A última das "moicanas". Minha heroína, Antônia Melo. Ouvi-la me dá uma dor imensa. Simboliza o fracasso de uma era, apesar de todas as batalhas travadas contra o monstro chamado Belo Monte. (TelmaMonteiro)
Antônia Melo e eu Encontro dos 4 Rios, em Itaituba, Pará, em agosto de 2010
"Belo Monte talvez seja a maior tragédia prática do atual projeto de desenvolvimento do país. Por isso, conversamos com Antônia Melo, líder do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, que acabou de ser despejada de sua casa pelo consórcio administrador da usina. Ela nos contou como este fato se desenrolou e do caos que a cidade de Altamira já vivencia em seu cotidiano."
"Uma das fundadoras do PT na cidade e região, Antônia denuncia todos os atropelos que marcaram o processo de liberação e execução de obras, a seu ver determinado de cima para baixo desde o início. Além disso, faz uma forte crítica às composições políticas dos governos petistas e ainda espera que a população se dê conta de todas as dimensões decorrentes da destruição do Rio Xingu."
Ouça a entrevista completa de Antônia Melo, clicando aqui
Relato enviado pelo Ministério Público Federal no Pará, Assessoria de Comunicação
Na XI Assembleia Munduruku na aldeia Dace Watpu, em
Itaituba, cerca de 400 lideranças das aldeias no alto e no médio curso do rio
reafirmam a disposição de resistir às hidrelétricas
Na aldeia munduruku Dace Watpu, na margem do rio Tapajós, próximo do município
de Itaituba, no Pará, caciques, guerreiros, moças e crianças se enfileiraram,
no último dia 24 de setembro, para esperar a chegada dos convidados,
pesquisadores, apoiadores não-índios (pariwat, na língua munduruku) e o
procurador da República no Pará Felício Pontes Jr. Cantando, conduziram os
convidados ao local das reuniões da XI Assembleia Munduruku do Médio Tapajós.
Já reunidos no barracão central da aldeia, as vozes se calaram para ouvir um
menino de não mais do que sete anos, que cantou para todos mostrando que a
língua e a cultura munduruku seguem vivos nas novas gerações (assista ao vídeo
em https://youtu.be/Wsi0dPPLEDM).
Os índios Munduruku formam uma das maiores e mais guerreiras nações indígenas
brasileiras e resistem desde o século XVIII às ameaças da colonização. No
século XXI, se encontram numa encruzilhada diante de um conjunto de projetos de
barragens que o governo brasileiro implanta na bacia do Tapajós, rio que
segundo os mitos formadores desse povo lhes foi destinado para viver e proteger
pelo criador Karosakaybu. No total, são 48 barragens previstas para o rio e
seus formadores, Jamanxim, Teles Pires e Juruena, algumas já em construção.
Ao longo da assembleia, 32 pessoas se manifestaram, entre caciques, lideranças
e representantes das várias aldeias presentes, a maioria falando em língua
indígena. O tradutor Munduruku, Antonio Dace, resumiu os discursos para o
procurador Felício Pontes Jr, ao final dos debates, quando a noite já ia
avançada. “O senhor presenciou uma criança cantando. Aquilo nos emocionou
muito. Ele foi ensinado pelos pais, que estão na luta para defender o futuro
dele. Aquela criança simboliza algo muito importante para nós, a nossa luta e o
nosso futuro”, disse Antônio.
“O Diálogo Tapajós (nome fantasia do consórcio de empresas que quer construir
as usinas) está trabalhando para iludir algumas lideranças. Nós queremos que o
governo respeite o nosso protocolo. Foi falado aqui várias vezes que a terra é
nossa mãe e nos alimenta. Foi falado também sobre os nosso vasos funerários
sagrados, retirados do Teles Pires. Nós não queremos indenização por eles. A
gente não vende o que é nosso. Foi falado sobre o Relatório Circunstanciado de
Identificação e Delimitação da nossa terra Sawré Muybu, que a Funai se recusa a
publicar. As mulheres relataram o medo que sentem quando os maridos viajam para
longe para negociar com o governo. Porque nós sabemos o genocídio que está
acontecendo com nossos parentes Guarani-Kaiowá em Mato Grosso do Sul. Quando os
maridos voltam, é um alívio. Nós só queremos que o governo nos deixe em paz
para viver e para ver nossas crianças crescerem”, enumerou, traduzindo a
maioria das questões mencionadas.
Os problemas enumerados durante a assembleia Munduruku são os resultados dos
esforços do governo brasileiro para assegurar a construção das barragens.
Diversos direitos dos índios e ribeirinhos da região estão sendo seguidamente
violados, pelo menos desde 2012. O Ministério Público Federal (MPF) já ajuizou
19 ações judiciais tratando dessas violações. No caso dos Munduruku, além de
até agora não ter cumprido a consulta prévia, livre e informada prevista na
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o governo
paralisou a demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, que será alagada se a
usina São Luiz do Tapajós for construída, obrigando os índios a saírem de sua
terra, o que é vedado pela Constituição brasileira.
Com a demarcação paralisada e o anúncio de vários empreendimentos hidrelétricos
na região, grupos de madeireiros, palmiteiros e garimpeiros ilegais circulam
pela região, disputando recursos naturais e ameaçando fisicamente os índios em
várias ocasiões. O MPF obteve em abril de 2015 uma sentença judicial ordenando
que a demarcação prosseguisse.
Mas o governo, através da Funai, lançou mão de um instrumento jurídico da
ditadura que vem garantindo a construção de usinas hidrelétricas em toda a
região amazônica: a suspensão de segurança. Na suspensão, o presidente do
Tribunal Regional Federal da 1a Região, desembargador Cândido Ribeiro, alegou
razões de economia pública para ordenar a paralisação da demarcação. Esse tipo
de decisão, apesar de nem mencionar o mérito do processo – que trata do direito
constitucional dos índios ao território – tem efeito permanente até o trânsito
em julgado (último julgamento, que pode demorar muito). Com isso, mesmo com o
relatório de delimitação da terra indígena pronto desde 2013, o procedimento
voltou novamente à estaca zero e não há previsão de prosseguimento.
Em resposta à negativa da Funai, os Munduruku se lançaram na empreitada de
autodemarcar seu território, liderados pelo cacique Juarez Saw Munduruku, uma
das lideranças que vêm recebendo ameaças na região. “A gente não tá emprestando
essa terra. Nós somos brasileiros verdadeiros e donos da nossa terra. Não
estamos pedindo que o governo demarque, essa terra não é deles para dar, é
nossa. Essa terra aqui, esse rio aqui, o Karosakaybu deixou pra nós. E eu não
posso mais andar na minha terra porque sou ameaçado por madeireiros e
palmiteiros. O governo não olha mais para o indígena, só quer acabar com o
indígena, acabar com a floresta, acabar com o rio”, disse o cacique durante a
assembleia.
Tanto quanto o governo brasileiro, o Diálogo Tapajós, nome adotado pelo
consórcio de empresas que quer construir as usinas (Eletrobras, Eletronorte,
GDF SUEZ, EDF, Neoenergia, Camargo Corrêa, Endesa Brasil, Cemig e Copel) é
acusado constantemente de violações pelos moradores da região. Nas mais
recentes incursões no território, as empresas vêm repetindo o discurso
conhecido na Amazônia inteira de que a chegada das usinas vai assegurar saúde e
educação de qualidade. “O governo diz que quando tiver hidrelétrica vai ter
saúde, vai ter escola. O governo não pode vir aqui tentar nos vender nossos
direitos, isso é um crime”, disse a Maria Leuza Kaba Munduruku.
Adauto Akai Munduruku também denunciou ao MPF o comportamento do Diálogo
Tapajós. “Tudo que tá acontecendo no Xingu, a gente não quer que aconteça no
Tapajós. A gente sabe o sofrimento que nossos parentes passam com barragem. A
gente não quer esse sofrimento. E a gente vai lutar até a morte se o governo
insistir”. Os exemplos das usinas de Tucuruí, construída durante a ditadura
militar, e de Belo Monte, Jirau, Santo Antônio, Teles Pires, São Manoel e
Sinop, construídas nos governos democráticos, são lembrados constantemente,
como assombrações do que pode ser o futuro do Tapajós.
No Teles Pires, quatro barragens (São Manoel, Teles Pires, Sinop e Colíder) já
estão em estado avançado de construção e provocaram a destruição de locais
considerados sagrados pelos povos da região, como a cachoeira Sete Quedas, Pari
Bixexe em língua munduruku, o lugar para onde vão os mortos. O Consórcio
Construtor da usina Teles Pires, que provocou a destruição da cachoeira também
é acusado pelos Munduruku de retirar da floresta, através de uma empresa de
arqueologia subcontratada, urnas funerárias que pertencem aos indígenas. A
descoberta da retirada das urnas, em 2012, foi acidental: um grupo de índios
foi convidado pela empresa de arqueologia a conhecer o escritório onde
trabalhavam, em Alta Floresta, no Mato Grosso. As urnas sagradas estavam lá.
Os Munduruku denunciaram o episódio ao MPF, que investiga o caso em Itaituba.
Na assembleia da aldeia Dace Watpu, o assunto foi um dos mais mencionados.
Consta na declaração final da assembleia: “Quando falamos ao governo brasileiro
da importância do sagrado para nós, de que estes lugares e símbolos não se
permite tocar ou remover, as autoridades não entendem e parece que nunca a
compreenderão. Todas as ameaças estão acontecendo para destruir o que nos é
sagrado. E todos nós somos sabedores que é a construção de usinas hidrelétricas
na bacia do Tapajós é a entrada de vários outros empreendimentos dos setores
econômicos do interesse do governo como da mineração, hidrovias, construção de
portos de navio para transportar grão de soja e construção de ferrovias no
território Munduruku.”
“Para os indígenas, não se pode separar a natureza das pessoas. Agora que os
brancos estão começando a aprender isso. Eu estudei anos na universidade mas só
fui aprender isso lá na Missão Cururu (aldeia Munduruku no alto Tapajós), que
foi a primeira vez que fui a uma aldeia indígena, 20 anos atrás. Agora, esse
ensinamento que os índios sempre tentaram passar para os brancos, é o que há de
mais moderno nas universidades do mundo. Por isso vocês têm toda razão ao dizer
que não podem entregar o rio e a floresta que são de todos em troca de escola e
posto de saúde. Isso é direito dos indígenas, é obrigação do estado, não é
favor de empreiteiras. Isso vale para os índios e para os ribeirinhos, é
direito de todos. Posto de saúde não pode ser oferecido em troca de aceitar
usina hidrelétrica”, concordou o procurador Felício Pontes Jr, ao se dirigir à
assembleia, já no fim da noite de 24 de setembro de 2015.
Todas as denúncias feitas pelos Munduruku serão apuradas pelo MPF, por meio de
investigações que tramitam em Santarém e Itaituba.
Mapa: EIA/RIMA de S. Luiz do Tapajós - Edição: Telma Monteiro
Telma Monteiro Região em que as mineradoras de ouro canadenses estão atuando no Tapajós e Jamanxim. Nas Unidades de Conservação, Floresta Nacional Itaituba I e próximo ao Parque Nacional do Jamanxim e dos projetos hidrelétricos planejados no Tapajós.
Energia de Belo Monte, vai para... Escolha as opções!
Belo Monte e os investimentos da indústria mineral. Alguma relação?
O outro projeto de mineração de ouro da Belo Sun Mining Corp. está no Tapajós. O projeto Patrocínio está junto de outros projetos de mais mineradoras canadenses no interior da APA do Tapajós, região entre o rio Crepori e Jamanxim. É nesse trecho do rio Tapajós e Jamanxim que está planejado o Complexo Hidrelétrico Tapajós. O mapa mostra os projetos de mineração de ouro que mais uma vez coincidem com a região em que o governo federal quer construir hidrelétricas.
O blogue “Energia elétrica, ambiental e socialmente limpa”, alimentado regularmente pela ativista socioambiental Telma Monteiro, é uma excelente fonte de informação para aqueles que querem conhecer em pormenor os impasses e impactos relativos aos projetos de infraestrutura na Amazônia, com particular atenção à Amazônia Brasileira.
2Nas matérias assinadas por Telma Monteiro – que também podem ser consultadas em blogues como Correio da Cidadania (http://www.correiocidadania.com.br) e Língua Ferina (http://candidoneto.blogspot.pt) –, os temas abordados são bastante atuais e polémicos, o que amplia a relevância dos dados técnicos e das análises políticas disponíveis para uma compreensão mais profunda da dinâmica de forças na Amazónia e dos impactos relativos aos grandes projetos. Entre as questões usualmente abordadas é de ressaltar: o debate acerca da viabilidade ambiental dos processos de licenciamento, as entrelinhas dos pareceres técnicos, a relação entre os projetos hidrelétricos e os investimentos em mineração, a usual falta de consulta prévia aos povos indígenas e os riscos socioambientais inerentes à intervenção em certos rios amazônicos (como é o caso, por exemplo, do Rio Madeira, em que os riscos de inundação se agravam por conta de barreiras provisórias na Usina Hidrelétrica (UHE) de Jirau cuja falta de segurança ameaça a população local).
3Um dos principais contributos do blogue está exatamente aí – na análise dos impactos ocasionados pelos planos e pelas obras já iniciadas ao longo dos rios Madeira, Tapajós, Teles Pires e Xingu. Deste modo, têm sido avaliadas particularmente as movimentações do Governo, do Ministério Público, dos principais atores institucionais envolvidos e das comunidades atingidas nos casos das Usinas de Santo António e Jirau (em Rondônia – rio Madeira), da UHE de Teles Pires (no Mato Grosso - rio Teles Pires), da Usina de Belo Monte (no Pará - rio Xingu) e do complexo de cinco hidrelétricas na Bacia do Tapajós. No caso emblemático de Belo Monte, planeada para ser a terceira maior hidrelétrica do mundo – só suplantada por Três Gargantas (na China) e Itaipu (entre Brasil e Paraguai) –, há uma série de conexões pouco divulgadas que o blogue ajuda a esclarecer. Através de mapas e documentos anexos, as matérias desvendam, por exemplo, a conexão entre a construção de Belo Monte e a exploração de recursos minerais em terras indígenas. O mesmo se aplica à região do rio Tapajós, em que ouro, diamante, granito e outros minérios se revelam presentes. No caso particular de Belo Monte, o blogue aborda a relação entre a hidrelétrica e a exploração de ouro a céu aberto por uma mineradora canadiana. Também aponta os possíveis efeitos do desvio da Volta Grande do Xingu, tanto na biodiversidade local como na rotina de navegação das comunidades da região.
4De forma geral, o site é de grande utilidade, não só por proporcionar uma análise da dinâmica de forças que influencia a execução destas grandes obras de infraestrutura, mas também por permitir perceber outras dimensões a ela relacionadas – como o avanço dos planos de mineração e dos planos hidroviários na região. Uma novidade importante que constitui uma vantagem para o leitor é o acesso a ilustrações, mapas e documentos anexos, que ajudam a verificar a pertinência de afirmações mais polémicas e contundentes. Sem dúvida, a atualidade, a pertinência, a oferta de dados técnicos e o olhar crítico de Telma Monteiro tornam este blogue uma das melhores referências disponíveis para um entendimento mais complexo e rico sobre os grandes projetos localizados na Amazónia no âmbito do PAC brasileiro (Programa de Aceleração do Crescimento).
Luciane Lucas dos Santos, « Título da página eletrónica: Energia elétrica, ambiental e socialmente limpa », Revista Crítica de Ciências Sociais, 107 | 2015, 125-126.
Referência eletrónica
Luciane Lucas dos Santos, « Título da página eletrónica: Energia elétrica, ambiental e socialmente limpa », Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 107 | 2015, colocado online no dia 04 Setembro 2015, criado a 21 Setembro 2015. URL : http://rccs.revues.org/6058
João Akira Omoto, há mais de 15 anos no Ministério Público Federal (MPF) e há 11 anos no Grupo de Trabalho Grandes Empreendimentos do MPF.
"Paralelamente a isso, são frequentes os ataques ao licenciamento ambiental, com o claro objetivo de fragilizá-lo, imputando-lhe muitos dos dissabores decorrentes da incompetência técnica e política da intervenção estatal na economia. Ora o licenciamento é muito lento, ora muito complexo, ora precisa ser fracionado para que as avaliações de impacto sobre o meio socioeconômico sejam remetidas para outras instâncias." João Akira Omoto
"No Brasil, as grandes obras vêm historicamente deixando um passivo socioambiental enorme, por desconsiderarem essas premissas. A falta de participação nos processos decisórios leva a questionamentos quanto à legitimidade das escolhas realizadas, pelo enforcement das medidas de intervenção, seja para autorizar o uso de recursos ambientais, seja para compensá-los (questiona-se a suficiência ou adequação das medidas). O défice democrático e de informação é sentido em todas as fases do processo (planejamento, implantação e operação). As decisões adotadas são frequentemente dissociadas do conteúdo técnico dos procedimentos e carentes de motivação."
A presença de indígenas em
isolamento voluntário na região dos rios Xingu e Bacajá tem sido
descrita desde a década de 1970[1]. Há estudos e testemunhos que comprovam
sua presença nas cabeceiras do Igarapé Ipiaçava e de um grupo isolado (ou
grupos isolados) na Terra Indígena (TI) Koatinemo. Belo Monte foi
planejada para ser construída próxima às áreas de perambulação desses grupos de
isolados.
Telma Monteiro
Uma representação sobre
irregularidades no processo de licenciamento de Belo Monte foi
entregue ao MPF do Pará no final de 2010. A construção foi aprovada pela
Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Todas as instituições envolvidas no
processo de Belo Monte serão responsabilizadas pela extinção de povos
indígenas em isolamento voluntário e pela destruição de terras indígenas.
Ameaças sérias colocam em risco a
sobrevivência de indígenas em isolamento voluntário na Amazônia e chamam a
atenção pelo descaso com que têm sido tratadas pelo governo brasileiro, pelas
instituições financeiras e pelas empresas – públicas e privadas. Em três
dos maiores projetos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) - nas
hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira e, agora, no projeto do
Complexo Hidrelétrico Belo Monte, no rio Xingu[2] – esse descaso está ocorrendo.
O estudo do "Componente
Indígena" de Belo Monte, entregue ao Ibama em abril de 2009, reconheceu a
presença de indígenas em isolamento voluntário na cabeceira do córrego Igarapé
Ipiaçava e na Terra Indígena Koatinemo dos Asurini[3]. O território de perambulação desses
indígenas está localizado cerca de 70 km (em linha reta) do local onde está
previsto o barramento principal da UHE Belo Monte, no sítio Pimental, na Volta
Grande do Xingu.
O Estudo de Impacto Ambiental e
respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) de Belo Monte e suas
complementações apresentaram apenas superficialmente a questão dos indígenas em
isolamento voluntário e listaram dois grupos que ainda não foram
identificados. O Parecer Técnico FUNAI que analisou o Componente Indígena
de Belo Monte[4] fez referência aos impactos[5] que poderiam afetar os isolados; a
ação de grileiros e invasores atraídos pelas obras ameaça sua integridade
física e cultural.
No parecer, os técnicos da FUNAI
alertaram para o fato de que o desvio das águas e a consequente redução da
vazão do rio Xingu no trecho da Volta Grande poderia gerar efeitos em cadeia
sobre a ictiofauna nas florestas marginais ou inundáveis; que o movimento
migratório criaria aumento populacional na região e provocaria a pressão sobre
os recursos naturais; que essa pressão levaria às invasões das terras indígenas
onde perambulam os grupos de indígenas em isolamento voluntário[6].
Nas considerações finais e
recomendações do parecer, a FUNAIconcluiu que:
“Apesar do EIA-RIMA apresentar
uma extensa agenda de planos e programas, cujos objetivos são os de mitigar os
impactos negativos do empreendimento sobre os povos e Terras Indígenas, a
complexidade da situação, como foi retratada nesse parecer, baseado em informações
colhidas pela Funai e no próprio EIA-RIMA, exige muito mais do que a
implementação de um bom Plano Básico Ambiental (PBA). A situação atual da
região, fortemente impactada por desmatamentos, atividade madeireira e
garimpos, entre outros, com a presença insuficiente do Estado brasileiro, já
contribui para o contexto de vulnerabilidade das Terras Indígenas.”
“Nesse sentido, é imprescindível
um conjunto de medidas (emergenciais e de longo prazo) de duas ordens: 1)
aquelas ligadas ao poder Público; e 2) aquelas de responsabilidade do
empreendedor”
Uma das condicionantes da FUNAI
pedia que antes do leilão de compra de energia de Belo Monte, ocorrido
em 20 de abril de 2010, o poder público coordenasse e articulasse ações
para a proteção dos indígenas em isolamento voluntário. Para tal seria
imprescindível a publicação de uma Portaria de Restrição[7] de Uso entre as Terras Indígenas
Trincheira Bacajá e Koatinemo.
A despeito das evidências da
presença de grupos de indígenas em isolamento voluntário, o processo de
licenciamento de Belo Monte continuou célere e cercado de planos com
estratégias que levaram à concessão da licença de instalação parcial ilegal da infraestrutura
de apoio - canteiro de obras.
Confirmação
da presença de indígenas em isolamento voluntário
Em 2008 a
presença de indígenas em isolamento voluntário foi confirmada conforme os
relatos dos Asurini sobre seu encontro com isolados durante uma expedição de
caça na cabeceira do Igarapé Ipiaçava. Segundo Fábio Ribeiro[8] da
FUNAI de Altamira e do líder Apewu Asurini, da aldeia Koatinemo, no Xingu (vídeo), os Asurini avistaram indivíduos em perambulação.
Gravações com os depoimentos do encontro dos Asurini com os indígenas em
isolamento voluntário foram levados à FUNAI.
Em 2009 a
FUNAI iniciou as análises dos impactos da UHE Belo Monte, sobre as terras
indígenas. A Coordenação de Índios Isolados (CGII) decidiu empreender uma
expedição à área informada pelos Asurini e acabou encontrando, também, sinais
claros de invasão de não-índios.
A FUNAI
deu encaminhamento à referência de indígenas em isolamento voluntário para que
fosse incluída no EIA da UHE Belo Monte, uma vez que o território de
perambulação está na área de influência. A FUNAI decidiu que era necessário
isolar a área que está fora da Terra Indígena demarcada e assim evitar a
pressão dos assentamentos nas proximidades de Altamira.
Foi
traçada uma linha reta virtual isolando a área de perambulação dos isolados
para que se tornasse futuramente uma Terra Indígena. Isso protegeria os
indígenas em isolamento voluntário de possíveis contatos, criaria uma
identificação da área de perambulação e propiciaria a proteção do entorno.
A minuta
da Portaria de restrição foi então preparada e ficou aguardando mais de um ano
a análise da Procuradoria Jurídica da FUNAI. Essa área fora de terras indígenas
demarcadas é uma das últimas áreas intactas de floresta na proximidade de
Altamira.
A
Portaria de Restrição[9] de
Uso nº 38, de 11 de janeiro de 2011, entre as Terras Indígenas
Trincheira Bacajá e Koatinemo, na verdade, estabeleceu apenas a restrição ao
direito de ingresso, locomoção e permanência de pessoas estranhas aos quadros
da FUNAI, na área descrita na Portaria, pelo prazo de dois anos a contar de sua
publicação. A vigência da portaria expirará antes sequer do término das obras
da usina de Belo Monte, se ela viesse a ser construída[1].
"A Funai interditou uma área com presença de índios isolados denominada Ituna / Itatá, localizada entre as TIs Koatinemo e Trincheira/Bacajá. A interdição da área de 137.756 hectares foi declarada na portaria nº 38, de 11/01/2011. Em janeiro de 2013, a interdição da área foi estendida por mais três (3) anos através da Portaria da Funai n° 17 de 10/01/2013. Prazo: Abril de 2010 (data do leilão da usina). Foi atendida um ano depois de vencido o prazo." Fonte: http://amazonia.org.br/wp-content/uploads/2014/02/nota_tecnica_-_condicionantes_indigenas_final_pdf1.pdf
O leilão
de Belo Monte, no entanto, ocorreu em 20 de abril de 2010 sem que a
condicionante sobre a portaria de restrição de uso entre as Terras Indígenas
Trincheira Bacajá e Koatinemo, que visava proteger os indígenas em isolamento
voluntário, tivesse sido cumprida. A portaria só foi publicada no DOU em 12 de
janeiro de 2011.
As obras
de Belo Monte, sob licença ilegal, estão em fase de desmatamento do
reservatório. A Norte Energia já solicitou a Licença de Operação (LO) ao Ibama.
O Governo do Estado do Pará tem um projeto de concessão florestal na área
protegida Ituna/Itatá. Um território sob concessão florestal impede a proteção[10] dos
indígenas em isolamento voluntário. Eles continuam seriamente ameaçados.
E a
Portaria de Restrição de uso nº 17, de janeiro de 2013, da área Ituna/Itatá que
no papel impede a presença de estranhos, vai expirar em janeiro de 2016. Alguém
está fazendo alguma coisa para proteger esses indígenas isolados?
[1] AHE
Belo Monte Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental
(RIMA), páginas 103/111/113,
Componente IndígenaPROCESSO
IBAMA n° 02001.001848/2006-75, abril de 2009
[5] Parte
4 – Avaliação Geral dos Impactos Socioambientais nas Populações Indígenas, p.
87
[6] “A
continuidade e possível intensificação dessa ocupação por não-índios colocará
em risco a integridade física dos grupos isolados, sendo necessária a
interdição da área e as devidas ações de fiscalização. Em setembro de 2009 a
Funai enviou outra expedição para a região com o mesmo objetivo de identificar
a presença dos isolados, mas ainda não obtivemos as informações com os
resultados dessa nova tentativa.” p. 86, UHE Belo Monte – Componente Indígena
Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI
[7]
“1) Medidas ligadas ao Poder Público, a serem implementadas em diferentes
etapas: a) Ações até o leilão: 3. Publicação de portaria para restrição de uso
entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo, para proteção de
índios isolados”; UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº
21/CMAM/CGPIMA-FUNAI, ps. 95/96
[9] “1) Medidas ligadas ao Poder Público,
a serem implementadas em diferentes etapas: a) Ações até o leilão: 3.
Publicação de portaria para restrição de uso entre as Terras Indígenas
Trincheira Bacajá e Koatinemo, para proteção de índios isolados”; UHE Belo
Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI, ps. 95/96
A
PRESIDENTA DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI, no exercício da competência
estabelecida no inciso VII do art. 1º da Lei
nº. 5.371, de 5 de dezembro de
1967, combinado com o art. 7ºdo Decreto
nº. 1.775, de 8 de janeiro
de 1996, e diante do processo FUNAI/BSB/08620.003064/2010-37;
Considerando
o reconhecimento dos direitos originários dos índios sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, nos termos do art. 231 da Constituição
Federal;
Considerando
o reconhecimento do direito dos índios às terras que ocupam independente da
demarcação, devendo ser assegurado pelo órgão federal de assistência aos
índios, segundo determina o art. 25 da lei nº. 6.001, de 17 de dezembro de
1973;
Considerando
que no perímetro abaixo descrito, segundo elementos dos autos acima referidos,
encontram-se índios isolados, nos termos do inciso I do
art. 4º da Lei
nº. 6.001/73, resolve:
Art.
1º - Estabelecer restrição ao direito de ingresso, locomoção e permanência de
pessoas estranhas aos quadros da FUNAI, na área descrita nesta Portaria, pelo
prazo de três (03) anos a contar de sua publicação, nos seguintes termos:
I
- Somente poderão ingressar, locomover-se e permanecer na área descrita nesta
Portaria, por tempo determinado, pessoas autorizadas pela Coordenação-Geral de
Índios Isolados e Recém Contatados - CGIIRC.
II
- Para autorização prevista no item anterior, serão exigidas:
a)
declaração de isenção de responsabilidade da FUNAI por danos físicos e
materiais sofridos pelo (s) interessado (s);
b)
declaração de responsabilidade por danos físicos e materiais causados direta ou
indiretamente, pelo (s) interessado (s), a bens e pessoas da FUNAI, dos índios
ocupantes e o ao meio ambiente, da área objeto do perímetro descrito nesta
Portaria;
Parágrafo
Único: A restrição estabelecida nesta Portaria não se aplica às Forças Armadas
e Policiais, no cumprimento de suas funções institucionais, cujo ingresso,
locomoção e permanência na área aqui descrita, deverá ser acompanhada por
funcionários da FUNAI.
Art.
2º - A critério da FUNAI, em função das condições ambientais, climáticas ou de
acontecimentos relativos aos índios ocupantes da área descrita nesta Portaria,
as autorizações a que se refere o artigo anterior poderão ser suspensas.
Art.
3º - Vedar a exploração de qualquer recurso natural existente na área descrita
nesta Portaria, durante a respectiva vigência.
Art.
4º - Determinar que a proibição ora estabelecida seja fiscalizada pelas equipes
da Frente de Proteção Etnoambiental Médio Xingu/CGIIRC - FUNAI.
Art.
5º - A área a que se refere esta Portaria, denominar-se-á, para fins de
controle administrativo, TERRA INDÍGENA ITUNA/ITATA, localizada nos municípios
de Altamira e Senador Jose Porfirio, Estado do Pará, com superfície aproximada
de 142.402 ha e perímetro aproximado de 225 km, com os seguintes limites:
Partindo do Ponto P-01=P08 (TI Koatinemo), de coordenadas geográficas
aproximadas 03º 58'30,5"S e 52º 08'27,0" Wgr, localizado na
confluência do Rio Itatá com um igarapé sem denominação, no limite com a TI
Koatinemo, segue-se pela divisa com o projeto de assentamento PDS Itatá, em
linha reta, até o Ponto P-02, de coordenadas geográficas aproximadas 03º
52'53,3"S e 52º 02'52,4" WGr, (limite final do PDS Itatá); daí,
segue, por uma linha reta, até o Ponto P-03, de coordenadas geográficas
aproximadas 03º 51'56,7"S e 52º 00'45,8" WGr, localizado na
confluência do Rio Itatá com a foz de um igarapé sem denominação; daí, segue
pela margem esquerda do referido igarapé, a montante, até o Ponto P-04, de
coordenadas geográficas aproximadas 03º 55'51,2"S e 51º 52'08,1" WGr,
localizado na sua cabeceira; daí, segue em linha reta, até o Ponto P-05, de
coordenadas geográficas aproximadas 03º 55'59,8"S e 51º 52'04,6" WGr,
localizado na cabeceira de um igarapé sem denominação; daí, segue por este
último, a jusante, pela margem direita, até Ponto P-06, de coordenadas
geográficas aproximadas 03º 54'16,7"S e 51º 48'59,2" WGr, localizado
na confluência de outro igarapé sem denominação; daí, segue por uma linha reta
até o Ponto P-07, de coordenadas geográficas aproximadas 03º 53'09,5"S e
51º 47'00,3" WGr, localizado na cabeceira de um igarapé sem denominação;
daí segue pelo citado igarapé, a jusante, pela margem direita, até o Ponto
P-08, de coordenadas geográficas aproximadas 03º 56'41,4"S e 51º
46'07,5" Wgr; localizado na sua confluência com Rio Bacajaí, no limite com
a TI Trincheira Bacajá, daí, segue pelo referido rio, a montante, pela margem
esquerda, até o Ponto P-17 (TI Trincheira Bacajá), de coordenadas geográficas
aproximadas 04º 01'12,3"S e 51º 47'24,1" WGr, localizado na foz de um
igarapé sem denominação, afluente esquerdo do rio Bacajaí; daí, segue pelo
referido igarapé, a montante, pela margem esquerda, até o março SAT 1132 (TI
Trincheira Bacajá) de coordenadas geográficas 04º 15'50,12"S e 51º
53'57,45" WGr, localizado em sua cabeceira; daí, segue em linha reta,
passando pelos seguintes marcos (TI Trincheira Bacajá), com suas respectivas
coordenadas geográficas: M-94, 04º 15'55,49"S e 51º 54'02,96" WGr;
M-93, 04º 16'35,82"S e 51º 54'44,37" WGr; M-92, 04º 17'21,20"S e
51º 55'31,14" WGr; M-91, 04º 18'07,12"S e 51º 56'18,76" WGr;
M-90, 04º 18'50,95"S e 51º 57'04,14" WGr; M-89, 04º 19'32,07"S e
51º 57'46,83" WGr; M-88, 04º 20'02,81"S e 51º 58'18,93" WGr; até
o março SAT 1131 de coordenadas geográficas 04º 20'22,51"S e 51º
58'58,30" WGr, localizado no limite comum entre as TIs Trincheira Bacajá
(SAT 1131) e Koatinemo (M-12), na margem direita do Rio Ipiaçava; daí, segue
pelo referido rio, a jusante, até o Ponto P-11 (TI Koatinemo), de coordenadas
geográficas aproximadas 04º 10'24,7"S e 52º 13'53,3" WGr, localizado
na confluência com um igarapé sem denominação; daí, segue pelo referido
igarapé, a montante, pela sua margem esquerda, até o março M-10 (TI Koatinemo),
de coordenadas geográficas 04º 03'38,70"S e 52º 09'47,53" WGr,
localizado em uma de suas nascentes; daí, segue em linha reta até o março M-09
(TI Koatinemo), de coordenadas geográficas 04º 05'16,78"S e 52º
08'43,52" WGr, localizado em uma das cabeceiras do Rio Itatá; daí, segue
pelo referido rio, a jusante, pela sua margem direita, até o Ponto P-01=P-08
(TI Koatinemo), inicial da descrição perimétrica. OBS: 1- As coordenadas
geográficas citadas neste memorial descritivo referem-se ao Datum Horizontal
SAD-69, Meridiano Central 51º WGr. 2- Base cartográfica utilizada: MI-657,
MI-658, MI-724, MI-725.
Art.
6º - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
MARTA
MARIA DO AMARAL AZEVEDO
SECRETARIA
NACIONAL DE JUSTIÇA
DESPACHO
DO SECRETÁRIO
[1] A Funai
interditou uma área com presença de índios isolados denominada Ituna / Itatá,
localizada entre as TIs Koatinemo e Trincheira/Bacajá. A interdição da área de
137.756 hectares foi declarada na portaria nº 38, de 11/01/2011. Em janeiro de
2013, a interdição da área foi estendida por mais três (3) anos através da
Portaria da Funai n° 17 de 10/01/2013. Prazo: Abril de 2010 (data do leilão da
usina). Foi atendida um ano depois de vencido o prazo. Fonte: http://amazonia.org.br/wp-content/uploads/2014/02/nota_tecnica_-_condicionantes_indigenas_final_pdf1.pdf
Cacique geral do povo Munduruku, Arnaldo Kabá. Foto: economiauol
Telma Monteiro
Eles
vão em busca da utopia para adicionar um tanto de sonho às ambições dos jovens
guerreiros sem destino delineado.
A
insegurança é o pior inimigo contra o qual, hoje, os indígenas têm que
lutar. (Telma Monteiro)
Como
estamos em plena campanha de mobilização nacional indígena, achei uma boa
oportunidade insistir na divulgação desse plano hediondo de construir projetos
hidrelétricos nos principais rios da Amazônia.
Falar
do desastre que tem sido Belo Monte parece repetitivo. Mas não é. Belo Monte é e
sempre será o ícone maldito que retratará um dos piores capítulos da história
indígena em território brasileiro.
Da
profanação do território sagrado até o véu místico formado por centenas de
cânticos e rimas que ecoam nas pedras e nas águas dos rios.
A pressão
dos engolidores de floresta acabará se perdendo nos escaninhos da
história.
O
silêncio descerá sobre o lugar sagrado e a inocência se dissipará nas espumas.
Ritos
e cerimônias não serão ouvidos e ecoados com o murmúrio das águas do rio
poderoso e belo. (Telma Monteiro)
Mas
Belo Monte, ao que parece, não será o último símbolo dessa Odisseia. Corre o
risco de perder para o conjunto de hidrelétricas no rio Tapajós, o mais recente
plano do governo que pretende acrescentar mais uma infâmia à população indígena.
É uma mega canalhice contra os Munduruku,
a mega hidrelétrica São Luiz do Tapajós. Ela começou a ser pensada em 1986, mas
só saiu do papel em 2001, pelas mãos da Eletronorte, subsidiária da Eletrobras,
essa que está sendo investigada na operação Choque deflagrada pela PF.
O
Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da hidrelétrica São Luiz do Tapajós é tão
ruim que foi rejeitado pelos técnicos do Ibama, em dezembro de 2014, a ponto de
ter que ser refeito. Mesmo assim, o ministro de Minas e Energia, Carlos Eduardo de Souza Braga, disse que
ela vai a leilão em dezembro de 2015.
Só
esse primeiro empreendimento, essa “pérola” da engenharia hidrelétrica brasileira,
afetaria diretamente 14 mil indígenas Munduruku, distribuídos entre o alto,
médio e baixo Tapajós.
Os
empreendedores dizem, segundo estudos da Eletrobras e CNEC WorleyParsons, que seriam
664 afetados. A causa da discrepância? Estão pondo a culpa nos próprios
Munduruku e sua extensa distribuição espacial. Eles não estariam dentro da área afetada se
não fosse o crescimento da população. Pouco importa se o reservatório tem 729
km², os Munduruku não deveriam estar por ali!
Os
efeitos de remanso na porção do alto Tapajós, em que está uma grande parte da
nação Munduruku, foram simplesmente omitidos. Não se estudou as cheias
históricas que no futuro podem ser potencializadas pelos sedimentos acumulados a
montante (rio acima) e criar um aumento da área alagada. Em 2014 vimos isso acontecer no rio Madeira,
cheia histórica com inundações que afetaram, inclusive, o território boliviano,
agravada pelas hidrelétricas Santo Antônio e Jirau.
Os
planos do governo são mais abrangentes no caso da bacia do Tapajós. Podem ser
sete ou seis hidrelétricas. No caminho estão as terras indígenas Munduruku, Saí
Cinza e Kayabi. Esta última acompanha o rio Teles Pires por 280 km. A TI
Munduruku ocupa 12% da bacia do Tapajós.
Os
Munduruku foram rechaçados pelo governo. Desrespeitados pelas
autoridades durante o Acampamento Terra Livre, em Brasília, que aconteceu nesta
semana. E ignorados pela grande mídia.
Em
nome do povo Munduruku, representado aqui pelo cacique-geral Munduruku Arnaldo
Caetano Kabá; cacique Juarez da aldeia Sawre Muybu; Josias Manhuari,
coordenador da Associação Indígena Pussurú; Maria Leusa, coordenadora do
Movimento Iperêg ayû; Adalto Akay, chefe dos guerreiros; Lucivaldo Karo,
liderança da praia do Mangue; Valdeni Munduruku, líder da aldeia Teles-Pires.Denunciamos
e repudiamos o pronunciamento do ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga,
sobre seu comentário em que afirma, em audiência pública no Congresso Nacional
no dia 15/04/15, “ter bom diálogo com os Munduruku” sobre os empreendimentos de
barragens no rio Tapajós, sendo que em nenhum momento o governo ou o Estado
brasileiro abriu espaço para o diálogo.Ao
invés do diálogo, o governo enviou forças armadas para a nossa região na
tentativa de nos intimidar, garantindo os estudos dos pesquisadores em nosso
território, mesmo contra nossa vontade.E
assim como já nos manifestamos contra a construção dessas barragens em nossos
rios, que ameaçam nosso modo de vida em assembleias e manifestações anteriores,
voltamos a afirmar, através desta carta, que não aceitamos esse projeto de
morte do governo.Afirmamos
que procuramos diálogo com o governo no começo deste ano quando entregamos nas
mãos do ministro Miguel Rossetto, da Secretaria Geral da Presidência da
República, um protocolo de consulta prévia, construída pelo povo Munduruku no
qual falamos como queremos ser consultados e NUNCA recebemos respostas do
governo federal.Aproveitamos
a oportunidade para exigir a demarcação da Terra Indígena Sawre Muybu, no médio
Tapajós.Queremos
reafirmar que não aceitaremos esses empreendimentos em nossos territórios e
resistiremos bravamente pelas nossas vidas.Sawe
Sawe
Sawe
Odisseia Munduruku, por Telma Monteiro
Salvos de guerras ancestrais, em regresso,
Desembarcaram em sua própria terra,
Enfrentam os homens brancos que incriminaram a Natureza,
E os desmandos do sedutor que ainda tem que pagar pelos seus erros.
Então, o que diz, ele, o sábio da floresta,
Que diante de águas rasas e poderosas,
Devastado pelo cantar de sereias malignas de além.