Rio Tapajós. Imagem: brasildefato |
Telma
Monteiro
Entre setembro de 2014 e março deste ano, um conjunto de pareceres técnicos emitidos pelo Ibama, Funai, Iphan e Ministério da Saúde apontam os erros e omissões dos estudos ambientais das UHE São Luiz do Tapajós. O EIA terá que ser praticamente refeito, tantas são as complementações necessárias pedidas pelos técnicos do Ibama.
Já
em setembro de 2014, o Iphan considerou que o “Diagnóstico Arqueológico
Interventivo na Área de Abrangência da AHE São Luiz do Tapajós” apresentado
pela Eletrobras e CNEC WorleyParsons, para subsidiar a Licença Prévia (LP),
precisava de complementações e se manifestou pelo seu indeferimento.
A
partir daí os pareceres que atestavam a inviabilidade do empreendimento se
sucederam. Eles descrevem as lacunas e deficiências do conjunto de 25 volumes,
24 volumes de anexos e 13 volumes de mapas temáticos (62 volumes no total), do
Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Respectivo Relatório de Impacto Ambiental
(RIMA) da hidrelétrica planejada num rio sagrado pela natureza exuberante e para
o incrível povo Munduruku e sua rica cultura.
Outro
parecer, de outubro de 2014, o Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e
Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde também encaminhou considerações
sobre a análise do EIA/RIMA. Entre uma série de irregularidades apontou a forma
dispersa como foram apresentadas algumas das comunidades que seriam afetadas. Entre
elas, a comunidade Pimental, às margens do rio Tapajós, a maior a ser
diretamente impactada pelo empreendimento, a Tucunaré e a São Luiz do Tapajós.
O
parecer menciona a falta de clareza nas informações sobre o número de pessoas
que migrarão para a região em decorrência das obras, já que exemplos desse
impacto não faltam. É necessário que os programas propostos estejam de acordo
com os impactos impostos sobre a fragilidade que já existe nos serviços
públicos.
Em
26 de novembro de 2014, a Funai, em ofício, aponta impropriedades no “Estudo de
Componente Indígena”, volume 22, com relação à metodologia estabelecida, pois
não houve trabalho de campo nas áreas indígenas e o produto, então, seria
baseado em dados secundários. Isso, por si só, diz o texto, inviabilizaria a
análise do mérito. O processo está interrompido até o encaminhamento de nova
documentação. O ofício é assinado pelo Presidente Interino da Funai, Flávio
Chiarelli Vicente de Azevedo.
A
análise do diagnóstico referente aos temas bioespeleologia, fitoplâncton,
ictiofauna, ictioplâncton e zooplâncton, assinada em 4 de dezembro de 2014, tem
29 páginas e conclui que requerem 13 complexos esclarecimentos do empreendedor.
Eles vão desde contradições com relação à localização das cavidades encontradas
na região do empreendimento, passam por divergências nos quantitativos de
riqueza de espécies e vão até às conclusões insatisfatórias sobre a abordagem
genética.
Em
19 de dezembro de 2014, a coordenadora de licenciamento do Ibama, Monica
Cristina Cardoso da Fonseca, expediu um despacho pedindo dilação de prazo para a
tarefa de avaliação dos impactos e programas ambientais do EIA de São Luiz do
Tapajós, devido à complexidade e extensão do documento que já somava cerca de
500 páginas.
O
Ministério da Saúde também emitiu um parecer, em 30 de janeiro de 2015, em que
analisou o Estudo de Avaliação do Potencial Malarígeno da UHE São Luiz do
Tapajós, para emissão de laudo. Concluiu
que a área onde será implantado o empreendimento é considerada de alto risco de
transmissão, recomendando emissão do laudo.
Em
02 de março de 2015 o diretor da Eletrobras, Valter Luiz Cardeal de Souza, foi
comunicado sobre os questionamentos, as análises e os pedidos de
complementações referentes ao diagnóstico dos meios físico, biótico e
socioeconômico e aos impactos e programas ambientais, feitos pelas equipes
técnicas do Ibama. A Eletrobras terá que fazer, praticamente, um novo EIA.
·
- Detalhamento e discussão de alternativas técnicas e locacionais do empreendimento;
- Detalhamento e discussão do comportamento hidrodinâmico no Trecho da Vazão Reduzida (TVR);
- Apresentação e discussão de hidrograma ecológico a ser implantado visando a manutenção da qualidade da água, beleza cênica e ecossistemas aquáticos;
- Detalhamento do prognóstico da qualidade da água;
- Detalhamento das interferências decorrentes do enchimento e operação do reservatório, incluindo as consequências a montante, provocadas pelo remanso, e a jusante, decorrentes da operação de ponta;
- Detalhamentos dos impactos ambientais do projeto de alteamento da BR 230, estradas vicinais, construção do porto e linhas de transmissão;
- Apresentação e discussão acerca da perda de habitats de espécies exclusivas/dependentes da Área Diretamente Afetada (ADA);
- Detalhamento e discussão acerca dos impactos sobre a migração da ictiofauna;
- Detalhamento acerca de uso e ocupação, modo de vida, infraestrutura, educação, segurança e pesca na ADA e na Área de Influência Direta (AID)
Mais irregularidades, alguns
exemplos
Em
18 de dezembro de 2014 os técnicos do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) assinaram um parecer técnico sobre o
EIA/RIMA do projeto da hidrelétrica São Luiz do Tapajós. Tecnicamente, pediram
complementações, mas na prática o EIA foi considerado inconsistente e cheio de
lacunas.
Em
síntese, ficou patente a inviabilidade do empreendimento planejado no rio
Tapajós. Nas 210 páginas do parecer, os
técnicos analisaram os impactos e programas ambientais apresentados no EIA da
UHE São Luiz do Tapajós. Concluíram que os impactos apontados pelos
empreendedores aos meios físico, biótico e socioeconômico, associados às
medidas de controle propostas, evidenciaram fragilidade dos estudos
apresentados.
Para
se ter ideia do grau de destruição que a construção da hidrelétrica poderia
trazer, basta dizer que os técnicos consideraram a região com um ecossistema que
“apresenta alto grau de preservação ambiental” que, afirmam, é confirmado nos
dados do próprio EIA. Fica evidente, concluem eles, a riqueza extraordinária da
bacia do Tapajós, corroborada pela Avaliação Ambiental Integrada (AAI) que
descreve a altíssima diversidade biológica aquática e terrestre e recursos
minerários abundantes.
Pincei
entre os impactos mencionados o desaparecimento de 14 lagoas sazonais e
perenes, 7.0253 hectares de pedrais e 17 corredeiras, 18 praias num total de 223 hectares,
320 ilhas totalizando 4.626 hectares. Mais ainda, 23.960 hectares de planícies
aluvias do Tapajós, que significam 83%, e que são considerados de sensibilidade
ambiental muito alta, também desaparecerão. Tudo isso, no entanto, os técnicos
do Ibama consideraram mal caracterizado nos estudos.
Lagoas,
praias, pedrais, corredeiras, planícies e ilhas ficarão submersos para sempre.
Outro problema desconsiderado foi a
oxigenação da água devido ao afogamento das corredeiras, resultando na
alteração da água superficial e consequentes impactos na biota e perda da
beleza cênica. Com a perda das praias, se perde um naco da natureza exuberante
do rio Tapajós.
A abordagem indispensável sobre os
impactos da remobilização do mercúrio durante os trabalhos de escavações no
leito do rio, não foi feita. Esse mercúrio que repousa no fundo, que seria
favorável à metilação – transformação do mercúrio em sua forma mais tóxica, bioacumulável
- pode contaminar toda a cadeia alimentar durante e após o enchimento do
reservatório. Esse impacto não foi avaliado, o que demonstra mais um descaso.
Lençol freático, microclima e recursos
minerários
O
lençol freático sofrerá elevação com enchimento do reservatório, causando
impactos nas comunidades próximas como na de Tucunaré e nos assentamentos e
projetos de desenvolvimento sustentável. A formação do lago deve afetar
inclusive os índices de precipitação, a nebulosidade, a temperatura e umidade
do ar e os ventos. E a emissão de gases de efeito estufa foi tratada de forma
genérica, segundo os técnicos, sem estimativa ou propostas de programa
específico.
Quanto aos recursos minerários a falha do EIA pode ser ainda mais grave, já que não há uma previsão do quanto de riqueza mineral seria extraída ou deixaria de ser extraída.
Continua em outro artigo.