provocado extinções locais de algumas espécies. O Aripuanã é uma região
de altíssimo potencial biológico por concentrar uma riquíssima biodiversidade,
e deveria ser mais valorizada pelos órgãos ambientais”, explica.
Em
janeiro de 2008, ainda durante a construção da usina, ocorreu uma das últimas
tentativas de questionamento aos estudos de impactos ambientais da obra. Na
época, a Justiça acatou o pedido de 2005 do Ministério Público Estadual e
barrou a construção da Dardanelos. A liminar foi suspensa em julho do mesmo ano
pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região – o mesmo tribunal responsável por
autorizar o leilão da hidrelétrica em 2006. A usina também foi ocupada por
índios dos povos Arara do Rio Branco e Cintas-Largas pelo menos três vezes
entre 2010 e 2011, que fizeram funcionários reféns para exigir compensações
pelos impactos ambientais. Segundo a assessoria do MPE, atualmente há um
inquérito civil instaurado para acompanhar se o consórcio de Dardanelos está
cumprindo as medidas mitigadoras. Além disso, a Odebrecht foi condenada, em 2013, a
multa de R$ 2 milhões pelo Ministério Público do Trabalhopor
prática de terceirização ilícita e descumprimento de inúmeras normas de saúde e
segurança, após ser considerada culpada pela morte de um trabalhador nas obras
da hidrelétrica em 2009. Apesar de todos as contestações judiciais, a
ANEEL liberou o início da operação comercial de Dardanelos em agosto de 2011.
POR TRÁS DOS OBRAS, O BANCO DO
DESENVOLVIMENTO
Dardanelos foi uma
das primeiras hidrelétricas do Programa de Aceleração do Crescimento durante o
Governo Lula. Com um custo de cerca de R$ 745 milhões, a maior usina do Mato
Grosso teve financiamento de mais de R$ 485 milhões através do BNDES – o que
supera 65% do valor da obra.
O contrato foi
aprovado em outubro de 2008, quando a hidrelétrica já estava em construção, e
colocou Dardanelos dentre os 20 maiores financiamentos do BNDES desde 2008 na
área de infraestrutura no Brasil, segundo apuração realizada pela Agência
Pública em parceria com O Eco.
A lista é encabeçada
pela hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, com um acordo de mais de R$ 25
bilhões apenas para o consórcio Norte Energia. Não por acaso, cerca de metade
dos 20 maiores financiamentos do banco em infraestrutura nos últimos cinco anos
é relativa a hidrelétricas ou linhas de transmissão de energia: trata-se das
usinas de Belo Monte, Jirau (RO), Santo Antônio (RO), Teles Pires (MA e PA),
Estreito (TO), Santo Antônio do Jari (AP e PA), Dardanelos e Ferreira Gomes
(AP); além das linhas de transmissão Porto Velho-Araraquara da Norte Energia,
do sistema do rio Madeira, e das linhas da Companhia Energética do Maranhão.
DESEMBOLSOS DO BNDES EM
INFRAESTRUTURA NA AMAZÔNIA (2008-2012)
Valores em reais (R$)
Ainda dentro dos 20
maiores financiamentos do BNDES nos últimos cinco anos, investimentos
milionários no setor de energia também foram destinados às termelétricas de
Eike Batista no Maranhão, as UTEs Parnaíba e de Porto de Itaqui (da MPX, que
recentemente mudou seu nome para Eneva ). Juntas, elas receberam mais de R$ 2,3
bilhões do BNDES. O banco inclusive chegou a se pronunciar afirmando que
postergou prazos, realizou mudanças nos cálculos de conta de reserva e adiou
datas para o cumprimento de exigências técnicas em relação aos contratos com
Eike.
O setor de energia
tem sido, de longe, o mais beneficiado dentre os desembolsos da pasta de
infraesutrutra do BNDES – que tem aumentado de peso exponencialmente nos
últimos cinco anos. Em 2008, primeiro ano do projeto Janela da Transparência,
que disponibiliza na internet algumas informações sobre as operações de crédito
do banco, dos R$ 35,1 bilhões desembolsados pelo BNDES, R$ 8,6 bi foram
destinados ao setor de energia. Essa quantia saltou para R$ 14,2 bi em 2009,
quando foram liberados R$ 48,7 bi para todos os projetos de infraestrutura. O
número atingiu seu recorde histórico no ano passado, quando dos R$ 52,9 bi
desembolsados pelo banco para infraestrutura, R$ 18,9 bi foram exclusivos para
energia elétrica, cerca de 12% do total de liberações do BNDES em todo o ano,
de R$ 156 bi. Dos quase R$ 19 bi liberados para energia elétrica em 2012, R$
13,3 bi foram destinados às usinas e linhas de transmissão da região Norte do
país.
DESEMBOLSOS DO BNDES EM
INFRAESTRUTURA (2008-2012)
Valores em bilhões de
reais (R$ bi)
DESEMBOLSOS DO BNDES NO SETOR DE INFRAESTRUTURA
Valores em bilhões de
reais (R$ bi)
INVESTIMENTOS EM ENERGIA E INFAESTRUTURA FORAM QUESTIONADOS NA JUSTIÇA
A vitalidade dos
desembolsos do BNDES para geração de energia acompanha a lucratividade do setor.
A Energética Águas da Pedra, consórcio responsável pela usina de Dardanelos,
teve lucro de US$ 36 milhões em 2012. A Cemar, que fechou contratos de mais de
R$ 780 milhões com o BNDES nos últimos cinco anos, teve lucro de US$ 186
milhões em 2012. Entretanto, junto aos números financeiros expressivos, o setor
de energia acumula também inúmeras contestações judiciais, desde impactos ao
meio ambiente e a povos indígenas a sérias questões trabalhistas.
Na lista dos 20
maiores empreendimentos financiados pelo BNDES nos últimos cinco anos na região
da Amazônia Legal, todas as hidrelétricas foram alvo de ações judiciais. A
maior parte, partindo de acusações dos Ministérios Públicos Estaduais e
Federal. Entre eles, a emblemática obra de Belo Monte: entre acusações de
violação de direitos indígenas, exploração de trabalho escravo, licenciamento
inadequado e ausência de dados nos estudos de impactos ambientais, a
hidrelétrica enfrenta ao menos 15 processos na Justiça ajuizados pelo
Ministério Público Federal. O mesmo ocorre com as usinas de Jirau e Santo
Antônio, com contestações nos estudos de impactos ambientais e sociais; e as
denúncias de impactos não esclarecidos a populações indígenas da hidrelétrica
de Teles Pires, que inclusive já teve sua construção temporariamente embargada
na Justiça.
Os problemas também
são muitos no caso das termelétricas, como a UTE Porto de Itaqui, alvo de ação
civil pública do MPF, que apontava irregularidades como o descumprimento de
etapas previstas em normas administrativas e deficiências no licenciamento e
nos estudos apresentados pelo Ibama. As linhas de transmissão também são objeto
de questionamento do Ministério Público, como, por exemplo, a Porto
Velho-Araraquara, que foi acusada de não divulgar corretamente os estudos e relatórios
de impacto ambiental para as comunidades atingidas pela obra.
Muitas da obras
financiadas pelo BNDES não ligadas ao setor de energia também são questionadas.
Na lista de 20 maiores empreendimentos, é raro encontrar um que não tenha
passado por processos dos MPs ou da Justiça. A Construção de uma unidade
industrial da Suzano em Imperatriz, no Maranhão – um financiamento de de mais
de R$ 3,2 bilhões – é alvo de uma ação civil pública do Ministério Público do
Trabalho, que cobra indenizações de R$ 50 milhões e mais segurança após a morte
de dois trabalhadores em um acidente em setembro de 2012 na área de montagem de
uma das caldeiras da fábrica.
Já a ampliação da
estrada de ferro da Vale em Carajás, que soma mais de R$ 4 bilhões em contratos
com o BNDES, teve as obras paralisadas após liminar da Justiça Federal do
Maranhão, diante da dispensa de estudos de impacto ambiental no processo de
licenciamento do Ibama, em um território com áreas de conservação ambiental,
terras indígenas e comunidades quilombolas. O Ibama autorizou a obra sem a
realização prévia de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima) completo
obrigatório; apenas um estudo simplificado foi realizado.
A RESPONSABILIDADE DO BNDES
O Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social é uma empresa pública federal que opera com
o objetivo de fomentar a economia brasileira através de linhas de crédito,
financiamento, apoio com recursos não reembolsáveis e investimentos. O banco
atua por meio de diversos tipos de operações, direta e indiretamente, e concede
apoio financeiro a empreendimentos de pequena e grande escala, em diversos
setores como o agropecuário, o setor de exportação e também o de
infraestrutura.
As
principais fontes de recursos do BNDES são públicas. Segundo o Relatório Anual de 2012,
divulgado pelo banco, 27% dos recursos vêm do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT) e 52 % do Tesouro Nacional, que desde 2010 tem sido
o principal credor do BNDES. O banco também capta dinheiro de investidores
privados estrangeiros (mas somente 3%), através dos escritórios internacionais
que possui – um com sede em Londres e outro em Montevidéu.
A
maior parte dos 20 maiores investimentos econômicos de infraestrutura na
Amazônia,divulgados pelo banco a partir do ano
de 2008, são de operações diretas. É o caso da Usina
Hidrelétrica de Dardanelos, que recebeu a aprovação do projeto pelo banco em
outubro de 2008, no valor de R$ 485 milhões. Usualmente, de acordo com a
assessoria de imprensa do banco, os desembolsos para os projetos “são graduais
e ocorrem de acordo com o ritmo das obras. Cada nova liberação é sujeita à
comprovação da correta destinação dos recursos já desembolsados”.
Para
essa aprovação, entre as avaliações internas do banco, o BNDES realiza o que se
chama de Análise Socioambiental. Descrita em sua página oficial,
a Análise Socioambiental observa fatores como as legislações aplicáveis e a
política de responsabilidade social e ambiental do beneficiário. Segundo a
assessoria de imprensa do BNDES, essa análise é feita pelo Comitê de
Enquadramento e Crédito, formado pelos 23 superintendentes do banco – que com
base nas classificações de potencial de risco, discutem as recomendações
socioambientais ao projeto – e pela diretoria do BNDES, composta pelo
presidente, pelo vice e por sete diretores do banco. Durante o acompanhamento
da execução do projeto, a avaliação socioambiental é realizada pelas equipes
das áreas operacionais (área de energia, no caso de hidrelétricas, por exemplo)
em que projeto está alocado. Com base nessa análise, o BNDES pode recusar
projetos ou pedir que eles sejam reformulados.
Ainda
assim, das 20 maiores aprovações de financiamento a empreendimentos no setor de
infraestrutura na região amazônica entre 2008 e 2012, ao menos 16 sofreram
algum tipo de ação legal pelos Ministérios Públicos federais, estaduais e
trabalhistas e entidades da sociedade civil, relacionadas a questões
socioambientais – nove das quais são hidrelétricas ou linhas de transmissão de
energia. Entre os empreendimentos com maior valor de financiamento entre 2008 e
2012, a lista é encabeçada pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte, as Usinas de Jirau e Santo Antônio,
no Complexo do Rio Madeira e a Estrada de Ferro de Carajás, em
processo de duplicação.
Nesses casos, segundo
Caio Borges, pesquisador da Conectas, organização não governamental internacional
que atua na defesa dos direitos humanos, “o importante é olhar como a política
do banco foi se constituindo em outras formas e outros mecanismos internos de
avaliação de impactos socioambientais”.
Pela falta de
transparência do BNDES, não é possível avaliar qual é a eficácia desses
mecanismos. O BNDES, por exemplo, não disponibiliza ao público os relatórios de
avaliação finais dos projetos, que devem incluir a avaliação do cumprimento de
condicionantes socioambientais e de proteção aos direitos humanos e ao ser
questionado sobre os procedimentos internos adotados para verificar a
veracidade de informações fornecidas pelas empresas, o banco via sua assessoria
de imprensa respondeu que “o BNDES checa a validade formal dos documentos e
utiliza diversas fontes de informação”.
“Por mais que o BNDES
tenha uma série de instrumentos para poder avaliar e mitigar impactos
socioambientais, não é possível afirmar como esses instrumentos são efetivados
na prática, como ele trata as informações que ele recebe das empresas e faz com
que aquilo se converta efetivamente em condicionantes e que essas
condicionantes sejam observadas”, avalia o pesquisador.
No Pará, o Ministério
Público Federal entrou com ação direta contra o BNDES a respeito da Usina
Hidrelétrica de Belo Monte. A ação pede que sejam realizados novos estudos de
impactos aos índios Xikrin do rio Bacajá, na região afetada pelo
empreendimento. Os estudos realizados pela Norte Energia S/A – composta por
empresas estatais e privadas do setor elétrico, entre elas o Grupo Eletrobrás,
fundos de pensão e de investimento e empresas autoprodutoras, como a Vale – só
ficaram prontos um ano depois do início das obras da hidrelétrica e não
detalham impactos em relação à comunidade indígena. A última aprovação de financiamento
à obra de Belo Monte pelo BNDES foi em dezembro do ano passado, no valor de R$
9,81 bilhões.
Ainda que possua um
nível de responsabilização distinto em relação à empresa Norte Energia S/A,
para o MPF o banco de fomento econômico pode ser obrigado a pagar uma
indenização aos índios pelo atraso em medir e compensar os impactos causados a
eles. “Quando você tem um ente financiador que ao financiar uma atividade acaba
propiciando que essa atividade seja impactante, é dele também a
responsabilidade por dano ambiental”, defende o procurador federal do MPF/PA,
Ubiratan Cazetta, um dos responsáveis pela ação judicial.
“A nossa tese em
relação ao BNDES não é nem inovadora, já é algo bastante conhecido e bastante
discutido no Direito. É uma responsabilidade da atividade típica do BNDES. Toda
vez que ele financiar empreendimentos que tenham essa dimensão, ele assume o
risco”, completa Ubiratan Cazetta. “Nós temos cobrado que o BNDES estabeleça
uma política, tanto na aprovação quanto no acompanhamento do empreendimento,
que não seja meramente formal. Se você simplesmente diz ‘vou te financiar desde
que você tenha uma licença ambiental válida’ e pouco importa se essa licença é
completa ou não, se as condicionantes estão sendo bem executadas ou não, nós
entendemos que isso é uma posição formalista”.
“Não é possível dizer
que sempre haverá uma responsabilidade do BNDES por uma violação [ de direitos
humanos ]”, analisa Caio Borges. “Mas o que está crescendo é o entendimento de
que nos casos de financiamento direto fica a questão de provar se o BNDES
falhou em tomar as medidas apropriadas para evitar que as empresas cometam
esses abusos. Sem dúvida, olhando no geral, é possível dizer que em relação ao
que o banco poderia fazer, ao que outros bancos internacionais fazem e ao que a
legislação brasileira exige que o BNDES fizesse, ele não cumpre”.
Esta
reportagem produzida pela Agência Pública em parceria com o site O Eco faz
parte de um projeto de investigação sobre os investimentos do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na região amazônica, tanto no
Brasil, quanto nos países vizinhos.
Os dados estão sendo
coletados a partir das planilhas disponibilizadas pelo próprio BNDES em seu
site, no setor “BNDES Transparente”, que datam a partir de 2008, e de outras
fontes oficiais. Para esta matéria, foram selecionados apenas os investimentos
destinados aos Estados que compõem a Amazônia Legal no Brasil, especificamente
para o setor de infraestrutura (produção de energia; investimentos viários,
ferroviários e portuários; mineração; saneamento básico; infraestrutura urbana;
e implantação de plantas industriais).
Nas próximas semanas,
a Agência Pública e O Eco vão publicar mais reportagens e infográficos sobre os
investimentos do BNDES na Amazônia.Caso você não queira mais receber, acesse aqui para cancelar.
Boa tarde Dona Telma.
ResponderExcluirBonitas suas palavras em defesa dos "Inocentes indios do entorno de Belo Monte".
Mas já que a Sra. critica tanto as empresas, o IBAMA, e quem mais defendeu a instalação da usina, que tal a Sra. declarar ao público, de onde vem os recursos para a Sra. manter uma vida NABABESBA, no conforto do seu Resort ai no interior de São Paulo.
Vem viver a realidade de quem vive à luz de velas ou de barulhentos geradores a díesel e ai nós podemos conversar.
Não sei dos meus irmãos indios do entorno de Belo Monte,mas aqui na tribo onde vivo, uma usina hidroelétrica é muito bem vinda.
Kaishê-marê (Vida longa) para a Sra.