Mapa: Terras indígenas Fonte: Sumário Executivo AAI Tapajós |
Os
indígenas e a comunidade Pimental
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O relatório é dramático e mostra o quanto as aldeias Munduruku estavam desassistidas, abandonadas com relação à saúde. Faltavam medicamentos e técnicos de saúde. Crianças estavam morrendo de malária. A distribuição dos medicamentos estava precária e insuficiente. Os postos de saúde, abandonados, estavam entregues à sujeira e aos morcegos. Faltavam comida, macas, enfermarias e quartos na Casa de Apoio a Saúde Indígena (Casai) de Itaituba e Jacareacanga. Há mais de seis meses não havia combustível para deslocamento dos profissionais da saúde na região do Teles Pires. [Para não comemorar o Dia do Índio]
Por
Telma Monteiro
Menos
de um mês depois de autorizada a retomada do processo de licenciamento da UHE
São Luiz do Tapajós, em 09 de fevereiro de 2012, uma nova minuta do Termo de
Referência (TR) [para elaboração do EIA/RIMA], revisado e alterado, foi
encaminhado pelo Ibama à Eletrobras. A partir daí tudo foi rápido. O plano de
trabalho para o levantamento biótico foi aprovado. O primeiro pedido de
supressão de vegetação protocolado. Sem tempo a perder.
Em
16 de fevereiro os representantes da Eletrobras, Eletronorte, CNEC [responsáveis
pela elaboração dos estudos ambientais] e Ibama se reuniram no escritório da
Eletrobras em Brasília, para discutir a minuta do TR.
No
dia seguinte (17), a Funai oficiou o Ibama sobre o seu descontentamento com o TR.
Aludiu à Portaria Interministerial 419/2011 que
considera haver interferência em terras indígenas situadas até 40 quilômetros
de um projeto hidrelétrico. E se as terras indígenas estiverem a 20 quilômetros
a montante (rio acima) do reservatório, elas estão sujeitas aos impactos
decorrentes da construção de uma hidrelétrica.
“(...) estabelece presunção de interferência em terras
indígenas para aproveitamentos hidrelétricos localizados, na Amazônia Legal, a
até 40 km de distância de terras indígenas, ou situados na área de contribuição
direta ou reservatório, acrescido de 20 km a jusante”.
O ofício da Funai não só menciona a Portaria 419/2011,
como lista as terras indígenas que estão situadas nos limites estabelecidos por
ela. As TIs Andirá-Marau, km 43, Pimental, São Luiz do Tapajós, Praia do Mangue
e Praia do Índio, se enquadram na portaria. Mesmo em processo de delimitação,
as três primeiras se encaixam na portaria e as duas últimas estão sob supervisão
de Grupo Técnico objeto de outra portaria (n°1.050/PRES.)
A Funai determinou, então, que todas as TIs mencionadas
no ofício fossem contempladas no TR do Estudo do Componente Indígena (ECI) e,
ainda, que o estudo da Referência n° 09, de índios isolados, com status de “não
confirmada”, localizada no interflúvio com a bacia hidrográfica onde se planeja
a construção da UHE São Luiz do Tapajós, era prioridade da Coordenação Geral de
Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC).
No mesmo dia, 17 de fevereiro de 2012, o Ibama expediu
o TR definitivo que orientaria o EIA/RIMA.
Um
fato positivo. Do TR, com 36 páginas, consta uma exigência de grande
importância e inédita nos processos de licenciamento ambiental de
hidrelétricas: a apresentação de um Estudo de Cumulatividade e Sinergia da
Bacia do rio Tapajós. Deve, determinou o Ibama, haver uma avaliação de todos os
efeitos/impactos cumulativos e sinérgicos decorrentes da implantação das
hidrelétricas previstas na Bacia do rio Tapajós.
O
IPHAN também emitiu um TR independente que determinou serem necessários estudos
etnoarqueológicos, uma vez que a região do rio Tapajós se caracteriza pelas
atividades de subsistência das populações indígenas. Ressaltaram especialmente
os Munduruku e as terras indígenas já mencionadas pela Funai. O IPHAN observou
ainda que deveria ser garantido o
processo participativo das comunidades afetadas.
Convidados para
contribuir com o TR, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBIO), fez algumas observações e uma delas, em especial, foi desconsiderada:
a de trazer para o momento atual, a comparação entre as propostas constantes
nos estudos de inventário e a tecnologia escolhida, em relação a outras opções
de energia renovável. Infelizmente, essa contribuição não foi adicionada no TR.
A Eletrobras tentou, ainda uma vez,
alterar o TR, embora o Ibama tenha dado como definitiva a versão final acordada
na reunião.
Mapa Bacia do Tapjaós - Fonte: Sumário Executivo AAI da Bacia do Tapajós |
A vistoria
Em junho de 2011, o
Ibama fez uma vistoria técnica para reconhecimento da área de influência da UHE
São Luiz do Tapajós. O relatório dessa vistoria só foi apresentado em 17 de
janeiro de 2012 e nele há alguns relatos importantes. Um deles diz respeito ao
primeiro ponto vistoriado, a comunidade de Pimental, onde os moradores já se
sentiam desrespeitados depois de serem surpreendidos pela visita inesperada de
funcionários da Eletrobras. O conflito já começara na comunidade de Pimental.
Na comunidade de Pimental
moram aproximadamente 800 pessoas e lá foi o local escolhido, no projeto, para
a implantação da barragem da UHE São Luiz do Tapajós. Pesca artesanal e criação
de peixes ornamentais são as principais atividades. As famílias foram pegas de
surpresa com a presença da equipe do empreendedor.
O relatório da
vistoria também acusa a presença de muitos barcos garimpeiros no trecho
planejado para o reservatório e dentro do Parque Nacional da Amazônia. Os
técnicos do Ibama visitaram, ainda, as comunidades Palhal, Raiol, São Luiz do
Tapajós e Vila do Tapajós. Com todas essas comunidades, essa é a região que
numa entrevista recente, Altino Ventura Filho, secretário executivo do
Ministério de Minas e Energia, declarou que é desabitada, o que justificaria a escolha
do governo para a construção da hidrelétrica.
O
descaso do governo com os Munduruku
Nesse estágio do processo, as lideranças
Munduruku de todas as aldeias, em carta ao Ministério de Minas e Energia, se
recusaram a permitir a realização de pesquisas para os estudos ambientais, sem
uma prévia reunião com as autoridades.
Junto com a carta, uma comissão de
lideranças indígenas apresentaram um relatório sobre as visitas feitas nas
aldeias das TI Munduruku e Saí Cinza no período entre 19 de janeiro a 5 de
fevereiro de 2012. O relatório é um levantamento da situação terrível em que os
índios se encontravam.
As lideranças visitaram nove Polos Base que
congregam 55 aldeias nos rios da Tropa, Kabituto, Cururu e Tapajós. A população
indígena ouvida reclamou da falta de assistência e da falta de fiscalização da
Funai. Sem exceção, reivindicaram uma reestruturação da Funai e mais recurso
para a coordenação regional do Tapajós.
O relatório é dramático e mostra o quanto as
aldeias estavam desassistidas, abandonadas com relação à saúde. Faltavam
medicamentos e técnicos de saúde. Crianças estavam morrendo de malária. A
distribuição dos medicamentos estava precária e insuficiente. Os postos de
saúde, abandonados, estavam entregues à sujeira e aos morcegos. Faltavam comida,
macas, enfermarias e quartos na Casa
de Apoio a Saúde Indígena
(Casai)
de Itaituba e Jacareacanga. Há mais de seis meses não havia combustível para
deslocamento dos profissionais da saúde na região do Teles Pires.
Para as lideranças tudo isso seria um
sinal de que o governo não liga para o sofrimento dos indígenas. Faltam peças
de reposição para motores de bombas d’água e motores de popa. Não há voo para
atender os pacientes com emergência. É o relato do caos e do abandono. Sem
misericórdia.
Continua na Parte 3