Apagão? Não. Falta de investimentos, sucateamento das redes de transmissão, distribuição e das subestações são os ralos por onde escoam as perdas de boa parte da energia gerada no Brasil.
Por Telma
Monteiro*
Pois bem,
a realidade está falando mais alto. Em 19 de janeiro de 2015 o caos aconteceu. Faltou energia elétrica em 11 estados brasileiros e no Distrito Federal. Os problemas parecem ser idênticos aos que levaram ao apagão de 2009. O
Operador Nacional do Sistema (ONS) deu a ordem para redução da carga. Motivo? Está
sendo apurado, mas já adianto que divulgarão uma mentira. Eles sempre fazem isso: distorcem a
realidade. Não faltou energia, a falha foi na transmissão de energia de alta
tensão que opera no limite de sua capacidade.
Um
sistema de transmissão de alta tensão leva a energia da unidade geradora –
hidrelétrica, termelétrica, eólica - até a subestação transformadora de onde
saem as linhas de distribuição para o consumidor. O conjunto da
transmissão de alta tensão é formado de cabos condutores, cabos para-raios,
estruturas metálicas, espaçadores-amortecedores, cadeias de isoladores, torres
autoportantes ou estaiadas e subestações transformadoras que têm mais outros
tantos componentes.
Quase
todas as linhas de transmissão no Brasil têm mais de 30 anos, exceto o terceiro
circuito de Itaipu Itaberá-Tijuco Preto III que foi concluído em 2001, depois
de um histórico de quatro anos de irregularidades no processo de licenciamento
questionadas pelo ministério público. Visitei subestações de Furnas e tive a
impressão de ter voltado no tempo, para a idade da pedra em tecnologia.
Impossível não notar os painéis de controle na base das luzinhas coloridas
piscando como árvores de natal, alavancas mecânicas, sinais sonoros, reloginhos
de ponteiros e salas de controle em estado de sucata, além de decibéis
incompatíveis com a saúde do trabalhador. Eis alguns dos problemas.
Novas
tecnologias
Em 2010 foi inaugurada a linha de
transmissão de energia em ultra alta tensão mais extensa e potente do mundo, na
China. O projeto Xiangjiaba-Xangai de 800 kV tem aproximadamente 2.000
quilômetros e é uma nova referência em capacidade de transmissão, ocupa menos
espaço e as perdas ficam abaixo de 7%. A economia é equivalente à demanda de
energia de aproximadamente um milhão de pessoas na China. No Brasil as perdas
de transmissão ultrapassam os 20%.
Esse sistema de alta capacidade,
na China, compreende uma única linha de transmissão aérea. A nova
tecnologia dispõe de um sistema de controle avançado com maior capacidade e
eficiência e é adequado para países com dimensões continentais onde os centros
de consumo estão localizados longe das geradoras de energia.
Então,
diante desses avanços tecnológicos, não faz o menor sentido construir o sistema
de transmissão das usinas do Madeira com tecnologia ultrapassada – são duas
linhas, uma ficará em stand by o que comprova não só a falta
de confiança no sistema como o interesse do setor de energia em promover obras
desnecessárias – considerar um corredor de 10 quilômetros de largura,
atravessando a floresta, cidades, comunidades.
Infelizmente,
o desenvolvimento de novas tecnologias, novos conceitos de equipamentos, a
manutenção e as especificações técnicas de componentes mais evoluídos com
sistemas informatizados, controle digital, menor impacto e mais eficiência,
ainda não chegaram no Brasil. Há empresas oferecendo linhas de transmissão
de alta tensão subterrâneas. Mas, como as empresas estatais Eletronorte,
Furnas e Cemig dominam o setor de transmissão de alta tensão, só nos resta
amargar prejuízos.
A Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) tem o papel de defender os consumidores
desses prejuízos causados pelos recorrentes apagões e pela incapacidade
gerencial, falta de investimentos em novas tecnologias das empresas estatais e
concessionárias de distribuição. Depois da privatização das distribuidoras de
energia não houve investimento em modernização de estações transformadoras,
subestações e muito menos nas redes de distribuição e transmissão.
Outro
ponto a considerar sobre transmissão seria a substituição da CA – corrente
alternada, usada em todas as linhas no Brasil, por CC – corrente contínua que é
mais eficiente, porém é uma tecnologia ainda não dominada por aqui.
Devido à falta de investimento em tecnologias, o sistema de transmissão
do Madeira só ficará pronto neste ano de 2015, muito depois da primeira turbina
de Santo Antônio começar a operar!
A
tecnologia de corrente contínua requereria a repaginação de todas as hidrelétricas
em operação no Brasil, pois existe uma incompatibilidade com as máquinas
geradoras antigas em operação a mais de 30 anos. A LT do Madeira – com os
dois circuitos de 600kv CC - será acompanhada de outras linhas de transmissão
convencionais paralelas (plural porque são várias), mas com o mesmo conceito e componentes
ultrapassados (fabricados pelas mesmas indústrias desde sempre) usados há três
décadas ou mais.
Quanto à
geração, o problema virá com a diminuição da capacidade das hidrelétricas com
mais de 30 anos e numa curva descendente, pois ultrapassaram em muito o limite
da vida útil dos seus reservatórios já assoreados (já estamos vivendo esse
problema). Turbinas de última geração estão disponíveis
no mercado e a simples troca das ultrapassadas poderia revitalizar e
aperfeiçoar a capacidade de geração. Esse passo teria evitado a construção de
Belo Monte, inclusive; no entanto não interessou às concessionárias investir em
modernização já que estavam no final do contrato de concessão.
Enquanto
a China resolve seu problema de transmissão especial de alta tensão a longa
distância, reduz as perdas e os corredores, poupa energia, aumenta a eficiência
e utiliza métodos de transmissão econômica, segura e eficiente, nós no Brasil
continuamos nas mãos da ineficiência da Eletronorte, Furnas, Cemig, AES
Eletropaulo, enfrentando apagões.
Clique aqui para
ler e ver imagens que constam do Relatório de
Furnas, sobre as causas e consequências do apagão de 10 de novembro de 2009.
Ele mostra o estado da arte da falta de investimento e manutenção na
transmissão no Brasil.
* Este artigo foi originalmente escrito em 2011. Mas, como a história se repete, apenas atualizei o texto e mantive as informações do relatório do artigo original.
Conclusão do relatório sobre o apagão de 2009 |
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