quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

UHE São Luiz do Tapajós: o grave risco que correriam os moradores da comunidade Pimental

Mapa EIA - Edição Telma Monteiro
Por Telma Monteiro

O objetivo deste texto é mostrar que no processo de licenciamento da UHE São Luiz do Tapajós, algumas dúvidas sérias pairam qual nuvens negras carregadas sobre cabeças inocentes que nem imaginam o que poderia vir a atingi-las. É o caso da comunidade da Vila Pimental situada às margens do rio Tapajós, que teria que ser removida completamente, pois o local seria ocupado pelo reservatório da hidrelétrica.

Para quem ainda não sabe, o governo federal, dentro do seu projeto de expansão de geração de energia elétrica pretende construir um conjunto de hidrelétricas na bacia hidrográfica do rio Tapajós. O primeiro projeto, a UHE São Luiz do Tapajós, já está em processo de licenciamento ambiental no Ibama. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Rima) já foram entregues e estão sob análise dos técnicos do Ibama. O Ministério do Meio Ambiente (MME) tem pretensões de leiloar São Luiz do Tapajós ainda neste ano de 2015. Elenquei algumas das dificuldades que podem desestimular o governo na empreitada de fazer novas hidrelétricas na Amazônia.

A concessão da Licença Prévia (LP), pelo Ibama, ainda depende da aprovação dos estudos ambientais e da realização de audiências públicas, praxe para que, teoricamente, a sociedade conheça o projeto e se posicione com relação a ele. Diz o regulamento que rege as audiências públicas que todas as sugestões dos participantes serão incorporadas aos estudo. Na prática essas audiências nada mais são do que uma forma de legitimar esses empreendimentos e comprovar que os empreendedores e o órgão licenciador “apresentaram” oficialmente o projeto ao público. Normalmente o formato favorece a exposição e propaganda positiva do empreendimento que, na verdade, vai destruir o ambiente, desalojar compulsoriamente comunidades tradicionais, submergir terras indígenas, alterar o curso do rio, impactar a floresta e destruir a beleza cênica. Depois da LP, acontece o leilão.

Comunidade Pimental - Foto: Thais Iervolino
O grave risco que correria a comunidade Pimental

Em 05 de agosto de de 2014 aconteceu uma reunião na sede do Ibama, em Brasília, em que participaram a Eletrobras, Elabore[1] e CNEC WorleyParsons Engenharia S.A.[2], empresas responsáveis pelo desenvolvimento dos estudos ambientais da UHE São Luiz do Tapajós, no rio Tapajós. A pauta da reunião foi extensa, mas o que mais chama a atenção entre todos os itens, é a preocupação dos técnicos do Ibama com relação  a convivência dos moradores da Vila Pimental, se for construída a hidrelétrica, com os impactos da obra na suas portas, literalmente, durante 24 meses.

Para o Ibama, a discussão precisaria ser aprofundada, uma vez que há falhas nas explicações da CNEC WorleyParsons Engenharia S.A. sobre os pontos positivos que não acredito existirem e os negativos que iriam desde o acesso comprometido pelas obras, até a falta de negociação adequada sobre o remanejamento da população. Outros impactos, diz o Ibama, não foram considerados e, portanto, sequer analisados.

Em 02 de outubro de 2014, em nova reunião, desta vez específica sobre o Programa de Contingência da Vila Pimental, a Eletrobras tentou prestar esclarecimentos. Uma das questões seria a probabilidade de riscos de inundação de Pimental durante sua possível convivência com o canteiro de obras, já que as ensecadeiras fariam aumentar o nível da água do rio Tapajós em 60 cm.

A explicação da Eletrobras é de um contrassenso incrível. Para a empresa, se o cronograma das obras for obedecido não haveria risco de inundação da área da Vila Pimental. Já estamos acostumados a conviver com a falta de cumprimento dos cronogramas das obras dos empreendimentos hidrelétricos em andamento na Amazônia. Praticamente, a maioria dos cronogramas não é cumprido, desde Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, passando por Belo Monte, no rio Xingu, UHE Teles Pires, no rio Teles Pires, apenas para ficar nesses exemplos, pois há muitos mais.
Comunidade Pimental. Foto: Thais Iervolino
Mesmo assim a Eletrobras cogitou de possível “descompassos nos cronogramas” que poderiam comprometer a retirada da população antes do período de cheia, o que aumentaria o tempo de exposição ao risco de inundação. A cota de inundação do canteiro de obras é 29 e no ano de 2013 a cheia atingiu essa cota e se houver atraso no cronograma as ensecadeiras provocariam a inundação da Vila Pimental. Simples assim! Afirmação pusilânime, portanto, caso o empreendimento seja levado a cabo.

Enchentes na cota 29 e 31 são passíveis de acontecer também no Tapajós. Veja-se o que ocorreu na grande cheia do rio Madeira, em 2014, que não era previsível num tempo de recorrência de 10.000 anos. Mas o clima está mudando e os regimes de cheias dos rios amazônicos também. Estamos vivenciando isso novamente na bacia do rio Madeira, do rio Acre e do rio Negro. As preocupações dos técnicos do Ibama se justificam.

Outro ponto abordado na reunião com a Eletrobras e as empresas foi a modalidade de reparação reassentamento da população de Pimental para que não haja desagregação social e se mantenha as práticas tradicionais. No entanto, o risco intrínseco que correrão os moradores de Pimental, nunca lhes foi comunicado, nem pelo chamado Diálogo Tapajós que está a serviço da Eletrobras. Há, inclusive, conforme pude apreciar nas memórias das reuniões, a necessidade de preparar e licenciar o assentamento antes da mudança da população. É óbvio! E se o que a Eletrobras considera improvável, ou seja, se o cronograma não seguir normalmente? O que aconteceria com a comunidade Pimental?

Há que se considerar, também, a preocupação com relação ao tempo necessário para o licenciamento ambiental do assentamento. Segundo o Ibama, tanto a vila Pimental como os terrenos da Colônia Pimental, seriam afetados. A Eletrobras ficou de encaminhar o Programa de Contingência da Vila Pimental.

Esse é apenas um exemplo de como as empresas tratam de forma displicente, nos bastidores, os riscos inerentes às construções de empreendimentos que afetam as populações no Brasil.



[1] Elabore, empresa contratada pela Eletrobras para prestar “assessoria estratégica” em meio ambiente.
[2] CNEC WorleyParsons Engenharia S.A. para prestação de serviços de consultoria, no gerenciamento de projetos e em soluções completas de engenharia, que abrangem desde os estudos de viabilidade até o início da operação do empreendimento. 

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

UHE São Manoel: compensação ou troca troca?

Foto: obras da UHE São Manoel, Constran
Telma Monteiro

Olha aí, mais uma vez. Agora é o pacote de bondades do consórcio da UHE São Manoel. Seção troca troca. Funciona assim: vocês (a sociedade local) nos deixam construir a hidrelétrica que está a menos de 500 m da terra indígena, que vai destruir o rio Teles Pires, os locais sagrados da cultura indígena, que vai sumir com as espécies de peixes, que vai impactar a biodiversidade de forma irreversível, que vai desmatar, que vai tornar um inferno suas vidas e nós vamos fazer o papel do Estado "doando" aquilo que a população tem direito e não tem acesso. Já chega!
O que ninguém diz é que esse custo da distribuição de "benesses" está embutido no custo do empreendimento e que, além de pagar os impostos que teoricamente serviriam para suprir essas necessidades, a sociedade acaba pagando mais caro pela energia gerada, portanto duas vezes. É preciso parar com essa aceitação tácita em torno de obras que não vão compensar, jamais, com as "doações", os impactos que afetarão, para sempre, milhares de pessoas e o ambiente em que vivem. 

Leia mais detalhes em:




Será que o governo desistiu de fazer hidrelétricas na Amazônia?

Belo Monte, rio Xingu
Telma Monteiro

Tem quem esteja cético quanto à notícia  da desistência do governo em construir usinas na Amazônia. Na verdade, no primeiro momento também tive dúvidas, pois não há uma afirmação de que desistiram do Tapajós. Porém, a possível decisão poderia se justificar por:

1. A Lava Jato "engessou" grandes empreiteiras;
2. Mesmo que houvesse interesse por parte delas, seria muito difícil impor sobrepreços;
3. Em tese, o BNDES não poderia, com a mesma facilidade, conceder os recursos nas mesmas condições de juros abaixo do mercado; não há dinheiro sobrando; mas como no governo tudo é possível, não dá para afirmar;
4. Em tese, o governo não poderia, dadas os escândalos atuais, conceder benesses fiscais, carências; mas com apenas uma canetada, seria possível e a gritaria viria depois;
5. As mudanças climáticas e as alterações dos regimes de cheias dos rios amazônicos estão prejudicando as hidrelétricas sem grandes reservatórios; mas corremos o risco de o governo decidir construir outras hidrelétricas com grandes reservatórios; há pressão do setor nesse sentido;
6. O preço teto de um leilão A5 de hidrelétrica teria que ser maior que os anteriores, o que aumentaria ainda mais o custo da energia para o cidadão;
7. Os indígenas e as populações ribeirinhas já estão capacitados para lutar e exigir seus direitos, lutar contra, criar atrasos e paralisações nos processos e inviabilizar os empreendimentos no curto prazo; 
8. As compensações e mitigações se constituem, atualmente, num ônus bastante expressivo para os interessados e os prestadores de serviço;
9. O ministério público não está deixando passar nenhuma irregularidade, pois conta com um corpo ativo e técnico e conta com os subsídios de acadêmicos, pesquisadores e especialistas; 
10. Continuo analisando os processos de licenciamento ambiental que tramitam no Ibama e constatei que as equipes técnicas estão exigindo ao extremo o cumprimento dos termos de referência para provar a viabilidade dos empreendimentos hidrelétricos;
11. Os atrasos das obras de Belo Monte, Jirau, Santo Antônio, por exemplo, colocaram em risco os investidores, as margens e a credibilidade das empresas;
12. O risco ficou tão grande que empresas e investidores nacionais e internacionais estão se voltando para outras alternativas ou esperando para ver no que dá;
13. As alternativas genuinamente limpas de energia estão despontando com força, pela primeira vez;
14. A necessidade (para o governo) de aumentar a geração de energia elétrica vai conduzir, esse é o risco maior que corremos, na direção das termelétricas que brotarão como cogumelos pelo Brasil;
15. A Petrobras está ferrada, mas tem gás sobrando e precisa usá-lo e nada mais óbvio que use para tocar novas termelétricas;
16. Por fim, a construção de uma termelétrica demanda muito menos tempo e estresse para o setor; e a visão do governo é que o país precisa de energia urgente.

Talvez eu esteja otimista demais, mas sonhar também é bom! Sinceramente, espero estar certa!

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Energia elétrica 2015: vulnerabilidade sem precedentes


UHE Santo Antônio, rio Madeira. Foto: PAC2
Telma Monteiro

Dá uma olhada na situação dos reservatórios das hidrelétricas no último dia 06 de fevereiro (tabelas da situação da energia armazenada, abaixo, comparam 06 de fevereiro de 2015 e 06 de fevereiro de 2014). 
Energia armazenada em 06 de fevereiro de 2015. Fonte: ONS

Energia armazenada em 06 de fevereiro de 2014. Fonte: ONS
Como o Brasil é dependente de energia hidrelétrica (crítica que tem sido feita pelos especialistas) e carece de investimentos em alternativas genuinamente limpas (social e ambientalmente falando), este governo nos colocou numa situação de vulnerabilidade sem precedentes. Não há campanhas para economizar, não houve preocupação em conter o consumo industrial e comercial, não foram tomadas medidas para fechar as torneiras das perdas em transmissão e distribuição e a sociedade não foi convidada a discutir quem são os verdadeiros vilões da atual escassez de energia elétrica.
Como disse o professor Celio Bermann, em entrevista ao IHU, o consumo residencial é de 25%. Quem fica com o grosso da geração? As indústrias eletrointensivas, principalmente de alumínio, aço, petroquímica, papel e celulose. Essas indústrias deveriam ser obrigadas a economizar e pagar mais caro pelo uso da energia elétrica, além de reformar seus parques com novas tecnologias, já que na verdade exportam energia e água embutidas nos seus produtos. Mas o governo insiste em planejar mais hidrelétricas como as previstas para o rio Tapajós. 

Leia mais sobre o assunto na matéria:

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