Hidrelétrica Jirau, fotografada hoje, 04/03 - Foto: acpurus.com |
Por Telma Monteiro
Resgatando um pouco da história das usinas do Madeira 2
Revisando minhas anotações colhidas durante a pesquisa dos vários documentos que integram o processo de licenciamento dos aproveitamentos hidrelétricos Santo Antônio e Jirau do Complexo do Madeira, em Rondônia, como o Estudo de Viabilidade e o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), acabei me deparando com muitas afirmações que nos levam a questionar a legitimidade desses empreendimentos.
Os técnicos das empresas contratadas
pelo Consórcio Furnas e Odebrecht para elaborar os estudos e que pesquisaram os
dados que lá estão registrados, me parecem, defendem a tese de “impactos
teleguiados”: as áreas de influência do aproveitamento hidrelétrico Jirau iriam
até a fronteira com a Bolívia e dali não passariam.
Durante o processo de análise do EIA
passou despercebida pelos técnicos do Ibama a mais absurda das conclusões
contidas naqueles estudos. Tecnicamente eles deveriam subsidiar a análise e concessão
das licenças ambientais de um conjunto de mega empreendimentos polêmicos na
Amazônia. O diagnóstico ambiental da Área de Influência Direta (AID), que é
fundamental para o processo de licenciamento e obtenção das licenças ambientais,
no entanto, só analisou vagamente a influência das usinas até a divisa com a
Bolívia.
No caso da AID do Madeira, segundo o EIA, o
limite estabelecido, baseado em algum critério nebuloso, seria a linha da
fronteira entre Brasil e Bolívia. Para os empreendedores, naquela linha virtual
que separa os dois países, cessariam os impactos como num passe de mágica! E os
especialistas e as autoridades das diversas áreas do governo brasileiro insistiram
em afirmar, comungando dessa teoria, que a Bolívia não sofreria nenhum impacto
decorrente da suposta área alagada de Jirau. Graças à fronteira!
A teoria de “impactos teleguiados” dos estudos
ambientais no processo de licenciamento do Complexo do Madeira não é inédita.
Houve um caso esdrúxulo no EIA da Hidrelétrica Mauá, no Paraná, em que o limite
da AID era exatamente o limite da Reserva Indígena de Mococa. Incrível! Os
impactos, previamente programados, chegariam até a divisa com a terra indígena e
deixariam de existir a partir dali, num passe de mágica, num estalar de dedos.
Contrariando o que está no EIA das
usinas do Madeira, o Estudo de Viabilidade, também elaborado por Furnas e
Odebrecht, afirma que haveria impacto na Bolívia. O nível de água do reservatório de Jirau,
previsto para ser mantido constante, iria influenciar o regime fluvial do rio
Madeira a montante (rio acima) de Abunã (divisa com a Bolívia), tornando perene
a inundação em áreas que são naturalmente atingidas no período de cheias.
No Estudo de Viabilidade se percebe uma
armadilha para cooptar as autoridades bolivianas para aprovação do projeto do
Complexo Hidrelétrico. Os desenvolvedores acenaram com a possibilidade de, além
da construção da usina binacional no trecho do rio Madeira em que o Brasil faz
divisa com a Bolívia, incluir os rios Mamoré e Guaporé no conjunto, e assim dar
origem a uma extensa rede hidroviária. Em 2003 tudo era possível.
Mais ambiciosa ainda foi a pretensão
contida no texto abaixo:
“Ao incluirmos uma
usina boliviana, em cachoeira Esperança, no rio Beni, dentro das
potencialidades hidroviárias da região, tornamos totalmente navegáveis os rios
Beni, Madre de Dios e Orthon, em territórios boliviano e peruano, formando uma
rede de mais de 4.200 km de extensão em hidrovias, atendendo aos três países”.
O poderoso consórcio empreendedor toma para
si, ignorando a soberania desses países vizinhos, a façanha de tornar
navegáveis rios, sem os necessários estudos de bacia ou consulta aos demais
governos, e sem a participação das comunidades envolvidas cá e lá, dentro e
fora da fronteiras brasileiras, como se fosse sua atribuição decidir os
caminhos da infraestrutura da América do Sul.
A empresa de consultoria contratada
por Furnas e Odebrecht para fazer as pesquisas chegou ao preciosismo de
ressuscitar até o Tratado de Petrópolis no Estudo de Viabilidade:
“o Brasil estaria resgatando o compromisso
firmado através do Tratado de Petrópolis, da época da aquisição das terras do
Acre, de fornecer à Bolívia uma saída para o Atlântico, o que nunca ocorreu
devido à inviabilização econômica da Ferrovia Madeira-Mamoré, logo que sua
construção foi concluída.”
O texto afirma, também, que a Construtora
Norberto Odebrecht já estava em fase de conclusão das negociações com as
autoridades bolivianas para obter as autorizações necessárias ao
desenvolvimento dos estudos do trecho binacional e da cachoeira Esperança. Vão
mais além, quando concluem que a Bolívia demonstra “altíssimo interesse” em
ambos os projetos, pois viabilizaria sua tão sonhada e adiada saída para o
Atlântico.
Os “impactos teleguiados” que deixam de
existir depois das fronteiras molhadas entre Brasil e Bolívia teriam sido indícios
suficientes para anular todo o processo de licenciamento ambiental das Hidrelétricas
Santo Antônio e Jirau.
Para encerrar, transcrevi um trecho do Estudo de Viabilidade:
“A versão final do
Termo de Referência foi emitida em setembro de 2004, na qual é estabelecido que
os empreendimentos devem ser tratados como um complexo e seus estudos
ambientais desenvolvidos de forma conjunta.”
Este
artigo foi originalmente publicado em 2007
Para tornar rios navegáveis, não pode haver corrupção, tudo isso é possível desde que obras de engenharia de primeiro mundo sejam empregada. Teriam que ser construídas comportas que segurariam a água em época de baixa e seriam abertas em épocas de chuvas, pois não teria travessia, mas num projeto mais avançado e caro tudo pode se tornar realidade desde que haja projeto de peso. Este tipo de navegação pode ser usado em turismo, transporte de pessoas e não como transporte de carga. O grande erro cometido foi este construído em território brasileiro com estas usinas e barrando a saída da água.
ResponderExcluir