Índios Munduruku Foto: Telma Monteiro |
“Os brancos falam que tem muita terra para pouco índio e que nós não produzimos riqueza. Nós não entendemos pra que branco quer produzir tanta soja, se no Brasil não se come soja. Nós não entendemos pra que branco quer tanto dinheiro, se não vai poder levar dinheiro quando morrer. Nós não entendemos vocês porque somos diferentes de branco. E queremos continuar assim” (Ademir Kaba Munduruku).
MPF debate o direito à
consulta prévia com índios Munduruku
Fonte: ascom@prpa.mpf.gov.br
Equipe esteve essa semana
na aldeia Restinga, nas margens do rio Tapajós, para reunião com 62 caciques do
povo que resiste à implantação de hidrelétricas e reivindica consultas
Uma equipe do Ministério
Público Federal (MPF) visitou essa semana a aldeia Restinga, nas cabeceiras do
rio Tapajós, no oeste do Pará, para um encontro com 62 caciques do povo
Munduruku. O objetivo da reunião foi debater o direito à consulta prévia, livre
e informada previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT). Além dos líderes de aldeias, estavam reunidos mais de 400 homens, mulheres
e crianças na assembleia em que os índios debateram os projetos de
hidrelétricas que o governo brasileiro quer fazer em suas terras.
Na reunião, o MPF explicou
aos índios o que está previsto nos 44 artigos da Convenção 169, mostrando,
entre outras coisas, que o direito à consulta foi instituído visando assegurar
a autodeterminação dos povos indígenas e tribais, em oposição às anteriores
políticas de assimilação, que buscavam extinguir as culturas e modos de vida
diversos daqueles da chamada “sociedade nacional”. “Se o governo brasileiro não
cumpre a consulta, está agindo de acordo com o tempo que já passou, do
assimilacionismo, desrespeitando o direito dos povos à própria existência”,
explicou o procurador da República Felício Pontes Jr, que esteve na aldeia.
, somos nós, quem mora dentro do mato, que
caça, que pesca, que tem roça”, disseram várias vezes os Munduruku durante o
debate. “Os brancos falam que tem muita terra para pouco índio e que nós não
produzimos riqueza. Nós não entendemos pra que branco quer produzir tanta soja,
se no Brasil não se come soja. Nós não entendemos pra que branco quer tanto
dinheiro, se não vai poder levar dinheiro quando morrer. Nós não entendemos
vocês porque somos diferentes de branco. E queremos continuar assim”, resumiu
Ademir Kaba Munduruku.
Ademir Kaba é um dos
Munduruku que chegou a estudar na universidade e conhece bem as leis que
protegem os direitos indígenas. O assimilacionismo, doutrina que pregava a assimilação
dos povos indígenas e tribais às sociedades envolventes, e portanto o fim de
seus modos de vida tradicionais e diversos, foi abandonado pelos organismos
internacionais em 1989, com a aprovação da Convenção 169 pela OIT. A consulta
prévia, livre e informada, nesse novo quadro de respeito à diversidade, dá aos
povos o direito de decidirem sobre o próprio futuro.
Boa fé
Poucos, entre os mais de 13
mil índios que vivem na região, falam português e, por isso, toda a reunião
contou com tradutores Munduruku. A tradução de estudos e informações em língua
indígena é uma das condições fundamentais para a consulta prévia, livre e
informada. Outra condição presente na Convenção 169 é a boa fé e o respeito ao
tempo e ao modo de ser da cultura do povo consultado.
No entendimento do MPF, da
maneira como o governo brasileiro vem conduzindo os projetos de usinas na
Amazônia, não há intenção de fazer nenhuma consulta realmente prévia. “Só se
trata de consulta prévia quando a decisão ainda não foi tomada”, diz Felício
Pontes Jr. Para o MPF, os indígenas e ribeirinhos precisariam ser consultados
antes da resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que
decide os locais dos barramentos. Todas as informações sobre os procedimentos
necessários para o licenciamento de uma hidrelétrica e os momentos em que
deveria haver consulta foram condensados em um fluxograma que foi apresentado
aos Munduruku e pode ser acessado aqui.
Assassinato
“A gente vem lutando desde a
morte do nosso parente e os caciques não querem que a gente desista, então a
gente vai continuar defendendo os nossos direitos e dos nossos filhos”, disse
Maria Leuza Kaba, liderança Munduruku. Ela se refere ao assassinato, um ano
atrás, pela Polícia Federal, de Adenilson Krixi Munduruku, da aldeia Teles
Pires uma das mais atingidas por projetos de hidrelétricas. Desde então, a
situação entre os Munduruku e o governo federal é de extrema tensão. O crime
ainda não foi esclarecido e ocorreu durante uma operação que combatia
garimpagem ilegal na região.
Além da morte de Adenilson,
há grande insatisfação entre os índios com a militarização da região, promovida
pelo governo brasileiro. “A gente nunca é avisado quando vem a Força Nacional e
a polícia, a gente já se assusta com a zoeira dos helicópteros. Eu não vou
parar de lutar, meu irmão foi morto”, relatou João Krixi, irmão de Adenilson.
Atualmente 300 homens da Força Nacional estão baseados em Jacareacanga, a
cidade mais próxima. Eles são constantemente acusados pelos índios de fazer
incursões em terra indígena.
Em resposta, os Munduruku já
ocuparam e paralisaram duas vezes os canteiros de obras de Belo Monte para
reivindicar o respeito ao direito da consulta prévia e se posicionar contra as
usinas. Eles também expulsaram de suas terras pesquisadores que trabalhavam nos
Estudos de Impacto Ambiental das hidrelétricas.
A consulta prévia é uma
obrigação do governo brasileiro, assumida com a ratificação da Convenção 169 em
2004, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas não cumprida até
hoje em nenhum empreendimento que afeta terras indígenas e de populações
tradicionais. No caso das usinas previstas para a bacia do Tapajós, assim como
no caso de Belo Monte, não houve consulta prévia.
SS
O MPF tem ações judiciais
para obrigar a realização da consulta para as usinas São Luiz do Tapajós, São
Manoel e Teles Pires. Todas as ações têm decisões favoráveis da Justiça, mas os
projetos continuam sendo tocados com base no instituto da Suspensão de
Segurança (SS) – em que presidentes de tribunais suspendem decisões sem tomar
conhecimento dos processos judiciais, por razões de ordem econômica.
Esse
instrumento jurídico-processual foi originalmente instituído em 1964, pelo
governo militar, para assegurar a supremacia dos interesses do regime sobre os
direitos sociais e fundamentais. Modificado em 1992, segue em vigor, sendo
utilizado pelos governos democráticos para os mesmos fins e com muita
frequência quando se trata de violações de direitos indígenas.
Atualmente estão previstas
ou em construção 9 usinas nessa que é uma das principais bacias hidrográficas
amazônicas, com barramentos no Tapajós e em seus formadores Juruena, Apiacás e
Teles Pires. De todos os grandes rios da bacia, apenas o Jamanxim ficaria livre
de barramentos, de acordo com declarações de autoridades governamentais em
Brasília, pelo menos por enquanto.
Ministério Público Federal
no Pará
Assessoria de Comunicação
(91)
3299-0148 / 3299-0177
Olá Telma, os textos são incríveis!
ResponderExcluirSomos seus novos vizinhos nas laranjeiras e gostariamos de encontrá-la quando puder.
rodrigo@casadefrancisca.art.br
Um abraço