Quem constrói Belo Monte |
Por
Telma Monteiro
Estou resgatando essa história para que o leitor entenda como é esse mecanismo de bastidores das grandes obras que favorece as empreiteiras. Belo Monte é um ótimo exemplo. Atualmente é o maior "bolo" repartido entre as empreiteiras. Na Petrobras as obras investigadas somam R$ 59 bilhões. É bom lembrar que só em Belo Monte os investimentos chegarão a R$ 32 bilhões.
As empreiteiras e o
leilão
O leilão de Belo Monte foi
um equívoco. Estava inicialmente prevista a participação de três grandes
empreiteiras: Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade
Gutierrez. Sim, as mesmas que estão
envolvidas no esquema de propinas da Petrobras. As três empresas foram as
responsáveis, junto com a Eletrobras, pela elaboração de todos os estudos de Belo
Monte. Eles serviram para mascarar a face
do monstro em construção num local tão especial como o rio Xingu.
O Tribunal de Contas da
União (TCU), no seu relatório preliminar do final de 2009, questionou a
viabilidade econômica de Belo Monte e fez várias recomendações à Empresa
de Pesquisa Energética (EPE); mandou revisar
os custos apresentados, pediu planilhas detalhadas dos custos ambientais e
sociais. Chamou atenção, inclusive, para discrepâncias ao comparar os custos de
Belo Monte com os custos das usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira.
A EPE, então, foi fazer uma revisão para atender ao TCU e, em
fevereiro de 2010, mandou de volta as novas contas para a análise final. As alterações
impressionaram. O preço teto determinado do megawatt-hora (MWh) para o leilão passou de R$
68 para R$ 83. A desculpa foi que os empreendedores “esqueceram” de incluir os
custos com os canteiros de obras de Belo Monte.
Foi nesse momento, nessa
revisão de custos, numa canetada, que os investimentos necessários para
construir Belo Monte passaram dos R$ 16 bilhões para R$ 19 bilhões. O aumento
de 18,75% também foi atribuído aos custos ambientais. Essa foi a justificativa
da EPE.
A Odebrecht e a Camargo
Corrêa já haviam ameaçado sair do
negócio, pois nas suas contas o investimento necessário para construir Belo
Monte seria de R$ 30 bilhões. As duas maiores empreiteiras quando perceberam
que a EPE confirmara junto ao TCU a
revisão para R$ 19 bilhões, desistiram do consórcio que haviam formado para
disputar o leilão de Belo Monte.
Mas a Andrade Gutierrez continuou liderando o outro
(único) consórcio. Para o governo não seria possível fazer o leilão com apenas
um consórcio e partiu no encalço de outras empresas para formar um segundo
consórcio e assim legitimar o leilão.
As empresas “laçadas” pelo
governo, lideradas pela Chesf,
subsidiária da Eletrobras, no
entanto, apresentavam alguns problemas de caixa e de falta de experiência na
construção de mega hidrelétricas. Além disso, lhes faltava conhecimento técnico
da região, dos impactos ambientais, dos conflitos com os povos indígenas e
populações tradicionais que lutavam contra Belo Monte desde o final dos anos
1980. Ao contrário das três empreiteiras gigantes envolvidas nas mega obras do
novo Brasil grande, inventado pelo governo
Lula, esse novo grupo não tinha cacife
técnico. Foram mesmo para perder o leilão. Foi uma armação.
Sítio Pimental antes da obra de Belo Monte |
Sítio Pimental depois das obras de Belo Monte |
Os dois
grupos concorreram ao leilão. Um deles liderado pela Andrade Gutierrez, um chamariz para que as demais ingressassem no outro grupo que
tinha nove empresas laçadas na última hora. Estranhamente, o consórcio liderado
pela Andrade Gutierrez que, pela lógica, seria o vencedor, no qual
todos apostavam, perdeu. Perdeu porque tinha decidido perder. O azarão, grupo
para tapar o buraco e dar uma falsa ideia de concorrência, acabou vencedor.
O grande negócio
Gerar energia em Belo Monte parecia
ser um mau negócio para empreiteiras. Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade
Gutierrez não gostaram do tamanho da encrenca que se delineava com as questões
ambientais e sociais e a luta incrível dos movimentos sociais e da resistência
dos povos indígenas do Xingu. Mas se
reservaram para apenas fazer a obra, o seu verdadeiro negócio. Fazer a obra sem
a responsabilidade dos custos ambientais e sociais, e sem os custos das inúmeras
batalhas na justiça, seria muito mais rentável. Mamata.
Foto de Fernando Freitas |
Essas mesmas empreiteiras
umbilicalmente ligadas às campanhas eleitorais e agora, comprovadamente, à
propinas, idealizaram fazer Belo Monte com os auspícios da Eletrobras. A verdade é que o seu único interesse, foi o
de fazer a obra e faturar na frente. Sim, pois quem constrói uma hidrelétrica fatura
na frente, já que o empreendimento só vai ser rentável depois de funcionar.
Espertamente, Odebrecht,
Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, deram um jeito de o leilão ser concretizado
sem elas. De Belo Monte sair do papel. Se a usina vai gerar pouca energia ou
muita energia, pouco importa. Lula chegou a dizer que havia lugar para todas as
empreiteiras nesse “bolo” chamado Belo Monte. E aí estão elas, as mesmas
grandes empreiteiras associadas numa empresa chamada Consórcio Construtor Belo
Monte (CCBM).
Hoje a construção de Belo
Monte já passa dos R$ 30 bilhões. O BNDES está financiando 80% num prazo de 30
anos com juros de 4% ao ano. Além disso, o governo federal providenciou um
grande pacote de benesses para o consórcio vencedor do leilão, hoje chamada de Norte
Energia S.A. Bondades que vão desde o desconto de 75% no imposto de Renda por
10 anos, até isenção de PIS e COFINS da obra.
O negócio rentável de Belo
Monte está nas escavações em rocha, no canal de desvio das águas do rio Xingu, no
concreto, no aço, no sobre preço, na compra dos equipamentos e no dinheiro
repassado pelo BNDES com carência e juros abaixo do mercado. Gerar energia? Isso
não conta, pois Belo Monte será uma hidrelétrica sazonal e até pode não gerar
energia nenhuma. Mas as empreiteiras da CCBM faturam alto e ajudam a eleger presidentes
e muitos dos nossos políticos no Congresso.
É nisso que se resume e
justifica de sua existência. Construir mega-obras. Lembrei de um artifício usado
por muitas pequenas e médias construtoras para obter obras no interior. Lobistas
levavam a pequenos municípios projetos de ponte, viaduto ou uma rodoviária, ou
hospital, qualquer obra de infraestrutura necessária. O prefeito aprovava e do
pacote fazia parte o acesso rápido ao recurso público para a construção. Lógico
que a propina estava incluída no preço.
Assim aconteceu no caso das
usinas Santo Antônio e Jirau no rio Madeira. Em 2001, foi a Odebrecht quem levou o projeto das
usinas para o governo. Furnas só entrou depois e se tornou parceira. No caso de Belo
Monte levou bem mais tempo, mas o formato é o mesmo. Tem também o caixa de
campanha que precisa muito das grandes empreiteiras.
A construção de Belo Monte
vai de vento em popa, a Norte Energia S.A., consórcio responsável por Belo
Monte, contratou a CCBM para fazer as obras civis. Sem licitação. Só os
canteiros de obras custaram R$ 2,85 bilhões (valor de 2010).
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